Acórdão Nº 0014756-57.2009.8.24.0033 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 05-05-2022

Número do processo0014756-57.2009.8.24.0033
Data05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
RECURSO ESPECIAL EM Apelação Nº 0014756-57.2009.8.24.0033/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

RECORRENTE: LIBRA SERVICOS DE NAVEGACAO LTDA. RECORRIDO: EASY SOLUTION LOGISTICA LTDA

RELATÓRIO

Easy Solution Logística Ltda ajuizou ação de indenização contra Companhia Libra de Navegação, aduzindo que contratou o serviço de frete marítimo da empresa ré, a qual, por não haver cumprido os termos do contrato, fez com que a carga fosse enviada de volta ao porto de origem, motivo de requerer a indenização relativa aos pagamentos decorrentes das despesas de desembarque, de armazenagem e de sobreestadia (evento 78/1G, fls. 1-15).

Citada, a ré apresentou contestação (evento 79/1G, fls. 112-144).

Ao sentenciar o feito, o juízo da origem julgou improcedentes os pedidos iniciais (evento 89/1G, fl. 249).

Sobreveio a interposição de recurso de apelação cível apenas pela autora (evento 94/1G, fls. 253-260), com contrarrazões no evento 98/1G, o qual foi conhecido e parcialmente provido, cujo dispositivo do voto condutor do julgamento assim consignou (evento 33/2G):

Ante o exposto, voto por conhecer do recurso interposto pela parte autora e dar-lhe parcial provimento para, em reforma da sentença, julgar parcialmente procedentes os pedidos da ação indenizatória subjacente para: (i) condenar a ré, Libra Serviços de Navegação Ltda., a indenizar à autora, Easy Solution Logística Ltda., na forma simples, os valores de: (a) R$ 8.208,80 (oito mil duzentos e oito reais e oitenta centavos), relativos a frete e despesas portuárias, (b) R$ 32.848,13 (trinta e dois mil oitocentos e quarenta e oito reias e treze centavos), referentes as despesas de desembarque, armazenagem, sobreestadia na Alemanha, (c) R$ 20.257,16 (vinte mil duzentos e cincoenta e sete reais e dezesseis centavos), alusivos as despesas de armazenagem e retorno da mercadoria via conteiner, acrescidos tais valores de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação (art. 405 do CC), e de correção monetária pelo INPC, a contar do efetivo desembolso de cada dispêndio; (ii) declarar inexigível o débito de R$ 25.428,00 (vinte e cinco mil quatrocentos e vinte e oito reais), relativo às despesas de sobreestadia do contêiner no período pós retorno ao país; (iii) redistribuir o ônus da sucumbência, na proporção de 75% (setenta e cinco por cento) a serem pagos pela ré/apelada, e 25% (vinte e cinco por cento) ao encargo da autora-apelante, relativamente às custas processuais e aos honorários advocatícios, estes ora mantidos no percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa.

Ao acórdão, a ré-apelada opôs embargos de declaração (evento 39/2G), que foram conhecidos e desprovidos, nestes termos ementados (evento 48/2G):

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PROPOSTA NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO INTERNACIONAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REGIDA PELO CPC/2015. DECISÃO COLEGIADA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS DA AÇÃO. INSURGÊNCIA DA RÉ-APELADA.

ALEGADA OMISSÃO QUANTO À TESE DE PRESCRIÇÃO. VÍCIO INEXISTENTE. MATÉRIA AFASTADA PELA SENTENÇA COM A QUAL A RÉ SE CONFORMOU, NÃO TENDO RECORRIDO A TEMPO E MODO. EFEITO DEVOLUTIVO DO RECURSO QUE AUTORIZA A APRECIAÇÃO APENAS DAS TESES IMPUGNADAS. ADEMAIS, CASO CONCRETO EM QUE INAPLICÁVEL A PRESCRIÇÃO ÂNUA PROPUGNADA, POR SE TRATAR DE DEMANDA QUE BUSCA INDENIZAÇÃO PELA RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE FALHA NA EXECUÇÃO DO CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DENOMINADO INTERMODAL (PORTO A PORTO), SUBMETIDO AO PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL DO CÓDIGO CIVIL, O QUAL NÃO DERRUIU.

ARGUMENTOS QUANTO À EXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE EM RELAÇÃO À FALTA DE PROVAS DAS DESPESAS PLEITEADAS PELA PARTE AUTORA. VOTO QUE EXPRESSAMENTE ANOTOU TODOS OS DOCUMENTOS QUE COMPROVAM OS VALORES REQUERIDOS PELA DEMANDANTE. PARTE RÉ, ORA EMBARGANTE, QUE NA FASE DE DEFESA, NÃO IMPUGNOU ESPECIFICAMENTE OS DOCUMENTOS CONTRA OS QUAIS AGORA SE INSURGE. ÔNUS QUE LHE INCUMBIA. MATÉRIA PRECLUSA. NÍTIDA PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. OBSCURIDADE NÃO VERIFICADA.

OBSCURIDADE RELATIVA AO PERCENTUAL DE DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. VÍCIO, IGUALMENTE, INEXISTENTE. PARTE AUTORA QUE DECAIU APENAS DO PEDIDO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. PROPORÇÃO DA SUCUMBÊNCIA QUE SE MOSTRA RAZOÁVEL E CONDIZENTE COM O QUE DETERMINA O ARTIGO 86, DO CPC. ACÓRDÃO MANTIDO.

ACLARATÓRIOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

Na sequência, a apelada/embargante interpôs recurso especial (evento 54/2G), ao argumento de que o acórdão impugnado deixou de aplicar a legislação específica quanto à incidência da prescrição ânua, em afronta à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (recurso especial n. 1.278.722/PR).

Os autos foram remetidos à 3º Vice Presidência desta Corte de Justiça, que proferiu decisão no sentido de que o acórdão recorrido não se harmoniza com a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça quanto ao prazo prescricional nas ações de cobrança de taxa de sobreestadia, determinando o retorno dos autos a este órgão julgador para, na forma dos artigos 1.030, II, e 1.040, II, do CPC, apreciar a matéria destacada (Tema 1035).

Contra a decisão, a empresa apelante-embargada opôs embargos de declaração (evento 76/2G), julgados improcedentes (evento 79/2G).

Vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

Inicialmente, registra-se que o julgamento impugnado foi realizado já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, diploma legal que deve disciplinar o cabimento e o processamento do recurso especial em evidência e, consequentemente, também a hipótese do juízo de retratação, em observância ao princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Presentes os pressupostos legais, procede-se à revisão do julgamento de mérito deste Colegiado, em relação à tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo.

Trata-se de juízo de retratação de matéria decidida por esta Primeira Câmara de Direito Comercial, em julgamento ocorrido no dia 20-5-2021 (evento 48/2G), o qual conheceu e desproveu os embargos de declaração opostos pela parte apelada contra o acórdão deste órgão colegiado, que, por sua vez, conheceu e deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela autora, ora recorrida, para, em reforma da sentença, julgar parcialmente procedentes os pedidos da ação indenizatória.

A revisão ora em apreciação consiste em verificar a aplicabilidade à presente hipótese da tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1035 (recurso especial repetitivo n. 1819826/SP e n. 1823911/PE), e se o acórdão impugnado diverge do paradigma.

A tese do Tema 1035 foi firmada pelo Superior Tribunal de Justiça nestes termos: "A pretensão de cobrança de valores relativos a despesas de sobre-estadias de contêineres (demurrage) previamente estabelecidos em contrato de transporte marítimo (unimodal) prescreve em 5 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002".

A ementa do recurso especial repetitivo n. 1819826/SP, assim foi redigida:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA POR SOBRE-ESTADIA DE CONTÊINERES. TRANSPORTE MARÍTIMO. UNIMODAL. DESPESAS DE SOBRE-ESTADIA. PREVISÃO CONTRATUAL. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 206, §5º, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL. ARTS. 8º DO DECRETO-LEI Nº 116/1967 E 22 DA LEI Nº 9.611/1998. PRAZO. PREVISÃO. APLICAÇÃO ANALÓGICA. IMPOSSIBILIDADE.1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).2. Ação de cobrança de valores relativos a despesas de sobre-estadia de contêineres (demurrage) previamente estabelecidos em contrato de transporte marítimo (unimodal). Acórdão recorrido que, dando provimento a apelação do autor, afastou tese defensiva de prescrição ânua da pretensão autoral e determinou o retorno dos autos ao juízo de origem para regular processamento do feito.3. Recurso especial que reitera pretensão da demandada (afretadora) de que se reconheça prescrita a pretensão da autora (armadora) a partir da aplicação ao caso, por analogia, do prazo prescricional de 1 (um) ano de que tratam os arts. 8º do Decreto-Lei nº 116/1967 e 22 da Lei nº 9.611/1998.4. Para as ações ações fundadas no não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal, o prazo prescricional, apesar da revogação do Código Comercial, permanece sendo de 1 (um) ano, haja vista a existência de expressa previsão legal nesse sentido (art. 22 da Lei nº 9.611/1998).5. A diferença existente entre as atividades desempenhadas pelo transportador marítimo (unimodal) e aquelas legalmente exigidas do Operador de Transporte Multimodal revela a manifesta impossibilidade de se estender à pretensão de cobrança de despesas decorrentes da sobre-estadia de contêineres (pretensão do transportador unimodal contra o contratante do serviço) a regra prevista do art. 22 da Lei nº 9.611/1998 (que diz respeito ao prazo prescricional ânuo aplicável às pretensões dos contratantes do serviço contra o Operador de Transporte Multimodal).6. As regras jurídicas acerca da prescrição devem ser interpretadas estritamente, repelindo-se a interpretação extensiva ou analógica.Daí porque afigura-se absolutamente incabível a fixação de prazo prescricional por analogia, medida que não se coaduna com os princípios gerais que regem o Direito Civil brasileiro, além de constituir verdadeiro atentado à segurança jurídica, cuja preservação se espera desta Corte Superior.7. Em se tratando de transporte unimodal de cargas, quando a taxa de sobre-estadia objeto da cobrança for oriunda de disposição contratual que estabeleça os dados e os critérios necessários ao cálculo dos valores devidos a título de ressarcimento pelos prejuízos causados em virtude...

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