Acórdão Nº 0017728-72.2015.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 24-03-2022

Número do processo0017728-72.2015.8.24.0038
Data24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0017728-72.2015.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora Ana Lia Moura Lisboa Carneiro

APELANTE: ADILSON ARMANDO KIEPER APELANTE: ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO APELADO: RICARDO MARTINS SOARES APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA RÉU: OS MESMOS

RELATÓRIO

Na comarca de Joinville, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em desfavor de Adilson Armando Kieper e Ricardo Martins Soares, pela prática, em tese, do crime descrito no art. 158, § 1º, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, ante os fatos assim narrados na peça acusatória (Evento 57 dos autos originários):

Entre os meses de junho e julho de 2015, em datas que a instrução poderá precisar, nesta cidade e Comarca de Joinville, os denunciados Adilson Armando Kieper e Ricardo Martins Soares, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, após terem sido demitidos da empresa Tigre S.A. Tubos e Conexões, constrangeram a vítima Alencar Guilherme Lehmkuhl, gerente jurídico da referida empresa, mediante grave ameaça, com o fim de obter indevida vantagem econômica, a lhes pagar, respectivamente, as quantias de R$ 2.450.000,00 (dois milhões, quatrocentos e cinquenta mil reais) e R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), sob a ameaça de que, caso suas exigências não fossem atendidas, revelariam práticas anticoncorrenciais, atos de corrupção e de improbidade administrativa, perpetrados pela empresa Tigre S.A. - Tubos e Conexões até o ano de 2013, de que tinham conhecimento em razão das funções que desempenharam na empresa.

O crime somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade dos denunciados, porquanto, não obstante o constrangimento empregado mediante grave ameaça, a vítima não praticou as condutas por eles pretendidas.

Finda a instrução e apresentadas alegações finais, sobreveio a sentença com o seguinte dispositivo (Evento 358 dos autos originários):

Em face do que foi dito:

(i) JULGO IMPROCEDENTE a pretensão acusatória exposta na denúncia (art. 387 do CPP) em relação ao acusado RICARDO MARTINS SOARES e, consequentemente, o ABSOLVO da prática da conduta a ele imputada (art. 158, CP) na presente ação penal, com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

(ii) Em relação ao réu ADILSON ARMANDO KIEPER, DESCLASSIFICO os fatos para o art. 345, CP. Com o trânsito em julgado, aguarde-se oferecimento de queixa-crime, a ser apreciada por outro magistrado.

Inconformado, a empresa Tigre S. A. Tubos e Conexões, na qualidade de assistente de acusação, interpôs recurso de apelação, no qual pleiteia a reforma da sentença para que sejam condenados Adilson e Ricardo como incursos no art. 158, § 1°, do Código Penal. De forma subsidiária, requer a condenação de ambos na forma tentada (Evento 376).

Adilson Armando Kieper também interpôs recurso de apelação, por meio de advogado constituído, insurgindo-se contra a desclassificação operada na sentença, diante da ausência de provas quanto à imputação ao crime previsto no art. 345 do CP. De forma subsidiária, aponta a extinção da punibilidade em razão da decadência do direito de queixa (Evento 395).

Ofertadas as contrarrazões (Eventos 381, 394, 399 e 400), os autos ascenderam a esta Corte e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (Evento 406).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1058185v9 e do código CRC ba422fe9.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIROData e Hora: 28/2/2022, às 9:37:21





Apelação Criminal Nº 0017728-72.2015.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora Ana Lia Moura Lisboa Carneiro

APELANTE: ADILSON ARMANDO KIEPER APELANTE: ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO APELADO: RICARDO MARTINS SOARES APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA RÉU: OS MESMOS

VOTO

1. Da admissibilidade

Trata-se de recursos de apelação interpostos por Adilson Armando Kieper e pela empresa Tigre S. A. Tubos e Conexões, na qualidade de assistente de acusação, em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, que julgou improcedente a pretensão deduzida na denúncia absolvendo o acusado Ricardo Martins Soares da prática do delito consignado no art. 158, § 1°, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Diploma Processual Penal, e desclassificou a conduta de Adilson Armando Kieper para o crime previsto no art. 345 do Código Penal.

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conheço dos recursos.

2. Dos fatos

Consta na peça vestibular que, entre os meses de junho e julho de 2015, Adilson Armando Kieper e Ricardo Martins Soares, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, após terem sido demitidos da empresa Tigre S. A. Tubos e Conexões, constrangeram a vítima Alencar Guilherme Lehmkuhl, gerente jurídico do estabelecimento, mediante grave ameaça, com o fim de obter indevida vantagem econômica, a lhes pagar, respectivamente, as quantias de R$ 2.450.000,00 (dois milhões, quatrocentos e cinquenta mil reais) e R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), sob a ameaça de que, caso suas exigências não fossem atendidas, revelariam práticas anticoncorrenciais, atos de corrupção e de improbidade administrativa, perpetradas pela empresa até o ano de 2013, de que tinham conhecimento em razão das funções que desempenharam.

O crime somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade dos denunciados, porquanto, não obstante o constrangimento empregado mediante grave ameaça, a vítima não praticou as condutas por eles pretendidas.

Registra-se que, em sentença o magistrado de origem absolveu Ricardo da prática do crime de extorsão qualificada, na forma tentada (art. 158, § 1°, c/c art. 14, II, ambos do CP), e desclassificou a conduta de Adilson para o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP), este a ser apreciado, caso oferecida queixa-crime, por juízo diverso.

Inconformada com o decisum, a empresa Tigre S. A. Tubos e Conexões, na qualidade de assistente de acusação, interpôs recurso de apelação, no qual pleiteia a reforma da sentença para que sejam condenados Adilson e Ricardo como incursos no art. 158, § 1°, do Código Penal. De forma subsidiária, requer a condenação de ambos na forma tentada (Evento 376).

Adilson Armando Kieper igualmente interpôs recurso de apelação, insurgindo-se contra a desclassificação operada na sentença, diante da ausência de provas quanto à imputação ao crime previsto no art. 345 do CP. De forma subsidiária, pugnando, ainda, pela decretação de extinção da punibilidade em razão da decadência do direito de queixa (Evento 395).

Passa-se à análise dos pleitos recursais.

3. Dos pleitos formulados pelo assistente de acusação

Irresignado, o assistente de acusação pretende a condenação de Adilson Armando Kieper e Ricardo Martins Soares pelo crime contido no art. 158, § 1°, do Código Penal, sob o argumento de que a ameaça, o constrangimento ilegal e a ilicitude dos valores exigidos foram amplamente comprovados nos autos.

De forma subsidiária, requer a condenação de ambos pela infração de denúncia, na modalidade tentada.

Os pleitos merecem prosperar apenas em parte.

De início, mister destacar o que verbera o dispositivo em questão:

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.

Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci elucida:

A extorsão é uma variante de crime patrimonial muito semelhante ao roubo, pois também implica a subtração violenta ou com grave ameaça de bens alheios. "Cria uma espécie de estado de necessidade, em razão de que quando a ordem se cumpre, quer se evitar um mal maior". A diferença concentra-se no fato de a extorsão exigir a participação ativa da vítima fazendo alguma coisa, tolerando que se faça ou deixando de fazer algo em virtude da ameaça ou da violência sofrida. Enquanto no roubo o agente atua sem a participação da vítima, na extorsão o ofendido colabora ativamente com o autor da infração penal. [...] É fundamental que a ameaça seja grave o bastante para constranger, de fato, a vítima, a ponto de vencer sua resistência, obrigando-a a fazer o que não quer. Do contrário, o delito não se configura (Curso de Direito Penal: parte especial: arts. 121 a 212 do Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 529-530, grifou-se).

Para melhor compreensão da dinâmica dos fatos e, a fim de se evitar repetições, reproduz-se os depoimentos transcritos na sentença e nas contrarrazões do Ministério Público ao apelo recursal interposto pelo assistente de acusação, eis que fidedignos.

A vítima Alencar Guilherme Lehmkuhl, gerente jurídico da empresa Tigre S. A. Tubos e Conexões, assim relatou em ambas as fases processuais (Eventos 188, Vídeo 2011):

Extraí-se do depoimento da vítima, ouvido perante a autoridade policial, que os acusados são ex-funcionários da empresa Tigre S.A. Ouvido na fase embrionária, Alencar contou que "tudo começou" quando Ricardo, funcionário há mais de 15 anos da empresa, foi dispensado sem justa causa.

Neste momento, de acordo com a vítima, Adilson teria procurado Alencar e o alertado quanto a Ricardo, tendo em vista que o ex-funcionário teria conhecimento de práticas ilícitas que ocorriam na empresa e, por isso, "deveria receber um 'tratamento especial' para evitar a divulgação de informações" (p. 27).

Após cerca de um ano, em meados de 2015, o...

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