Acórdão Nº 0018530-02.2017.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 16-04-2020

Número do processo0018530-02.2017.8.24.0038
Data16 Abril 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0018530-02.2017.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Antônio Zoldan da Veiga

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE USO DE DOCUMENTO FALSO (CP, ART. 304) E POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES DE USO RESTRITO (LEI N. 10.826/2003). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA POR TRATAR-SE DE CRIME IMPOSSÍVEL (CP, ART. 17). NÃO OCORRÊNCIA. CONDUTA DE PORTAR CNH FALSA DEVIDAMENTE COMPROVADA. FALSIDADE DO DOCUMENTO ATESTADA POR LAUDO PERICIAL. TESTEMUNHAS POLICIAIS QUE SOMENTE DESCONFIARAM DA AUTENTICIDADE DA CNH PORQUE SABIAM QUE O NOME DO RÉU ERA OUTRO. POLICIAL CIVIL QUE DECLAROU QUE O DOCUMENTO APRESENTAVA BOA QUALIDADE. FALSIFICAÇÃO CAPAZ DE LUDIBRIAR O HOMEM MÉDIO. INOCORRÊNCIA DE FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. TESE AFASTADA. CONDENAÇÃO MANTIDA.

CRIME DE POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES DE USO RESTRITO. DESCLASSIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, PARA O CRIME PREVISTO NO ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. APREENSÃO DE CARTUCHOS DE CALIBRE .357 E .40 E DE CARREGADOR DE PISTOLA CALIBRE .40. EDIÇÃO DO DECRETO PRESIDENCIAL N. 9.847/2019 E PORTARIA N. 1.222/2019 DO COMANDO DO EXÉRCITO QUE INSERIRAM TAIS CALIBRES NOMINAIS NA CATEGORIA DE USO PERMITIDO. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. PEDIDO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM RAZÃO DE NÃO TER SIDO APREENDIDA ARMA DE FOGO. IMPOSSIBILIDADE. POSSE DE 15 (QUINZE) CARTUCHOS E UM CARREGADOR, DE DIFERENTES CALIBRES. QUANTIDADE RELEVANTE. NÃO CONFIGURAÇÃO DA MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA. RÉU REINCIDENTE E FLAGRADO PRATICANDO OUTRO CRIME NA MESMA ABORDAGEM. CONTUMÁCIA DELITIVA DEMONSTRADA. CIRCUNSTÂNCIAS DA APREENSÃO. ACUSADO QUE ESTAVA FORAGIDO. ALTO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DA INSIGNIFICÂNCIA NÃO PREENCHIDOS.

DOSIMETRIA. POSTULADA APLICAÇÃO DA ATENUANTE PREVISTA NO ART. 65, III, "D", DO CP, EM RELAÇÃO AO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. CABIMENTO. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DO ACUSADO MENCIONADA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. OBSERVÂNCIA À SÚMULA N. 545 DO STJ. ATENUANTE APLICADA. DOSIMETRIA REFEITA. CONFISSÃO UTILIZADA PARA COMPENSAÇÃO INTEGRAL COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA, AINDA QUE ESPECÍFICA. PENA REDUZIDA DEVIDO À INCIDÊNCIA DA ATENUANTE QUANTO AO CRIME PREVISTO NO ART. 304 DO CP E À DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DO ART. 16, CAPUT, DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO PARA O PREVISTO NO ART. 12 DA MESMA LEI. REGIME ALTERADO EM RAZÃO DO NOVO QUANTUM DA REPRIMENDA.

RECURSO CONHECIDO, PARCIALMENTE PROVIDO E, DE OFÍCIO, DESCLASSIFICADO O CRIME DE POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES DE USO RESTRITO PARA O DELITO DE POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0018530-02.2017.8.24.0038, da comarca de Joinville 1ª Vara Criminal em que é/são Apelante(s) Cleocir Fernando Ricardo de Jesus e Apelado(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, para reconhecer a incidência da confissão espontânea em relação ao crime previsto no art. 304 do CP, e, de ofício, desclassificar a imputação da conduta descrita no art. 16, caput, da Lei n. 10.826 para a do art. 12 da mesma Lei, em razão da ocorrência de novatio legis in mellius decorrente da edição do Decreto Presidencial n. 9.847/2019. Realizado novo cálculo dosimétrico, a pena foi reduzida para 2 (dois) anos de reclusão e 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, ambas em regime inicial semiaberto, e 21 (vinte e um) dias-multa.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, a Excelentíssima Senhora Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer e o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Casar Schweitzer (Presidente).

Funcionou como Representante do Ministério Público a Excelentíssima Senhora Doutora Jayne Abdala Bandeira.

Florianópolis, 16 de abril de 2020.




Desembargador Antônio Zoldan da Veiga

Relator





RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Cleocir Fernando Ricardo de Jesus, imputando-lhe a prática dos crimes previstos no art. 304 do Código Penal e no art. 16, caput, da Lei n. 10.826/2003, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (fls. 43-44):


No dia 24 de outubro de 2017, por volta das 15 horas, em frente ao endereço da Rua São Francisco de Assis n. 466, Parque Guarani, Joinville, o denunciado Cleocir Fernando Ricardo de Jesus fez uso de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) falsa, com dados em nome da pessoa de Igor César Daeuble contendo sua fotografia, fato flagrado por Agentes de Polícia da DEIC de Joinville.

Verifica-se que tal ação delituosa, visava ocultar sua verdadeira identidade, tendo em vista que possuía mandado de prisão em aberto junto aos autos n. 0004212-04.2015.8.24.0064, da 1ª Vara Criminal de São José/SC.

Ainda, em buscas no interior da residência apontada em linhas pretéritas, os mesmos agentes policiais encontraram e apreenderam no quarto do casal, ocupado pelo denunciado, sobre o guarda-roupa, 1 (uma) sacola plástica contendo no seu interior 14 (quatorze) munições, calibre .357, e 1 (uma) munição, calibre .40, ainda no interior do mesmo móvel foi encontrado e apreendido 1 (um) carregador de pistola 24/7, calibre .40, consequentemente o denunciado possuía e mantinha sob sua guarda e munição e acessório de arma de fogo, de uso restrito, em desacordo com determinação legal e regulamentar (art. 16, III, do Decreto 3.665/2000), no interior da sua residência.


Recebida a denúncia (fl. 74) e encerrada a instrução processual, sobreveio sentença (fls. 184-192), na qual foi julgada procedente a pretensão Ministerial, para condenar o réu à pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime fechado, e 22 (vinte e dois) dias-multa, pela prática dos delitos previstos nos arts. 304 do Código Penal e 16, caput, da Lei n. 10.826/2003.

Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação (fls. 205-211), no qual alegou a atipicidade da conduta quanto ao crime de uso de documento falso, ao argumento de que seria um crime impossível, pois os Policiais já sabiam que se tratava de documento falso.

Em relação ao crime de porte ilegal de munições de uso restrito, postulou a aplicação do princípio da insignificância, por não ter sido apreendida, em posse do acusado, uma arma apta a deflagrar os projéteis.

Subsidiariamente, requereu o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea.

Foram apresentadas contrarrazões às fls. 226-234.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Excelentíssimo Senhor Doutor Carlos Henrique Fernandes, o qual se manifestou pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, para que seja aplicada ao recorrente a atenuante da confissão espontânea, bem como se posicionou pela desclassificação, de ofício, do delito previsto no art. 16, caput, do Estatuto do Desarmamento, para o descrito no art. 12 da mesma Lei. (fls. 241-253).

Este é o relatório.





VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.


1 Crime de uso de documento falso

De início, destaca-se que a materialidade do crime está comprovada pelo boletim de ocorrência de fls. 17-18; pelo termo de exibição e apreensão de fl. 16, em que consta ter sido apreendida "01 (uma) CNH aparentemente falsa em nome de IGOR CESAR DAEUBLE"; pelo laudo pericial de fls. 92-98 e pelos depoimentos colhidos nos autos.

A autoria delitiva é inconteste e ficou demonstrada pelos testemunhos dos Policiais Civis que realizaram a abordagem do acusado, a serem expostos a seguir.

Em juízo (mídia de fl. 151), o Policial Civil Renan César Vaz declarou que estavam monitorando uma residência e perceberam que o acusado entrava e saía reiteradamente do local. Relatou que, diante disso, esperaram um momento oportuno para abordá-lo e, quando o fizeram, este apresentou uma Carteira Nacional de Habilitação em que constava um nome diverso do seu. O depoente contou que questionaram o réu, pois sabiam que se chamava Cleocir, mas disse que, mesmo assim, o recorrente insistiu que seu nome era outro. Afirmou que, enquanto realizavam buscas no sistema para se certificar da falsidade, a esposa do recorrente convidou os Policiais a entrarem em sua residência. Asseverou que lá, o recorrente e sua esposa admitiram que o abordado era, na verdade, Cleocir. Narrou que questionou à mulher se poderiam fazer buscas na casa e que esta não se opôs. Acrescentou que, na revista, encontraram, em cima de um guarda-roupas, munições de calibre .357 e um carregador de pistola calibre 24/7, os quais o acusado confessou serem seus. Comentou que já desconfiavam que o documento era falso, apesar de que tivesse boa qualidade, e mencionou que, em consulta ao SISP, verificaram que ele já havia utilizado uma CNH em anos anteriores.

Sob o crivo do contraditório (mídia de fl. 151), Osmar Luiz de Novaes, também Policial Civil, confirmou o relato de seu colega. Informou que receberam uma denúncia de que, no local dos fatos, havia uma pessoa foragida do Paraná. Disse que verificaram, em pesquisas ao sistema do referido estado, que havia um mandado de prisão contra o acusado. Narrou que, chegando à residência do réu, ao realizarem a abordagem, este apresentou uma CNH com outro nome, mas, confrontado pelos Policiais, admitiu que estava mentindo. O depoente contou que, então, a esposa do recorrente os convidou para entrar enquanto faziam mais consultas ao sistema e que, dentro da casa, perguntaram se poderiam realizar uma breve busca. Após serem autorizados a fazê-la, revistaram a residência e encontraram munições de calibre. 357 e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT