Acórdão Nº 0019136-59.2019.8.24.0038 do Terceira Câmara Criminal, 17-03-2020

Número do processo0019136-59.2019.8.24.0038
Data17 Março 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Agravo de Execução Penal n. 0019136-59.2019.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Getúlio Corrêa

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - DECISÃO QUE DEFERE O BENEFÍCIO DE SAÍDA ANTECIPADA E DA PRISÃO DOMICILIAR AO REEDUCANDO QUE CUMPRE PENA EM REGIME SEMIABERTO.

RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PRETENDIDA REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO - REEDUCANDO QUE RESGATA PENA EM REGIME SEMIABERTO NA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL DE JOINVILLE - ESTABELECIMENTO QUE CONTÉM ESPAÇO DESTINADO EXCLUSIVAMENTE AOS PRESOS EM REGIME SEMIABERTO, ENQUADRANDO-SE NO CONCEITO DE ESTABELECIMENTO PENAL SIMILAR - ADEMAIS, ORDEM TEMPORAL DE PROGRESSÃO NÃO RESPEITADA - INOBSERVÂNCIA DA SÚMULA VINCULANTE N. 56.

A ausência de vagas para o cumprimento da pena no regime semiaberto não implica, automaticamente, o deferimento da transferência para o regime aberto ou para a prisão domiciliar. Sendo respeitados os direitos do reeducando inerentes ao regime semiaberto, é possível o resgate da reprimenda em "estabelecimento adequado", ainda que diverso daquele previsto em lei.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Execução Penal n. 0019136-59.2019.8.24.0038, da comarca de Joinville 3ª Vara Criminal em que é Agravante: Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Agravado: Jeferson Eric André.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Ernani Guetten de Almeida e Leopoldo Augusto Brüggemann. Presidiu a sessão o Excelentíssimo Senhor Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo.

Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Jorge Orofino da Luz Fontes.

Florianópolis, 17 de março de 2020.

Desembargador Getúlio Corrêa

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de Agravo em Execução Penal interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina contra decisão proferida pelo Juiz de Direito João Marcos Buch, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, que, nos autos n. 0019136-59.2019.8.24.0038, deferiu a prisão domiciliar e a saída antecipada ao reeducando Jeferson Eric André.

Nas razões recursais (fls. 01-10), o agravante sustentou, em síntese, que não foram observadas as condições estipuladas na Súmula Vinculante n. 56 do STF para se verificar a real necessidade do regime domiciliar, o qual destacou ser medida excepcional. Disse, ainda, que a Penitenciária Industrial de Joinville é estabelecimento modelo para todo o país, sendo plenamente capaz de atender às exigências do regime semiaberto, de modo a inexistir motivos para que o cumprimento da pena dê-se domiciliarmente.

Contrarrazões às fls. 52-64.

A decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (fl. 65).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por parecer do Procurador de Justiça Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 72-77).


VOTO

1. O recurso é conhecido e, antecipando o voto, provido.

2. De início, observa-se que o reeducando Jeferson Eric André cumpre a pena total de 8 anos de reclusão, no inicialmente regime fechado, pela prática do crime previsto no art. 121 § 2º, II, IV, I, IV c/c art. 14 "caput", II ambos do CP e art. 244-B, §§ 1º e 2º do ECA.

Em 21.08.2019, o apenado progrediu ao regime semiaberto e, pouco tempo depois (29.11.2019), o Magistrado João Marcos Buch deferiu pedido de prisão domiciliar e de saída antecipada formulado pelo apenado, sob os seguintes argumentos:

"Trata-se de deliberação sobre antecipação de saída ao detento Jefferson Eric Andre, em regime semiaberto, atualmente alocado na Penitenciária Industrial de Joinville, conforme consulta ao IPEN nesta data.

1. Saída antecipada em prisão domiciliar:

Em 22.8.2019, este Juízo instaurou o procedimento n. 0015103-26.2019.8.24.0038 para tratar da forma e local do cumprimento da pena em regime semiaberto em PEC que tramitam neste Juízo. Naqueles autos, este Juízo consignou que passaria a seguir entendimento do egrégio Tribunal de Justiça, determinando o cumprimento da pena em regime semiaberto na respectiva ala da Penitenciária Industrial de Joinville.

E ainda, para dirimir efeito colateral de superlotação da ala do semiaberto em razão desse novo entendimento e impossibilidade de transferência para outra unidade do semiaberto no Estado, ponderou-se que seriam avaliados processo a processo os casos de prisão domiciliar para os apenados que estejam mais próximos da possibilidade de progressão ao regime aberto.

Neste ponto, o Ministério Público quedou-se inerte para manifestação (certidão de fl. 386).

É o relatório. Decido.

Inicialmente esclareça-se a situação do complexo prisional na Comarca.

Existe a Penitenciária Industrial de Joinville (masculina), com 590 vagas no regime fechado e 180 vagas no regime semiaberto, possuindo atualmente 729 apenados.

Existe o Presídio Regional de Joinville (masculino e feminino) com 611 vagas masculinas e 53 femininas, possuindo atualmente 1.204 detentos homens e 90 detentas mulheres, dentre os quais e 334 apenados homens e 37 apenadas mulheres. No Presídio há 20 detentos estudando e 20 trabalhando, restando mais de 1.000 em ociosidade e em celas superlotadas.

Diante da limitação de vagas para o semiaberto (180), mensalmente este Juízo, em incidente processual próprio, abaixo numerado, solicita a relação de detentos de direito no regime semiaberto (Penitenciária mais Presídio). Uma vez recebida a relação e o número, verificada a ultrapassagem do limite de 180 (número de vagas) e ausência de vagas para a alocação de todos no regime semiaberto, passa-se a avaliar individualmente, processo a processo, a possibilidade de antecipação de saída com monitoramento eletrônico (SV56).

O critério em princípio usado para análise, e o do apenado cujo regime aberto está mais próximo, ressalvados aqueles que possuem incidente disciplinar pendente ou recurso de agravo do Ministério Público sobre decisão que não reconheceu falta grave.

Assim, se existem 180 vagas e o número de apenados no regime semiaberto em todo o complexo é superior, por exemplo de 235 apenados (última relação), este Juízo passa a analisar a possibilidade em cada processo de antecipação de saída com monitoramento eletrônico para 55 apenados, tendo como critério a proximidade do regime aberto cumulada com a inexistência de incidente disciplinar e recurso de agravo do Ministério Público.

Assim, caso o detento com maior proximidade de progressão ao aberto esteja respondendo a incidente disciplinar ou penda recurso de agravo sobre decisão que não reconheceu falta grave, passa-se a analisar a possibilidade de antecipação de saída para o detento seguinte, ainda que a progressão desse seja mais distante.

Esse entendimento, assim que adotado por este Juízo há cerca de três meses, foi até então anuído pelo Ministério Público.

Finalmente, registre-se que no caso de mulher apenada, o complexo não possui vaga alguma para semiaberto, restando prejudicada a avaliação sobre quem está mais próxima ou não do aberto.

Dito isso, passa-se a análise do caso em concreto.

Em tempos de legislação penal de pânico, onde o legislador, após tomar a exceção como regra, age como se o direito penal fosse o único instrumento hábil a revolver o problema da violência, espera-se que "os magistrados criminais, cônscios de seus deveres constitucionais, não se intimidem diante de campanhas 'moralizadoras' (na fachada) de parte da imprensa e continuem a desempenhar com galhardia e coragem o seu papel de custos libertatis, pondo cobro a ilegais restrições ou ameaças de restrição à liberdade individual, seja quem for a vítima desses abusos e qualquer que seja a 'interpretação' que os 'donos da moral' entendam de fazer"(Editorial. IBCCRIM n.124).

De outro lado, conforme a criminologia de base sociológica e a crítica já há tempos tem apontado, a função oficial da pena, seja geral ou especial, positiva ou negativa, não serve para o que oficialmente se propõe - prevenção. A violência urbana é um fenômeno muito mais complexo, que passa pela anomia, desorganização social, ideologia da felicidade de consumo, subculturas delitivas, desnível social, simbolismos, estigmatizações etc. Isto sem falar nas cifras negras.

Nesse contexto, as penas criminais com seu caráter repressivo, em todas as suas vertentes oficiais, acabam sendo absolutamente ineficazes para aquilo que se propõe, que é a redução da violência.

Mais do que isso, como muito bem lembra o criminologista norueguês Nils Christie, o nome da disciplina "Direito Penal" deveria ser alterado para "Direito da Dor", porque "a dor e o sofrimento desapareceram dos manuais jurídicos, mas, como é natural, não desapareceram da experiência dos apenados" (Limites à dor: O Papel da Punição na Política Criminal. Pelo Horizonte: Ed. D'Plácido, 2016, pág.20). E neste ponto é preciso lutar para reduzir a dor, cujas regras são: "na dúvida, não cause dor. (...) inflija o mínimo de dor possível. Procure alternativas à pena, não somente penas alternativas. (...) A tristeza é inevitável, mas não o inferno criado pelo homem"(idem: págs. 25-6).

Ainda assim, diante da situação consolidada e das milhares de pessoas presas no país, é preciso jurisdicionar e buscar de todas as formas uma redução no dano prisional e da dor, para isso continuando a acreditar que a pena precisa respeitar a dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, a lei estabelece um sistema progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade (art.33, do CP e art.112, da LEP), que culmina com o livramento condicional. Ou seja, a condenação é dividida em quatro períodos: recolhimento celular contínuo (fechado); isolamento noturno, com trabalho externo/interno e ensino durante o dia (semiaberto);...

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