Acórdão Nº 0018424-69.2019.8.24.0038 do Terceira Câmara Criminal, 18-02-2020

Número do processo0018424-69.2019.8.24.0038
Data18 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão

ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

7

Agravo de Execução Penal n. 0018424-69.2019.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Getúlio Corrêa

RECURSO DE AGRAVO – APURAÇÃO DE FALTA GRAVE – TENTATIVA DE FUGA (LEP, ART. 52, II) – INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA DECISÃO EM QUE SE DEIXA DE HOMOLOGAR O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – COMPETÊNCIA DO DIRETOR DA UNIDADE PRISIONAL PARA RECONHECER A FALTA GRAVE – ANÁLISE JUDICIAL RESTRITA À LEGALIDADE – FLAGRANTE ANEMIA PROBATÓRIA E DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA – VEDAÇÃO À APLICAÇÃO DE SANÇÃO COLETIVA (LEP, ART. 46, § 3º) – INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO – DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANCIAL - DECISÃO MANTIDA.

De acordo com o entendimento jurisprudencial firmado no tema n. 652 dos recursos repetitivos, "no âmbito da execução penal, a atribuição de apurar a conduta faltosa do detento, assim como realizar a subsunção do fato à norma legal, ou seja, verificar se a conduta corresponde à uma falta leve, média ou grave, é do diretor do presídio, em razão de ser o detentor do poder disciplinar" (STJ, Min. Marco Aurélio Bellizze).

No entanto, em caso de flagrante ilegalidade, é poder-dever do Poder Judiciário fazer cumprir o preceito constitucional do devido processo legal substancial.

"É ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina por impactar o status libertatis do condenado" (STJ, HC 177.293, Min. Maria Thereza de Assis Moura).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Execução Penal n. 0018424-69.2019.8.24.0038, da comarca de Joinville 3ª Vara Criminal em que é Agravante: Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Agravado: Jefferson Aparecido Dias de Oliveira.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Júlio César M. Ferreira de Melo (Presidente) e Ernani Guetten de Almeida.

Funcionou como representante do Ministério Público a Excelentíssima Senhora Procuradora de Justiça Heloísa Crescenti Abdalla Freire.

Florianópolis, 18 de fevereiro de 2020.



Desembargador Getúlio Corrêa

Relator





RELATÓRIO

Trata-se de Agravo em Execução Penal interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina contra decisão proferida pelo Juiz de Direito Eduardo Veiga Vidal, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, que, nos autos n. 0023344-96.2013.8.24.0038, reconheceu ilegalidade e deixou de homologar o PAD – procedimento administrativo disciplinar n. 64/2018 em que se apurou a suposta prática de falta grave por Jefferson Aparecido Dias de Oliveira.

Nas razões recursais (fls. 1-8), o agravante sustentou que a infração disciplinar foi reconhecida administrativamente e não há ilegalidade a justificar a não homologação.

Contrarrazões às fls. 94-100.

A decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (fl. 102).

Em 23.01.2020, os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça, que, por parecer do Procurador de Justiça Pedro Sérgio Steil, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 110-117).

Os autos retornaram conclusos em 30.01.2020 (fl. 118).



VOTO

1. O voto, antecipa-se, é pelo conhecimento e desprovimento do recurso.


2. O agravado cumpre a pena de 34 anos, 5 meses e 23 dias de reclusão, inicialmente em regime fechado, pela prática de crimes previstos no art. 121 §2º, I, art. 288, parágrafo único, ambos do CP, e art. 15, "caput", da Lei n. 10.826/03.

No curso da execução, sobreveio notícia da prática de falta grave pelo apenado, consistente numa tentativa de fuga da cela em que estava alojado, tendo sido instaurado o Procedimento Administrativo Disciplinar n. 64/2018, em que a autoridade prisional concluiu pelo cometimento da infração prevista no art. 50, II da LEP (fls. 660-709 do PEC).

A decisão deixou de ser homologada pelo juízo execucional, pelos seguintes fundamentos:

"No procedimento administrativo disciplinar em comento, denota-se que muito embora se tenha procedido a oitiva dos envolvidos, bem como de 3 (três) agentes prisionais (fls. 680-82), não houve a individualização das condutas de cada apenado e a descrição da contribuição dada por cada um no suposto intento fugitivo.

Na espécie, a participação individual de cada detento não restou demonstrada extreme de dúvidas, mormente porque o Incidente de fls. 660-709 não foi instruído com elementos idôneos de convicção, uma vez que além dos depoimentos, traz apenas uma fotografia de uma corda (fl. 666) e de uma serra (fl. 667).

Em outras palavras, apesar do apenado constar como envolvido na tentativa, em tese, de fuga da unidade prisional, não há como se precisar qual conduta teria cometido, se ele teria praticado o núcleo do tipo, se teria ele determinado a terceira pessoa a prática faltosa, se teria contribuído/participado de alguma forma ou se eventualmente sequer teve participação nos fatos.

Nesta linha, por analogia, destaca-se o teor do art. 41, do Código de Processo PenalCPP: "Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

Da mesma forma, árduo o exercício da ampla defesa sem a descrição pormenorizada de como se deram as circunstâncias da suposta prática faltosa, uma vez que a acusação foi embasada apenas pelo fato de o apenado estar alocado na cela em que o fato se deu, a isso se limitando, em desprestígio ao princípio da culpabilidade.

Sobre o princípio em comento, Cezar Roberto Bitencourt pontua que:

A culpabilidade, como afirma Muñoz Conde, não é um fenômeno isolado, individual, afetando somente o autor do delito, mas é um fenômeno social; "não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui, pra poder ser imputada a alguém como seu autor e fazê-lo responder por ela. Assim, em última instância, será a correlação de forças sociais existentes em um determinado momento que irá determinar os limites do culpável e do não culpável, da liberdade e da não liberdade". [...] (grifou-se e sublinhou-se).

A culpabilidade funciona como limite para a aplicação da punição penal, graduada de acordo com a gravidade do injusto e com a participação do agente no fato delituoso/faltoso.

Ainda, sobre a necessidade de individualização de condutas de cada apenado em questões disciplinares, colhe-se da jurisprudência catarinense:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. POSSE DE APARELHO CELULAR [ART. 50, VII, DA LEP]. DECISÃO QUE RECONHECE A PRÁTICA DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. CASO CONCRETO. PECULIARIDADES. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR COLETIVO E SEM A INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. DECISÃO REFORMADA. ANULAÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0013729-69.2018.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Quinta Câmara Criminal, j. 21-02-2019). (grifou-se e sublinhou-se).

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - FALTA GRAVE - DESCOBERTA DE BURACO EM UNIDADE CELULAR QUE ABRIGAVA DEZ DETENTOS - AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DE CONDUTAS - SANÇÃO COLETIVAMENTE APLICADA - IMPROPRIEDADE - VEDAÇÃO DO ART. 45, § 3º, DA LEP E DO ART. 5º, INC. XLV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - RECURSO PROVIDO "É ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina por impactar o status libertatis do condenado" (STJ/HC 177.293/SP, relª. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24.4.2012). (TJSC, Recurso de Agravo n. 2013.028369-7, de Itapema, rel. Des. Rodrigo Collaço, Quarta Câmara Criminal, j. 27-06-2013). (grifou-se e sublinhou-se).

Igualmente já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. FALTA GRAVE. HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO. SANÇÃO COLETIVA. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. 1. É ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina por impactar o status libertatis do condenado. 2. Ordem concedida, acolhido o parecer ministerial, para anular o reconhecimento de falta grave, que teria sido perpetrada em 15 de abril de 2008, e seus consectários legais. (HC 177.293/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 07/05/2012). (grifou-se e sublinhou-se).

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. FALTA GRAVE. HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO. SANÇÃO COLETIVA. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. WRIT NÃO...

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