Acórdão Nº 0014662-45.2019.8.24.0038 do Primeira Turma Recursal - Florianópolis (Capital), 10-03-2022

Número do processo0014662-45.2019.8.24.0038
Data10 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Tipo de documentoAcórdão
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014662-45.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Juiz de Direito MARCIO ROCHA CARDOSO

APELANTE: JOSE CESAR DA SILVA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Relatório dispensado, nos termos do art. 46 da Lei n. 9.099/1995.

VOTO

Tratam os autos de apelação criminal interposta em face de sentença que condenou o acusado à pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias de prisão simples, em regime semiaberto, substituída por prestação pecuniária fixada em um salário mínimo em favor de subconta deste Juizado em razão da prática da contravenção tipificada no art. 65 do Decreto-Lei 3.688/41.

Irresignada, a defesa apelou a esta Colenda Turma de Recursos sustentando, em síntese, que a Lei n. 14.132/2021 revogou o art. 65 do Decreto-Lei 3.688/41 ao instituir a nova figura típica do art. 147-A do CP (stalking), ocorrendo abolitio criminis em relação às condutas descritas na denúncia. Ademais, sustenta que o novel dispositivo condiciona o procedimento da ação penal à representação da vítima.

O recurso, adianto, não comporta acolhimento. Não há dúvidas de que a Lei n. 14.132/2021 revogou o art. 65 do Decreto-Lei 3.688/41 ao instituir a nova figura típica do art. 147-A do CP (stalking). Em comentário à inovação legislativa, Greco (2021, p. 389)1 pontua que

"O crime de perseguição, conhecido internacionalmente como staking, foi inserido no Código Penal (art. 147-A) através da Lei n. 14.132/2021. Não se cuida de um comportamento novo, mas sim de uma conduta que se perde no tempo, embora seu estudo tenha começado, com mais profundidade, na década de 1990, principalmente nos EUA. O núcleo perseguir nos dá a ideia de uma conduta praticada pelo agente que denota insistência, obsessão, comportamento repetitivo no que diz respeito à pessoa da vítima. Está muito ligado à área psicológica do perseguidor, muitas vezes entendido como sendo um caçador à espreita de sua vítima.

Exige a lei, para efeitos de configuração dessa perseguição, que ela ocorra de forma reiterada, ou seja, constante, habitual. Isso quer dizer que uma única abordagem, mesmo que inconveniente, não se configurará o delito em estudo."(Grifo nosso)

E continua:

"Mas, o que significa, realmente, um comportamento reiterado, vale dizer, habitual? Duas condutas já seriam o suficiente para se configurar a perseguição? Essa é uma questão onde somente o caso concreto poderá demonstrar, como exemplificado anteriormente, se os comportamentos levados a efeito pelo agente poderão o não se configurar em stalking. Conduto, entendemos que se os fatos forem praticados, por exemplo, por somente duas vezes, ou seja, se houver uma primeira abordagem por parte do agente, que insistiu numa segunda, não poderemos falar no delito em estudo, uma vez que isso não importa na reiteração exigida pelo tipo penal que prevê o delito de perseguição."

Assim, a depender da situação do caso concreto, há necessidade de se verificar se houve, de fato, supressão formal e material, ou se há continuidade do tipo de injusto no novo ordenamento. Nesse sentido, "o princípio da continuidade normativo-típica (...) significa a manutenção do caráter proibido da conduta, porém com o deslocamento do conteúdo criminoso para outro tipo penal. A intenção do legislador, nesse caso, é que a conduta permaneça criminosa." (CUNHA, 2020, p. 142).2

Dessa maneira, consoante entendimento ainda em construção, considerando que a alteração legislativa ocorreu há menos de um ano, o legislador teve a intenção de manter o núcleo central da perturbação da tranquilidade, porém quando acontece de moro reiterado (perseguição), enquanto, em princípio, o tipo incriminador anterior (art. 65 do Decreto-Lei 3.688/41) servia à punição de um único ato de molestar alguém. Sobre o assunto,

"A principal distinção entre os dois dispositivos penais é a inclusão, na nova lei, da exigência de que a conduta se dê de forma reiterada. Na contravenção penal do artigo 65 um único ato de perturbação por acinte ou motivo reprovável já poderia, em tese, configurar a contravenção. Por exemplo, ficar esperando a vítima na porta de seu trabalho, uma única vez, num contexto claro de perseguição. Casos como esse estão alcançados pela 'abolitio criminis'." (BIANCHINI; ÁVILA, 2021).3

Este entendimento tem sido respaldado pela jurisprudência:

EMENTA: APELAÇÕES CRIMINAIS - CONTRAVENÇÃO PENAL PREVISTA NO ARTIGO 65 DO DECRETO-LEI 3.688/1941 - ATO ÚNICO PRATICADO PELOS ACUSADOS - LEI 14.132/2021 - ABOLITIO CRIMINIS - INEXISTÊNCIA DE CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA - PUNIBILIDADE EXTINTA - CRIME DE ROUBO MAJORADO NA FORMA TENTADA - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - TENTATIVA - DIMINUIÇÃO EM 5/12 - MANUTENÇÃO - PERCURSO DE PRATICAMENTE TODO O ITER CRIMINIS - RECURSOS PROVIDOS EM PARTE. 1. Com o advento da Lei 14.132/2021, que acrescentou o crime de perseguição no artigo 147-A do Código Penal e revogou expressamente o artigo 65 da Lei das Contravenções Penais, tornou-se atípica a conduta de molestar a vítima por uma única vez, ante a necessidade de habitualidade da nova figura delitiva. 2. Não ocorrendo o fenômeno da continuidade normativo-típica em relação aos fatos praticados pelos acusados, encontra-se extinta a punibilidade, nos termos do artigo 107, inciso III, do Código Penal. 3. Diante da existência de provas inequívocas acerca da autoria e materialidade em relação ao crime de roubo tentado, não há que se falar em absolvição. 4. A redução da pena pela tentativa deve ser inversamente proporcional ao "iter criminis" percorrido pelo agente, de modo que quanto mais próximo da consumação do crime, menor deve ser a redução da reprimenda. 5. Tendo os réus percorrido praticamente todo o "iter criminis", a redução...

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