Acórdão Nº 0016602-12.2013.8.24.0020 do Segunda Turma Recursal, 26-05-2020
Número do processo | 0016602-12.2013.8.24.0020 |
Data | 26 Maio 2020 |
Tribunal de Origem | Criciúma |
Órgão | Segunda Turma Recursal |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
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ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA Segunda Turma Recursal |
Apelação n. 0016602-12.2013.8.24.0020, de Criciúma
Relatora: Juíza Ana Karina Arruda Anzanello
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DESACATO. ARTIGO 331 DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA ACUSADA.
INCOMPATIBILIDADE DO CRIME COM A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. TESE AFASTADA. RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
ALEGAÇÃO DE INIMPUTABILIDADE DA RÉ. TESE AFASTADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ALEGADO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0016602-12.2013.8.24.0020, da comarca de Criciúma 2ª Vara Criminal, em que é Apelante Débora Cristina Crescêncio Esteves e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.
A Segunda Turma Recursal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Juiz Marco Aurélio Ghisi Machado, com voto e dele participou o Exmo. Sr. Juiz Vitoraldo Bridi.
Florianópolis, 26 de maio de 2020.
Ana Karina Arruda Anzanello
Relatora
RELATÓRIO
Débora Cristina Crescêncio Esteves interpôs recurso de apelação contra sentença proferida pelo magistrado da 2ª Vara Criminal da Comarca de Criciúma, que o condenou a pena corpórea de 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por prestação pecuniária no importe de 01(um) salário-mínimo, por infração ao art. 331 do Código Penal (fls. 154-160).
Em suas razões recursais (fls. 174-188), alegou que o crime em comento é incompatível com à Convenção Americana de Direitos Humanos. Pugnou pelo reconhecimento da semi-imputabilidade e a diminuição da pena em 2/3 e por fim a absolvição pela atipicidade da conduta.
Com contrarrazões (fls. 200-207), os autos aportaram à Turma de Recursos.
Em parecer de fl. 212, o Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Este é o relatório.
VOTO
Inicialmente, consigno que o recurso de apelação é cabível, adequado e tempestivo.
Verifica-se evidenciado da prova oral colhida nos autos, que a acusada realmente desacatou funcionário público no exercício de sua função ou em razão dela.
O desacato consistiu no direcionamento de palavras de menosprezo à médica Gisleine Bittencourt Scotti com as expressões "médica de merda, ridícula, feiosa, quatro olhos", sendo inequívoco que o acusada tinha conhecimento que sua ação foi voltada contra servidor público no exercício de sua função, razão porque é nítido o dolo em sua forma de agir.
A alegação de inimputabilidade da ré não merece prosperar, haja vista que a defesa não juntou nenhuma prova que comprovasse eventual transtorno psiquiátrico.
Nesse sentido:
DESACATO - ART. 331 DO CÓDIGO PENAL - AMEAÇA À INTEGRIDADE FÍSICA DE SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL, COM O PROPÓSITO DE HUMILHAR OU CONSTRANGER O FUNCIONÁRIO PERANTE TERCEIROS, EM RAZÃO DE SEU OFÍCIO - DECLARAÇÕES DA VÍTIMA CORROBORADAS POR TESTEMUNHO DE SUPERIOR HIERÁRQUICO, QUE PRESENCIOU AS AMEAÇAS E O TRATAMENTO DESRESPEITOSO - SUTIL DIFERENÇA NO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA PRESTADO EM JUÍZO, QUE NÃO GERA DÚVIDA FUNDADA SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO.
"A ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário. É a grosseira falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, gritos agudos etc" (Nelson Hungria. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 424).
"O desacato visa afrontar o funcionário, diminuí-lo perante a opinião pública ou junto aos circunstantes, tratando-o com desprezo e desdém. Revela-se por gestos, comportamento e por palavras" (Alberto Silva Franco; José Silva Júnior; Luiz Carlos Betanho; Rui Stoco; Sebastião Oscar Feltrin; Vicente Celso da Rocha Guastini; Wilson Ninno. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 3993).
Quem ingressa em posto de saúde e, diante da recusa da enfermeira no fornecimento de mais de uma dezena de seringas, em razão da necessidade de autorização médica precedente, fala que "deveria enfiar a mão na cara [da servidora] e que muita gente já deveria ter feito isso", comete induvidosamente o crime de desacato, porque a ameaça é causa de humilhação e menoscabo ao servidor público e sua autoridade. É irrelevante, por isso, pequena mudança no depoimento de testemunha presencial, que o "deveria enfiar a mão na cara" tenha sido alterado para "poderia enfiar a mão na cara", porque, em qualquer hipótese, restaria configurada a ameaça ou promessa de causar mal injusto e grave e o menosprezo ao servidor público. (TJSC, Apelação Criminal n. 2014601330-5, de Tangará, rel. Juiz Leandro Passig Mendes, Sexta Turma de Recursos - Lages, j. 12-02-2015) (g.n.).
Ainda:
Os depoimentos firmes e uníssonos dos agentes estatais em ambas as fases procedimentais, sobre os quais não recai nenhuma suspeita, são suficientes para a comprovação da materialidade e da autoria do delito de desacato (TJSC, Apelação Criminal n. 0000619-06.2010.8.24.0043, de Mondai, rel. Des. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 05-02-2019).
Quanto à alegação de incompatibilidade do crime de desacato com a Convenção América de Direitos Humanos, tem-se que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do HC n. 154.143, já reconheceu a plena legitimidade jurídica e integral compatibilidade com os textos normativos.
Da jurisprudência deste Tribunal extrai-se:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DESACATO. ARTIGO 331 DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA NA ORIGEM. OITO MESES DE DETENÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DO ACUSADO. TESE DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E ATIPICIDADE DA CONDUTA. ARGUMENTOS RECHAÇADOS. MATERIALIDADE E AUTORIA CONFIGURADAS. ACUSADO QUE, APÓS ABORDAGEM POLICIAL, MENOSPREZA OS AGENTES POLICIAIS. TESE CONFIRMADA PELA PROVA TESTEMUNHAL PRODUZIDA EM JUÍZO, AINDA QUE FUNDADA EM DEPOIMENTO DOS POLICIAIS. EFICÁCIA PROBATÓRIA INQUESTIONÁVEL SEGUNDO PRECEDENTES DO STF. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 155 DO CPP. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Compulsando o presente feito, verifica-se que a prova oral encartada no processo evidencia que o acusado realmente desacatou funcionário público no exercício de sua função ou em razão dela. O desacato consistiu no direcionamento de palavras de menosprezo aos Policiais Militares que atuavam na...
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