Acórdão nº 0019211-89.2018.8.14.0401 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Penal, 26-06-2023

Data de Julgamento26 Junho 2023
Órgão2ª Turma de Direito Penal
Número do processo0019211-89.2018.8.14.0401
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoLesão Corporal

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0019211-89.2018.8.14.0401

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

APELADO: JACKSON DOS SANTOS FARIAS

RELATOR(A): Desembargadora MARIA DE NAZARE SILVA GOUVEIA DOS SANTOS

EMENTA

EMENTA: APELAÇÃO PENAL – ART. 147, C/C ART. 148, C/C ART. 61, INCISO II, ALÍNEA “F”, TODOS DO CÓODIGO PENAL E ART. 21, DO DECRETO LEI N.° 3.688/41 – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – SENTENÇA ABSOLUTÓRIA – PEDIDO DE CONDENAÇÃO DO APELADO PELOS CRIMES DE AMEAÇA, SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO E PELO DELITO DE VIAS DE FATO IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE PROVAS DE MATERIALIDADE E AUTORIA DOS CRIMES – DEPOIMENTO DA VÍTIMA QUE SE ENCONTRA ISOLADO NOS AUTOS – INEXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE CORROBOREM AS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA. Não se desconhece, que a palavra da vítima é importante para o esclarecimento dos fatos criminosos, quando ocorridos em casos que envolvem violência doméstica. Entretanto, as declarações da vítima se encontram isoladas nos autos, não existindo provas da materialidade dos crimes e, igualmente de autoria, não existindo testemunhas que possam corroborar as alegações da ofendida, não tendo o Ministério Público provado a prática de tais delitos por parte do apelado, mantendo-se a sentença absolutória em razão do preconiza o princípio do in dubio pro reo. Precedentes colacionados. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO, SENDO MANTIDA A SENTENÇA ABSOLUTÓRIA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Desembargadores, que integram a 2ª Turma de Direito Penal, deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos da fundamentação do voto da Excelentíssima Senhora Desembargadora-Relatora Maria de Nazaré Silva Gouveia dos Santos.

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, interpôs o presente recurso de Apelação, contra sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da 3ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Belém.

Narra a denúncia, que no dia 19/10/2016, por volta de 06h00, a Sra. Eliane Cardoso Monteiro, em residência particular, Tv. Dr. Lauro Sodré, Pirapora, município de Belém, foi lesionada e ameaçada por seu ex-companheiro, bem como, este a manteve em cárcere privado do dia 05/09/2016 ao dia 19/10/2016.

Infere-se dos autos que a vítima relatou em seu depoimento, que mantinha um relacionamento amoroso com o acusado por aproximadamente 02 (dois) anos, porém este nunca aceitou o fim do relacionamento. Segundo ela, constantemente sofria ameaças por parte do denunciado e temendo por sua vida, manteve o relacionamento com ele. Conforme esta relatou, o acusado tem uma extensa ficha criminal, que também já inclui violência doméstica.

De acordo com o Ministério Público, no dia 05/09/2016, a vítima estava saindo de sua residência para fazer acompanhamento psicológico na unidade do PROPAZ-MULHER-DEAM, e foi abordada pelo réu que portava consigo uma faca e após ameaçá-la de morte, a levou para sua residência e lá a manteve em confinamento doméstico até o dia 19/10/2016. A vítima relatou, que durante este período, sofreu os mais diversos tipos de violência e constantemente o acusado a agredia com puxões de cabelo, chutes, socos e com objetos.

No dia 19/10/2016, a vítima disse para o acusado que precisava ir até um hospital pois estava sangrando, tendo o acusado concordado, ficou nas proximidades do local e ameaçou a vítima, textuais: “Se tu for na delegacia eu vou te dar um monte de facada”. Após ser examinada por uma equipe médica, relatou a violência doméstica sofrida e foi encaminhada até a autoridade policial para que pudesse relatar os fatos.

Por tais fatos, o Ministério Público denunciou Jackson dos Santos Farias pelos crimes descritos no art. 129, §9° c/c art. 147, caput e art. 148 c/c art. 61, inciso II, alínea “f”, todos do Código Penal Brasileiro.

Transcorrido o feito, o juízo a quo em sentença prolatada no dia 29/10/2020, absolveu o acusado por insuficiência de provas, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Inconformado, o representante do Ministério Público apresentou o presente recurso, requerendo o provimento da apelação, reformando a r. sentença, para que o apelado seja condenado pelos crimes tipificados no art. 147, caput, (ameaça), c/c art. 148, caput (sequestro e cárcere privado), devendo ser aplicada a agravante contida no art. 61, inciso II, alínea “f”, todos do Código Penal, aduzindo neste sentido que existem provas suficientes de autoria que corroboram a prática dos referidos delitos.

Por fim, requer o apelante que o apelado também seja condenado pelo delito previso no art. 21 do Decreto-Lei n° 3.688/41, afirmando o parquet que apesar de não existirem elementos suficientes para condenar o apelado pelo crime de lesão corporal, uma vez que não consta laudo pericial ou testemunhas que confirmem que a vítima foi por ele lesionada, estaria comprovada a prática da referida contravenção penal.

A Defensoria Pública em contrarrazões, pugna em matéria preliminar pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do crime previsto no art. 147, do CP, uma vez que entre o recebimento da denúncia no dia 24/10/2018 e a presente data se passaram mais de 03 (três) anos.

No mérito, a defesa pleiteia a manutenção da sentença absolutória em todos seus termos.

A Procuradoria de Justiça, manifesta-se pelo conhecimento da apelação interposta pelo Ministério Público e no mérito, pelo seu provimento para que seja a sentença condenatória integralmente reformada.

É o relatório. À revisão, do Des. Rômulo José Ferreira Nunes.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a análise de mérito.

O Ministério Público requer o provimento do apelo interposto, para que seja reformada a sentença absolutória, condenando o apelado Jackson dos Santos Farias nas sanções punitivas previstas nos arts. 147, caput, (ameaça) c/c art. 148 (sequestro e cárcere privado) c/c art. 61, inciso II, alínea “f”, e ainda pela contravenção penal descrita no art. 21, do Decreto-Lei n° 3.688/41, pois entende que existem provas suficientes de autoria para lhe impor as reprimendas dos referidos dispositivos legais.

Verifica-se dos autos, que o juízo a quo assim decidiu, quando absolveu o acusado das imputações criminosas apresentas pelo dominus litis, nos seguintes termos (ID 10958648):

“Pelo que foi colhido durante a instrução processual, tenho que assiste razão à defesa, conforme passo a analisar abaixo.

Em relação aos delitos de ameaça, lesão corporal e Cárcere Privado, a defesa, em sede de alegações finais relatou a necessidade de absolvição do acusado por insuficiência de provas, uma vez que a palavra da vítima não foi corroborada por outros meios e os supostos fatos não aconteceram na intimidade das partes.

De fato, constato que não foram demonstrados satisfatoriamente a ocorrência dos injustos penais relativos à ameaça e ao cárcere privado, visto que, em que pese a vítima tenha ratificado os termos da denúncia, suas declarações não foram corroboradas por outros elementos de prova. A ofendida, inclusive, em seu depoimento disse que outras presenciaram os fatos, por morarem em uma vila, muito embora tenha dito, que as pessoas não querem se envolver e suas amigas têm medo do acusado.

No que se refere ao crime de lesão corporal, o laudo pericial demonstrou a ausência de lesões traumáticas na superfície corporal e sangramento genital, no momento da perícia, pelo que o parquet requereu a desclassificação para contravenção para vias de fato. Em que pese a vítima ter aduzido que fora agredida pelo acusado, suas declarações também não foram corroboradas por outros elementos de provas.

Consigno que, muito embora partilhe do entendimento de que nos crimes de violência doméstica a palavra da vítima assume especial relevância, suas declarações restaram isoladas nos autos, mesmo porque as testemunhas de fato não foram ouvidas em juízo e sequer foram arroladas pelo órgão ministerial.

Desse modo, apesar da palavra da vítima ser relevante como elemento probatório, deve vir acompanhada por outros meios de provas idôneas, o que não ocorreu aqui. Assim, na ausência de outras provas que confirmem as suas declarações, o decreto absolutório se impõe.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, por inexistirem provas suficientes que confirmem os fatos relatados na denúncia; e tendo em vista o princípio do in dubio pro reo, não resta outra alternativa senão julgar improcedente a denúncia e absolver o réu JACKSON DOS SANTOS FARIAS, já qualificado nos autos, das imputações que lhe foram feitas, por insuficiência de provas, com fundamento no art. 386, inciso VIII, do Código de Processo Penal”.

É sabido que nos delitos que envolvem violência doméstica, a palavra da vítima tem especial relevância e caso não existam motivos para desacreditá-la, estando seus esclarecimentos consubstanciados por outros elementos de convicção dispostos nos autos processuais, é o relato da ofendida de suma importância, a fim de conferir a devida tutela aos direitos da parte que se mostra vulnerável. No entanto, a narrativa a ser apresentada pela vítima, deve ser apta, firme, segura e coerente, sempre lastreada por outros fatos que a tornem minimamente plausível.

Entretanto, no caso dos autos, as provas são frágeis e insuficientes para embasar um decreto condenatório a ser proferido em desfavor do apelado por esta instância superior, isso porque os esclarecimentos prestados pela vítima em juízo, apesar de confirmar os fatos narrados na exordial acusatória, são isolados, não estando amparados por outros elementos probatórios, sejam eles de materialidade ou de autoria dos eventos tidos como criminosos, senão vejamos.

Inicialmente, o Ministério Público Estadual afirmou na peça acusatória que Jackson dos Santos Farias, teria praticado em desfavor da ofendida o crime previsto no art. 129, §9°, do CP, que trata da...

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