Acórdão nº 0015306-52.2013.8.14.0401 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Penal, 18-07-2023

Data de Julgamento18 Julho 2023
Órgão1ª Turma de Direito Penal
Ano2023
Número do processo0015306-52.2013.8.14.0401
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoRoubo Majorado

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0015306-52.2013.8.14.0401

APELANTE: JAILSON GUILHERME DE SOUSA QUARESMA

APELADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargadora VÂNIA LÚCIA CARVALHO DA SILVEIRA

EMENTA

APELAÇÃO PENAL. ART. 158, §3º, C/C §1º, DO CPB. PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. RATIFICAÇÃO JUDICIAL. MÁCULA NÃO SUPERADA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IN DUBIO PRO REO. REFORMA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. PROCEDÊNCIA DO PLEITO ABSOLUTÓRIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

1. Conforme novo paradigma da Corte Superior de Justiça (HC n. 598.886/SC), o mero reconhecimento de pessoa por fotografia não pode servir como única prova a lastrear o édito condenatório, ainda que ratificado em juízo, notadamente, se da situação, como no caso, não desponte lastro probatório independente e idôneo que venha corroborar a formação do convencimento judicial.

2. No caso, inexistente, data vênia, provas contundentes acerca da autoria ilícita, subsistindo, na verdade, grande dúvida acerca da autoria imputada ao recorrente, uma vez não comprovada sua participação, cabalmente, no evento delito.

3. Não se descura do valor maximizado da palavra da vítima em delitos cometidos como da espécie, perpetrados na senda da clandestinidade. No entanto, como qualquer modalidade de prova, deve ela, para se ver apta a subsidiar um édito condenatório, não deixar espaço para dúvidas, pois, no Processo Penal, a dúvida favorece ao acusado, como diz o célebre brocado.

4. Não logrou êxito o Parquet em produzir nos autos provas que demonstrassem, de forma estreme de dúvidas, a autoria delitiva, não tendo se desincumbido do pesado ônus que, no Processo Penal de modelo acusatório, calcado no princípio de presunção de inocência, lhe assiste, quanto à produção de provas.

5. Há de ser reformada a decisão condenatória, pois ancorada em parcos elementos de convicção, acolhendo-se, portanto, a preliminar de nulidade de reconhecimento de pessoa, aliada à ausência de provas contundes acerca da autoria criminosa irrogada.

6. Recurso conhecido e provido. Decisão unânime.


Vistos, etc.

Acordam os Excelentíssimos Desembargadores componentes da 1ª Câmara Criminal Isolada, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Sala de Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos dezoito dias do mês de julho de 2023.

Julgamento presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Kédima Pacífico Lyra

Belém/PA, 18 de julho de 2023.

Desembargadora VÂNIA LÚCIA SILVEIRA

Relatora

RELATÓRIO

Jailson Guilherme de Sousa Quaresma interpôs recurso de apelação, irresignado com a sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 10ª Vara Criminal da Comarca de Belém/PA (ID 6422790 a ID 6422793), que o condenou às penas de 09 (nove) anos de reclusão, e ser cumprida em regime inicial fechado, e de 15 (quinze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente ao tempo da prática delituosa, como incurso nas sanções punitivas do tipo penal insculpido no art. 158, §3º, c/c o acréscimo previsto no §1º, do Código Penal (extorsão com restrição à liberdade da vítima praticado em concurso de agentes e mediante emprego de arma de fogo).

Narra a peça incoativa (ID 6422412) que, no dia 11/05/2013, por volta das 18h00min, na Av. Gentil Bittencourt, às proximidades do Museu Emílio Goeldi, nesta Capital, o ofendido Terence Cunha de Lucena, ao estacionar o seu veículo, foi abordado por cinco agentes, todos armados, que adentraram em seu carro. Um dos meliantes retornou ao veículo, marca Punto, de cor preta, que havia trazido o bando ao local.

Assevera que, no interior do veículo, os quatro agentes subtraíram da vítima joias, documentos – que foram deixados no veículo quando o abandonaram – um aparelho de telefone celular, uma chave de motocicleta, cartões de crédito e a quantia em espécie de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais).

Consta que, na sequência, os meliantes passaram a dirigir em alta velocidade pelas ruas da cidade, sempre seguidos pelo veículo PUNTO, conduzido pelo outro integrante do crime.

Informa que a vítima, no interior do veículo, foi lesionada com coronhadas na sua cabeça. E ainda, segundo relato do ofendido, ele foi obrigado a entrar no veículo PUNTO, juntamente com dois agentes, os quais estavam no carro da vítima, em virtude deste automóvel não possuir película. De tal maneira, dois agentes permaneceram no veículo da vítima, enquanto os outros três, e mais a vítima, permaneceram no veículo PUNTO de cor preta.

Ato contínuo, após circularem por várias Avenidas, os bandidos se dirigiram à Agência do Banco do Brasil, localizada na Trav. Barão do Triunfo e, de posse do cartão e senha da vítima, efetuaram saque. Após, ainda, decidiram ir ao supermercado Líder BR, e depois, sob a determinação de que não olhasse para trás, ordenaram que a vítima descesse do carro em uma rua próxima ao Hospital Metropolitano, no Município de Ananindeua/PA. Em seguida, saíram em fuga.

Descreve que o veículo da vítima foi abandonado no bairro do Mangueirão, com os comprovantes dos saques bancários realizados.

Em razões recursais (ID 10314331), suscita a defesa, preliminarmente, nulidade do reconhecimento de pessoa realizado sem observância das orientações do art. 226 do Código de Processo Penal.

Relativamente ao mérito, clama pela reforma da sentença condenatória e consequente absolvição do apelante, com supedâneo nas teses de negativa de autoria por ele apresentada e de insuficiência probatória, uma vez calcada a condenação, tão somente, no reconhecimento de pessoa, maculado pela inobservância às formalidades legais.

No tocante à pena, clama pelo decote da causa de aumento disposta no §3º, do art. 158, do CPB, haja vista que a extorsão restou consumada apenas com o uso do cartão e da senha da vítima, não conduzida ao caixa eletrônica para efetuação do saque bancário. Provida tal pretensão, que seja redimensionada a reprimenda ao mínimo legal de 04 (quatro) anos previso no art. Art. 158, do CPB.

Outrossim, roga pela aplicação da majorante do §1º, do art. 158, do CPB (concurso de pessoas e mediante emprego de arma de fogo), na fração mínima de 1/3 (um terço).

Requer o conhecimento e provimento do apelo manejado.

Em contrarrazões (ID 10314373), o Ministério Público de 1º Grau, manifesta-se pelo conhecimento e total improvimento do recurso interposto, a fim de que seja mantida incólume a douta sentença condenatória proferida pelo Juízo monocrático, pelos próprios e jurídicos fundamentos.

Nesta Superior Instância, o Custos Iuris, representado pelo Procurador de Justiça Marcos Antônio Ferreira das Neves, opina pelo conhecimento e improvimento da apelação, para preservação in totum da sentença condenatória objurgada.

Procedida a revisão do Relatório, o feito foi incluso em pauta de julgamento da Sessão do Plenário Virtual. A defesa, entretanto, em Petição à ID 12727998, requereu a retirada do feito da pauta, diante da intenção de sustentar oralmente as razões de sua irresignação.

É o relatório, o qual submeto à nova revisão, haja vista a aposentadoria da Revisora originária.

Inclua-se o feito na pauta de julgamento da sessão presencial.

VOTO

Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

1. PRELIMINAR: Nulidade do Auto de Reconhecimento de Pessoa:

Suscita a defesa, preliminarmente, nulidade processual por ausência de reconhecimento pessoal válido, considerando que os atos de reconhecimento efetuados nas fases investigativa e judicial pela vítima não observaram as formalidades legais, consoante regras do art. 226, do Código de Processo Penal.

Saliente-se, de antemão, a procedência do esmero defensivo.

Em entendimento até então consolidado, considerava-se que a inobservância do disposto no art. 226 do CPP, para o reconhecimento pessoal não acarretava nulidade da ação penal e merecia valoração probatória por encontrar apoio nas demais provas dos autos, e não apenas neste elemento de convicção.

Ressaltava-se que, a observância às regras do art. 226 do CPP, não possuía caráter obrigatório, tratando-se de mera recomendação, para que, se possível, a pessoa a ser reconhecida fosse colocada ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.

De tal modo, tanto o entendimento desta Casa de Justiça e como da Corte Superior de Justiça, persistia no sentido de que, se a vítima ou testemunha do evento delituoso apontassem, com segurança, em audiência judicial, o acusado, como sendo o autor do ilícito penal praticado, essa prova possuía eficácia jurídico-processual igual àquela que emerge do reconhecimento efetuado com as formalidades prescritas no art. 226 do CPP.

Em mais orientação, entretanto, as duas Turmas Criminais que compõem esta Corte Superior de Justiça, a partir do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz), realizado em 27/10/2020, passaram a conferir nova interpretação à dicção do art. 226 do CPP, no sentido de que a inobservância do procedimento descrito no mencionado dispositivo legal torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo.

Assim, definiu-se que "o reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do rito processual, o reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração independente e idônea do restante do conjunto probatório, produzido na fase judicial" (STJ, HC 648.232/SP, Rel....

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