Acórdão nº 0016468-82.2013.8.14.0401 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Penal, 11-07-2023

Data de Julgamento11 Julho 2023
Órgão2ª Turma de Direito Penal
Número do processo0016468-82.2013.8.14.0401
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoHomicídio Simples

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0016468-82.2013.8.14.0401

APELANTE: JOSE MARIA DE CASTRO MIRANDA JUNIOR

APELADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargador RÔMULO JOSÉ FERREIRA NUNES

EMENTA

EMENTA

APELAÇÃO PENAL. CRIME DO ART. 121, §§3º E 4º, DO CP. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. PROCEDÊNCIA. APELANTE QUE NA CONDIÇÃO DE MÉDICO CIRURGIÃO FEZ TODOS OS PROCEDIMENTOS NECESSÁRIOS PARA VIABILIZAR O PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DE RETIRADA DO APÊNDICE DA VÍTIMA POIS REQUEREU AS AUTORIZAÇÕES PARA SUA INTERNAÇÃO E CIRURGIA AMBAS NEGADAS PELO PLANO DE SAÚDE, FATO COMPROVADO PELA PROVA TESTEMUNHAL COLHIDA EM JUÍZO. CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDIU TANTO A INTERNAÇÃO, QUE ERA CONDIÇÃO SINE QUA NON EXIGIDA PELO PLANO DE SAÚDE PARA QUE OS FUNCIONÁRIOS DO HOSPITAL FORNECESSEM À OFENDIDA OS MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS PARA CONTER A APENDICITE, BEM COMO A CIRURGIA, INIBINDO A AÇÃO DO APELANTE, AO CONTRÁRIO DO QUE ENTENDEU O JUÍZO A QUO. ATIPICIDADE DO FATO DEMONSTRADA PELOS ELEMENTOS DE PROVA COLHIDOS NO PROCESSO. ABSOLVIÇÃO QUE IMPÕE EX VI DO ART. 386, INC. III, DO CPP. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

1. O recorrente foi condenado pela prática do crime de homicídio culposo, na modalidade negligência, uma vez que deixou de realizar cirurgia para retirada do apêndice da vítima porque o plano de saúde não havia autorizado o procedimento, circunstância que poderia ser resolvida posteriormente, ante a gravidade do estado de saúde da ofendida.

2. Ocorre que as provas produzidas nos autos demonstraram que o apelante, médico-cirurgião, fez tudo que estava ao seu alcance para atender a vítima, uma vez que tão logo constatou a imprescindibilidade de realizar a cirurgia, solicitou autorização para o procedimento e sua internação, inclusive para o fornecimento de antibióticos que prescreveu para conter a apendicite. Todavia, em que pese a ausência de prova documental, os testemunhos colhidos em juízo demonstraram inequivocadamente, que ambas as autorizações foram negadas, impossibilitando os funcionários do hospital de ministrar os medicamentos antibióticos para conter a infecção, e a cirurgia, pois, de acordo com a prova testemunhal colhida no processo, o apelante não poderia ingressar no centro cirúrgico e operar a vítima sem que houvesse autorização do plano de saúde. Desse modo, não há nexo causal entre a conduta do recorrente, que em nenhum momento foi negligente, e a morte da vítima, que resultou da falha do plano de saúde em não conceder as autorizações de internação e cirurgia, impondo sua absolvição por atipicidade do fato, nos termos do art. 386, inc. III, do CPP e eventual responsabilidade por dano moral, da respectiva operadora, a ser apurada na esfera cível. Precedentes.

3. Recurso conhecido e provido. Decisão unânime.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 2ª Turma de Direito Penal, por unanimidade, em conhecer e dar provimento ao recurso para absolver o apelante da prática do crime do art. 121, §§ 3º e 4º, do CP, tudo na conformidade do voto do relator.

Belém, de 2023.

Desembargador RÔMULO NUNES

Relator

RELATÓRIO

R E L A T Ó R I O

JOSÉ MARIA DE CASTRO MIRANDA JÚNIOR, inconformado com a sentença que o condenou à pena de 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de detenção, a ser cumprida em regime aberto, substituída por pagamento de prestação pecuniária de 20 (vinte) salários mínimos aos genitores da vítima, pela prática do crime previsto no art. 121, §§ 3º e 4°, do CP, interpôs o presente RECURSO DE APELAÇÃO, pleiteando sua reforma.

O apelante aduz que não existem nos autos provas de que teria atuado com negligência, uma vez que, ao atender à vítima e constatar que esta apresentava quadro de apendicite, solicitou ao plano de saúde as respectivas autorizações de internação e cirurgia, bem como prescreveu medicamentos para conter a evolução da doença, o que revela a atipicidade do fato.

Alega ainda que não foi produzida qualquer prova testemunhal cuja análise pudesse lhe atribuir a culpa pela morte da vítima devendo, no caso em análise, prevalecer o princípio do in dubio pro reo.

Pede o provimento do apelo para ser absolvido.

Em contrarrazões, o apelado defende o improvimento do recurso, afirmando que a negligência do apelante restou provada porque este poderia resolver as questões relativa as autorizações para cirurgia se comunicando diretamente com a administração do plano de saúde, mas se manteve inerte, o que demonstra que contribuiu para o resultado morte.

Nesta Superior Instância, o Custos legis opinou pelo conhecimento e improvimento da apelação.

Sem revisão.

É o relatório.

VOTO

V O T O

Estando preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo interposto.

DOS FATOS

Consta dos autos que no dia 02/06/2013, nesta Capital, por volta das 06:00 horas a senhora Miriã da Silva Moraes procurou o Hospital Layr Maia, administrado pelo plano de saúde Hap Vida, a fim de buscar atendimento para sua filha Emily Rebeca Moraes Cardoso, de 02 (dois) anos de idade, que se queixava de dores abdominais. Na oportunidade, a criança foi medicada, e submetida a exames que constataram infecção urinária. Em seguida, foi liberada para voltar para sua residência.

Posteriormente, às 14:00 horas, Mirian voltou ao referido hospital porque sua filha não parava de sentir dores e só depois de quase 03 (três) horas de espera, a menor foi submetida ao exame de ultrassonografia onde foi constatado o quadro de apendicite aguda. Ante a gravidade da situação que exigia procedimento cirúrgico, foi solicitada a presença do APELANTE, MÉDICO CIRURGIÃO que estava de sobreaviso, o qual chegou no local por volta das 22:30 horas.

O apelante, ao verificar os exames da criança, confirmou que o caso necessitava de intervenção cirúrgica, solicitou à Central de Atendimento do plano de saúde Hap Vida, localizada na Cidade de Fortaleza, às autorizações para interná-la e realizar a cirurgia no dia seguinte às 12:30 horas, bem como prescreveu analgésicos e antibióticos para conter a dor e a inflamação, que deixaram de ser ministrados à ofendida porque a internação não havia sido autorizada, nem foram lançados no sistema informatizado do plano de saúde.

No dia seguinte, 03/06/2013, a criança Emily evoluiu a óbito. Encerradas as investigações, o órgão Ministerial denunciou o apelante pela prática do crime de homicídio culposo, entendendo que a sua conduta foi negligente, pois diante da constatação da gravidade do quadro de saúde da vítima, deveria ter realizado a cirurgia imediatamente e resolver as questões burocráticas quanto à autorização do procedimento fazendo contato direto com a Central de Atendimento do Plano de Saúde. Ao final da instrução processual, a exordial acusatória foi julgada procedente e o recorrente condenado nas penas do crime de homicídio culposo.

PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO DO RECORRENTE

O apelante aduz que não existem nos autos provas de que teria atuado com negligência, uma vez que, ao atender à vítima e constatar que esta apresentava quadro de apendicite, solicitou ao plano de saúde as respectivas autorizações de internação e cirurgia, bem como prescreveu medicamentos para conter a evolução da doença, o que revela a atipicidade do fato. Alega ainda que não foi produzida qualquer prova testemunhal cuja análise pudesse lhe atribuir a culpa pela morte da vítima devendo, no caso em análise, prevalecer o princípio do in dubio pro reo.

O édito condenatório, para demonstrar a culpa do recorrente, na modalidade negligência por ter deixado de realizar o procedimento cirúrgico, se utilizou dos seguintes fundamentos (doc. Id nº 11099763):

“Os argumentos do réu em defesa não prosperam. Nota-se que no depoimento da testemunha Adriana Cristina Margalho Peniche, referiu em síntese que após a ultrassom foi constatada a apendicite aguda e o procedimento da Hap Vida seria fazer solicitação do atendimento o cirurgião (sic), e assim foi feito. Afirmando que o médico foi até o hospital e solicitou a internação, ficando aguardando a deliberação da internação para fazer procedimento cirúrgico, ficando a criança aguardando na emergência. Que a criança foi medicada pela manhã, de tarde e à noite, sendo que na noite foi atendida pela Doutora Nazaré, e que foi passado medicamento para dor e que depois não foi mais feito nenhum atendimento. Afirmou que nunca imaginou que a criança viesse a morrer, pois passou a noite bem.

Expressou, entretanto, NÃO PODER AFIRMAR SE HOUVE NEGLIGÊNCIA MÉDICA, DECLARANDO QUE O MÉDICO FEZ APENAS UMA VISITA PARA AVALIAÇÃO DA CRIANÇA E SOLICITOU A INTERNAÇÃO. Disse que a criança passou horas no hospital e que não poderia ficar parada por tanto tempo como ficou estando com apendicite aguda e que o médico foi chamado apenas após o diagnóstico.

As declarações da testemunha deixam claro que a criança já estava a tempo considerável em atendimento e que, ao contrário do que expressa a testemunha, que foi o médico que constatou a apendicite pela parte da noite através do ultrassom e também afirmou ele que pediu internação, hidratação e ministrou antibiótico e marcou a cirurgia. Pelas palavras da testemunha, o quadro de apendicite aguda era um quadro gravíssimo e que a criança não poderia esperar todo tempo que esperou, deixando o entendimento que deveria ser operada urgentemente, mas o médico, que não pode alegar que não tinha conhecimento do risco de morte que corria a criança se não houvesse urgência na operação, simplesmente aguardou autorização do plano para proceder a cirurgia, elastificando mais o tempo para o procedimento o que certamente agravou ainda mais o quadro caótico da menor, o que certamente conduziu ao resultado morte.

Por mais que a testemunha afirme que o médico fez o papel dele, novamente fica clara a negligência pois ciente o médico de que se não operada poderia vir a óbito, nenhum procedimento adotou para evitar este resultado já que se tratava de uma vida a ser...

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