Acórdão Nº 0019029-27.2010.8.24.0039 do Terceira Câmara Criminal, 31-03-2020

Número do processo0019029-27.2010.8.24.0039
Data31 Março 2020
Tribunal de OrigemLages
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0019029-27.2010.8.24.0039, de Lages

Relator: Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO DUPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO TENTADO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 157, §2º, INCISOS I E II, NA FORMA DO ART. 14, INCISO II DO CP E ART. 14, CAPUT, DA LEI 10.826/03). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA.

I. RECURSO DA ACUSAÇÃO. (A) CONDENAÇÃO DE TODOS OS RÉUS PELA PRÁTICA DO DELITO DO ART. 288, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP E (B) CONDENAÇÃO DE UM DOS RÉUS PELA PRÁTICA DO CRIME DO ART. 14, CAPUT, DA LEI 10.826/03. NA DOSIMETRIA, PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DO VETOR CULPABILIDADE, DE REDUÇÃO DA FRAÇÃO DA TENTATIVA PARA 1/2 (UM MEIO), DE READEQUAÇÃO DA PENA DE MULTA E DE ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

I.I. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ARMADA. Na ausência de provas do vínculo associativo estável e permanente dos acusados, não há se falar de associação criminosa armada. Na hipótese, o conjunto de provas evidencia que apenas os apelados Adevaldo e Emerson se uniram para praticar o delito contra a vítima, ou seja, apenas duas pessoas para o cometimento de um único crime.

I.II. PORTE ILEGAL DE ARMA DE USO PERMITIDO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. Inaplicável o Princípio da Consunção entre os delitos em voga (tentativa de roubo e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido), sobretudo porque as práticas delitivas ocorreram em momentos consumativos distintos, em contextos fáticos isolados.

I.III. CULPABILIDADE. Tal vetorial deve ser compreendido como o juízo de reprovabilidade da conduta, isto é, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. In casu, a premeditação do delito denota a elevada culpabilidade dos acusados.

I.IV.. FRAÇÃO DA TENTATIVA. É correto aplicar a fração mínima de 1/2 (um meio) à causa especial de diminuição de pena, considerando-se que o iter criminis percorrido quase alcançou a consumação do delito. Na hipótese, os acusados transcorreram toda a primeira, segunda fase do iter criminis e já se encontravam na terceira etapa, somente não logrando êxito na consumação por que os policiais os abordaram.

I.V. PENA DE MULTA. Conforme entendimento pacífico desta Colenda Câmara, a fixação do quantum de dias-multa deve seguir a evolução da dosimetria da pena privativa de liberdade na primeira e na terceira fase dosimétricas. Logo, uma vez alterada a fração da tentativa, a pena de multa deverá sofrer alteração.

I.VI. REGIME PRISIONAL. Necessária a alteração do regime prisional em razão da presença da circunstância judicial desfavorável da culpabilidade (art. 33, §3º, do CP).

II. RECURSO DO RÉU ADEVALDO. ALEGADA PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM RAZÃO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NO MÉRITO, PLEITO ABSOLUTÓRIO PELA AUSÊNCIA DE PROVAS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

II.I. ALEGADA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. Não há falar em prescrição da pretensão punitiva quando sequer houve o trânsito em julgado para a acusação e quando há recurso do órgão ministerial visando a majoração da reprimenda.

II.II. SUFICIÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA DELITIVA. Não há falar em insuficiência probatória quando os elementos informativos e as provas colhidas nos autos, analisados em conjunto, formam um arcabouço probatório suficiente para embasar a condenação. Na hipótese, os depoimentos da vítima, somados às declarações dos policiais e demais documentos carreados aos autos, corroboram a versão apresentada em todos os pontos, não deixando dúvidas acerca da autoria delitiva por parte do apelante.

III. RECURSO DOS RÉUS MARCOS E SAMUEL. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. SUBSIDIARIAMENTE, PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO POR MAIORIA.

III.I. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. Insubsistente a tese defensiva, uma vez que os ora apelantes executaram o crime todo arquitetado por Adevaldo, tendo a vítima sido atraída para uma emboscada e não o contrário.

III.II. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. DOSIMETRIA. ATENUANTE DA CONFISSÃO. PLEITO DE RECONHECIMENTO. Conforme o enunciado n.º 545 da Súmula da jurisprudência do STJ: "Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, inc. III, d, do Código Penal" (3.ª Seção, aprovada em 14/10/2015, Dje 19/10/2015). Na hipótese, considerando que a confissão não foi utilizada para fundamentar a condenação - inviável o reconhecimento da atenuante. Relator vencido no ponto.

IV. RECURSO DO RÉU EMERSON. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE FAVORECIMENTO REAL. SUBSIDIARIAMENTE, PRETENSÃO PARA AFASTAR A VALORAÇÃO NEGATIVA DOS MAUS ANTECEDENTES, ALTERAR O REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA E RESTITUIR O VEÍCULO APREENDIDO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

IV.I. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ALEGADA OCORRÊNCIA DE FLAGRANTE PREPARADO. Não há falar em flagrante preparado quando a atividade policial não provoca e nem induz o cometimento do crime.

IV.II. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE FAVORECIMENTO REAL. A partir das provas colhidas e da situação fática em que se encontrava, restou claro que o acusado foi coautor do roubo descrito na inicial, e não apenas "sabedor do crime", versão isolada nos autos e destituída de provas.

IV.III. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA (BIS IN IDEM). Conforme jurisprudência dos Tribunais Superiores, a utilização de condenações pretéritas para valorar os maus antecedentes e reconhecer a agravante da reincidência, desde que distintas, não caracteriza bis in idem. No caso, possuindo o acusado algumas condenações transitadas em julgado anteriormente aos fatos apurados nos presentes autos (inclusive com reincidência em crimes contra o patrimônio), perfeitamente viável a utilização de uma delas para caracterizar a reincidência e, a outra, para configuração de maus antecedentes.

IV.IV. REGIME PRISIONAL. Em que pese a pena do Apelante não seja superior a 4 (quatro) anos, a reincidência e as circunstância judiciais desabonadoras impedem a aplicação de regime inicial mais brando.

IV.V. RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO APREENDIDO. Inviável o acolhimento do pleito de restituição, a um porque o Apelante sequer é proprietário do veículo, e a dois porque o referido bem já foi restituído à proprietária (autos apensos n. 0019029-27.2010.8.24.0039/00001).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0019029-27.2010.8.24.0039, da comarca Lages 2ª Vara Criminal em que são Apte/Apdos Emerson Muniz Pereira e outros e Apdo/Aptes Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, à unanimidade, conhecer dos recursos e, afastada a preliminar: (a) dar parcial provimento ao recurso da acusação para condenar Samuel Vanderlei Machado Kuster pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, exasperar a pena-base de todos os apelados com a valoração negativa do vetor culpabilidade, reduzir a fração aplicada em razão do reconhecimento da tentativa para 1/2 (um meio) e alterar o regime inicial de cumprimento de Adevaldo, Marcos e Samuel para o semiaberto; (b) negar provimento aos recursos de Adevaldo Velho Júnior e Emerson Muniz Pereira e, por maioria de votos, (c) negar provimento aos recursos de Marcos e Samuel, vencido no ponto o Excelentíssimo Desembargador Júlio César Machado Ferreira de Melo que dava parcial provimento para reconhecer a atenuante da confissão espontânea. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Getúlio Corrêa e Des. Ernani Guetten de Almeida.

Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Paulo de Tarso Brandão.

Florianópolis, 31 de março de 2020.

Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo

Presidente e Relator


RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença de fls. 1037-1058, da lavra do Magistrado Luiz Néri Oliveira de Souza, que apresentou devidamente os contornos da ação crime e o desenrolar do trâmite processual. In verbis:

O Ministério Público ofertou denúncia contra ADEVALDO VELHO JÚNIOR, conhecido por "Júnior", brasileiro, solteiro, auxiliar de escritório, com 21 anos de idade na data do fato, nascido em 10.05.1989, natural de Itajaí/SC, filho de Adomilde Cardoso Velho e Adevaldo Velho; MARCOS ROBERTO LUZ, mais conhecido por "Marquinho", brasileiro, solteiro (união estável), pintor, com 26 anos de idade na data do fato, nascido em 25.08.1984, natural de Lages/SC, filho de Maria Aparecida Jesus Luz; SAMUEL VANDERLEI MACHADO KUSTER, brasileiro,solteiro, servente, com 23 anos de idade na data do fato, nascido em 16.12.1986, natural de Lages/SC, filho de Márcia Aparecida Machado Kuster e Vanderlei da Rosa Kuster; e EMERSON MUNIZ PEREIRA, também conhecido como "Batata", brasileiro, solteiro, autônomo, com 28 anos de idade na data do fato, nascido em 19/03/1982, natural de Lages/SC, filho de Erondina Ribeiro Muniz e Ernesto de Oliveira Pereira, como incursos nas sanções dos artigos 157, § 2º, incisos I e II, na forma do art. 14, inciso II e art. 288, parágrafo único, todos do Código Penal, em concurso material de crimes, agravados em relação a Emerson pela reincidência e incurso também Samuel nas sanções do art. 14,caput, da Lei nº 10.826/03, porque segundo consta da denúncia:

"Em data ainda não determinada, mas que a instrução processual poderá precisar, o denunciado Samuel Vanderlei Machado Kuster adquiriu sem licença e porte expedidos por autoridade competente o revólver marca Rossi, calibre.38, nº de série 777239 (cfe. termo de exibição e apreensão de fl. 48/apf). Nessas condições, no dia 10 de novembro p.p. (10.11.2010 - quarta-feira), por volta das 20h30min., na rua Presidente Kennedy, bairro Copacabana, nesta cidade, Samuel fora apreendido...

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