Acórdão Nº 0018858-03.2009.8.24.0008 do Quarta Câmara de Direito Público, 27-02-2020

Número do processo0018858-03.2009.8.24.0008
Data27 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemBlumenau
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0018858-03.2009.8.24.0008, de Blumenau

Relator: Desa. Vera Copetti

APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA ADMINISTRATIVA APLICADA PELO PROCON. MUNICÍPIO DE BLUMENAU. IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA. ATUAÇÃO LEGÍTIMA. COMPETÊNCIA DETERMINADA PELOS ARTS. 55, § 1º, E 56, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, E ARTS. 2º, 4º, INCISOS III E IV, 5º E 18, § 2º, DO DECRETO FEDERAL N. 2.181/97. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS PROTETIVAS DO CONSUMIDOR PELO ÓRGÃO DE DEFESA. POSSIBILIDADE. TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS. CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DE POLÍCIA PARA VERIFICAÇÃO DA LEGALIDADE. SANÇÃO APLICADA EM RAZÃO DA VIOLAÇÃO A LEI MUNICIPAL QUE TRATA DA OBSERVÂNCIA DO NÚMERO MÍNIMO DE ASSENTOS PARA ACOMODAR CLIENTES EM AGÊNCIA BANCÁRIA. VALIDADE DO AUTO DE CONSTATAÇÃO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE NÃO DEMONSTRA INCORREÇÃO DO QUADRO FÁTICO ADOTADO PARA EFEITO DE APLICAÇÃO DA SANÇÃO, BEM COMO TER EFETUADO AS ADEQUAÇÕES PARA ATENDER AOS DITAMES DA NORMA PROTETIVA DO CONSUMIDOR. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA E AO DEVER DE MOTIVAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. PENALIDADE CONFIRMADA. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NO QUANTUM FIXADO, NÃO HAVENDO SEQUER INSURGÊNCIA NESTE ASPECTO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS. INCIDÊNCIA DO ART. 85, § 11, DO CPC/15.

"É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a sanção administrativa prevista no artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor funda-se no Poder de Polícia que o PROCON detém para aplicar multas relacionadas à transgressão dos preceitos da Lei n. 8.078/1990, independentemente da reclamação ser realizada por um único consumidor, por dez, cem ou milhares de consumidores." (STJ, AgInt no REsp 1594667/MG, rel. Min. Regina Helena Costa, j. 04/08/2016).

Não se trata de usurpação da função típica do Poder Judiciário, nem tampouco de violação ao art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988 ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"). Aplicação da chamada teoria dos poderes implícitos, pois negar ao PROCON a possibilidade de interpretação de cláusulas contratuais significa impedir a atuação regular do órgão administrativo instituído para a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF/88).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0018858-03.2009.8.24.0008, da comarca de Blumenau 1ª Vara da Fazenda Acidentes do Trab e Reg Público em que é/são Apelante(s) China Construction Bank (Brasil) Banco Múltiplo S/A e Apelado(s) Município de Blumenau.

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, e majorar os honorários advocatícios (art. 85, § 11, do CPC/15). Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Rodolfo Tridapalli (com voto) e dele participou a Exma. Desa. Vera Copetti e o Exmo Des. Odson Cardoso Filho.

Funcionou como representante do Ministério Público na sessão o Exmo. Sr. Dr. Paulo Ricardo da Silva.

Florianópolis, 27 de fevereiro de 2020.

Desembargadora Vera Copetti

Relatora


RELATÓRIO

China Construction Bank (Brasil) Banco Múltiplo S/A ajuizou ação anulatória com pedido de antecipação dos efeitos da tutela contra o Município de Blumenau, objetivando desconstituir multa que lhe foi aplicada pelo PROCON municipal.

Asseverou, em síntese, que em razão do suposto descumprimento ao que estabelece o art. 2º, I, da Lei Complementar Municipal n. 626/07, que exige a instalação de 5 (cinco) cadeiras, no mínimo, para cada guichê de caixa, lhe foi aplicada a multa de 484 UFM's (Unidades Fiscais do Município de Blumenau), correspondendo ao valor de R$ 34.160,72 (trinta e quatro mil, cento e sessenta reais e setenta e dois centavos); que, contudo, já possuía 2 (dois) sofás com 3 (três) lugares cada um, pelo que estariam sendo observadas as determinações do supracitado dispositivo legal, uma vez que a agência possui um único guichê, e não haveria razão para diferenciar sofá de cadeira para efeito de atendimento da finalidade a que visa a norma jurídica.

Alegou, também, que essa situação sequer foi considerada pelo demandado, visto que não houve a análise do Recurso Administrativo interposto, devendo ser anulado o procedimento respectivo, afirmando, ainda, ter ocorrido violação ao princípio da legalidade, justificando que não estaria caracterizada a infração invocada para a fixação da penalidade. Ao final, pleiteou a concessão da tutela antecipatória para a suspensão da exigibilidade da multa, e a procedência, com a declaração de nulidade da sanção. Juntou documentos (pp. 37-110).

Pela decisão de pp. 126-127 foi deferida a tutela de urgência.

Citado, o Município de Blumenau apresentou contestação, defendendo a regularidade do procedimento administrativo, aduzindo, nesse pensar, que, ao contrário do que afirma o demandante, o Recurso Administrativo por ele interposto foi examinado, porém desprovido, tendo sido mantida a decisão de imposição da penalidade diante da prática da infração. Pugnou pela improcedência do pedido formulado na exordial, com a revogação da tutela antecipada, bem como a condenação do autor por litigância de má-fé, por alterar a realidade dos fatos (pp. 135-141). Acostou documentos (pp. 142-215).

Houve réplica (pp. 221-226) e, após manifestação do Ministério Público (pp. 229-230), decidindo antecipadamente, o MM. Juiz Victor Luiz Ceregato Grachinski julgou improcedente o pedido formulado na actio, bem como a pretendida aplicação de pena por litigância de má-fé, revogando a tutela antecipada deferida, e condenou o autor ao pagamento das custas processuais, e de honorários advocatícios, fixados estes em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (pp. 232-235).

Na petição de pp. 244-248, China Construction Bank (Brasil) Banco Múltiplo S/A requereu a devolução do prazo recursal, no que foi atendida, sendo que, irresignada, interpôs recurso de apelação, sustentando que, após ter sido surpreendida com a aplicação da multa decorrente de auto de constatação, a sanção foi mantida sem análise dos argumentos expostos no Recurso Administrativo apresentado, no sentido de que estaria atendendo ao que estabelece o art. 2º, I, da Lei Complementar Municipal n. 626/07, porquanto os 2 (dois) sofás existentes na agência, cada um com 3 (três) lugares, são equivalentes aos 5 (cinco) assentos exigidos na referida norma. Defende, nesse pensar, estar configurado cerceamento ao seu direito de defesa, termos em que pleiteou o provimento do recurso, a fim de que seja acolhida a pretensão deduzida, com a declaração de nulidade da penalidade imposta (pp. 288-296).

Foram apresentadas contrarrazões, oportunidade em que o Município de Blumenau reafirmou a validade do processo administrativo, dizendo terem sido respeitados os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, devendo ser mantida incólume a multa combatida (pp. 303-307).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Gladys Afonso, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (pp. 321-324).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de anulação da multa imposta pelo órgão municipal de proteção ao consumidor - PROCON.

Pertinente registrar que, mesmo a reclamação de apenas um consumidor contra o fornecedor enseja a aplicação de sanção administrativa, quando constatada a violação às normas consumeristas.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) há muito assentou ser legítima a atuação do PROCON em tais casos, pouco importando se a transgressão da norma se deu em prejuízo de apenas um ou em face da coletividade dos consumidores. Nesse sentido:

É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a sanção administrativa prevista no artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor funda-se no Poder de Polícia que o PROCON detém para aplicar multas relacionadas à transgressão dos preceitos da Lei n. 8.078/1990, independentemente da reclamação ser realizada por um único consumidor, por dez, cem ou milhares de consumidores. (STJ, AgInt no REsp 1594667/MG, rel. Min. Regina Helena Costa, j. 04/08/2016).

Nada obstante controvérsia outrora existente, a jurisprudência desta Corte caminhou para a adoção do entendimento sufragado pelo STJ, que admite a aplicação de sanção administrativa - notadamente a multa - pelo PROCON, no exercício legítimo da função fiscalizatória e punitiva, conforme estabelecido nos arts. 55, § 1º e 56, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90 e arts. 2º, 4º, incisos III e IV, 5º e 18, § 2º, do Decreto Federal n. 2.181/97.

A propósito, na decisão administrativa em análise a aplicação de multa não se deu com o objetivo de forçar a instituição financeira ao cumprimento da prestação oriunda da relação obrigacional inter partes. O PROCON, no exercício de suas prerrogativas, considerou ter havido violação à norma protetiva dos direitos do consumidor, razão pela qual aplicou a sanção que reputou adequada, conforme fundamentação declinada.

Não se trata de usurpação da função típica do Poder Judiciário, nem tampouco de violação ao art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988 ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito").

Tenho por aplicável, aqui, a chamada teoria dos poderes implícitos, pois negar ao PROCON a possibilidade de interpretação e aplicação da legislação vigente significa impedir a atuação regular do órgão administrativo instituído para a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF/88). Vejamos:

Impende considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos poderes implícitos (CARLOS MAXIMILIANO,...

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