Acórdão Nº 0019612-07.2012.8.24.0018 do Primeira Câmara de Direito Público, 30-11-2021

Número do processo0019612-07.2012.8.24.0018
Data30 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0019612-07.2012.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: BRASPLAST IND & COM DE PLASTICOS LTDA

RELATÓRIO

Brasplast Ind. e Com. de Plásticos Ltda. propôs "ação ordinária por desapropriação indireta" em face do Departamento de Infraestrutura de Santa Catarina - Deinfra, posteriormente substituído pelo Estado de Santa Catarina.

Alegou que: 1) é proprietária de um imóvel localizado às margens da SC-480, trecho Chapecó-Distrito de Goio-Ên e 2) o requerido esbulhou o imóvel ao implantar referida rodovia.

Postulou o pagamento de indenização pela desapropriação indireta.

Em contestação, o réu arguiu a prescrição e sustentou que: 1) não há prova da desapropriação; 2) eventual indenização deve recair apenas sobre a área efetivamente ocupada; 3) o ressarcimento deve levar em conta o valor do imóvel na época do desapossamento e desconsiderar a valorização superveniente; 4) é incabível a cumulação dos juros compensatórios com lucros cessantes e 5) os juros moratórios, no patamar de 6% ao ano, incidem a partir do exercício seguinte àquele que o pagamento deveria ter sido efetivado por precatório (Evento 91, PROCJUDIC2, f. 51/61).

Foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:

Dito isto, acolho parcialmente o pedido, para o fim de:

a) condenar o DEINFRA a pagar à empresa autora BRASPLAST INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PLÁSTICOS LTDA (CNPJ 80.933.179/0001-79) o valor de R$ 758.318,40 (setecentos e cinquenta e oito mil, trezentos e dezoito reais e quarenta centavos) à guisa de desapropriação indireta de 9.478,98m² da área objeto da matrícula imobiliária nº 38.698 do Ofício Imobiliário de Chapecó, por conta da implantação/pavimentação/faixa de domínio da Rodovia SC-480. Com atualização monetária e juros conforme delineado no tópico VII desta sentença.

b) julgar improcedente o pedido de indenização a título de danos morais.

A Autarquia é isenta de custas. Arcando com os honorários periciais (que já depositou cfe. p. 105 e 125).

Fixo honorários advocatícios em 5% sobre o valor da condenação (art. 84, § 3º, I do NCPC; Súmula 131 do STJ).

À guisa do poder geral de cautela, para resguardo e conhecimento de terceiros (art. 786 do Código de Normas da CGJ/TJSC) determino se remeta cópia desta decisão, via malote digital, ao Ofício de Registro de Imóveis de Chapecó, requisitando seja anotado à margem da matrícula 38.698 que esses 9.478,98m² foram tomados pela implantação/pavimentação/faixa de domínio da Rodovia SC-480, e passarão a ser propriedade do DEINFRA após o trânsito em julgado desta sentença.

Transitada em julgado a sentença, deverá ser expedido mandado de registro à Serventia Imobiliária, cabendo ao DEINFRA apresentar ao Oficial do Registro memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com ART contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA (artigo 225, § 3º da Lei nº 6.015/73).

Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 496, § 3º, II, NCPC). (Evento 91, PROCJUDIC2, f. 233)

O réu, em apelação, suscitou a ilegitimidade ativa e argumentou que: 1) a perícia é nula ante a ausência de memorial descritivo e da ART com as coordenadas da área; 2) a faixa de domínio, por ter natureza de limitação administrativa, não gera direito à indenização e 3) o ressarcimento deve levar em conta o valor do imóvel na época do desapossamento (Evento 91, PROCJUDIC2, f. 240/251).

Com as contrarrazões (Evento 91, PROCJUDIC2, f. 259/273), a d. Procuradoria-Geral de Justiça entendeu ausente o interesse ministerial (Evento 91, PROCJUDIC2, f. 286/287).

VOTO

1. Ilegitimidade ativa

O apelante sustenta que a requerente carece de legitimidade para figurar no polo ativo, pois o imóvel foi transmitido posteriormente ao apossamento administrativo.

Muito embora a alegação seja inédita, a matéria é de ordem pública, podendo ser arguida a qualquer tempo e grau de jurisdição, não havendo falar em preclusão.

É o que se extrai do § 3º do art. 485 do CPC:

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

[...]

VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

[...]

§ 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.

De minha relatoria:

ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DETERMINADO PELO TCE. ILEGITIMIDADE ATIVA ARGUIDA APENAS NA APELAÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, PASSÍVEL DE CONHECIMENTO EM QUALQUER GRAU DE JURISDIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE INOVAÇÃO RECURSAL.

"3. Contudo, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a matéria relativa às condições da ação - legitimidade, interesse processual (interesse de agir) e possibilidade jurídica do pedido -, por configurarem matéria de ordem pública, comportam apreciação a qualquer tempo e grau de jurisdição, não estando, portanto, sujeitas à preclusão." (AgRg no REsp 1.444.360/SE, rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 15-5-2014) [...] (AC n. 2014.017265-8, de São Lourenço do Oeste, j. 1º-3-2016)

Sobre a legitimidade da parte quando o apossamento administrativo é anterior à transmissão da propriedade, decidiu recentemente esta Corte:

DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMPLANTAÇÃO DA RODOVIA SC-411. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO ANTERIOR À AQUISIÇÃO DO IMÓVEL PELA AUTORA. TEMA 1.004 DO STJ. APLICABILIDADE OBRIGATÓRIA E IMEDIATA. ARTS. 927, III E 1.040, III, DO CPC. EXCEÇÕES PREVISTAS NA TESE REPETITIVA NÃO CONFIGURADAS. ILEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. SENTENÇA REFORMADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. AGRAVO RETIDO PREJUDICADO. (AC n. 0002961-68.2008.8.24.0072, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Vilson Fontana, Quinta Câmara de Direito Público, j. 10-8-2021)

Colhe-se do voto como razão de decidir:

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação, ressaltando que não há indevida inovação recursal.

Além de alegada pela Fazenda Pública na origem e tratada expressamente na sentença, a ilegitimidade ativa é matéria de ordem pública, cognoscível a qualquer tempo e grau de jurisdição, até mesmo de ofício, pelo que não se sujeita à preclusão.

Sobre a preliminar, aliás, no julgamento do REsp 1.750.660 - Tema 1.004, o STJ fixou tese jurídica no sentido de que o adquirente do imóvel não tem legitimidade para pleitear indenização referente a apossamento administrativo ocorrido antes da alienação:

Reconhecida a incidência do princípio da boa-fé objetiva em ação de desapropriação indireta, se a aquisição do bem ou de direitos sobre ele ocorrer quando já existente restrição administrativa, fica subentendido que tal ônus foi considerado na fixação do preço. Nesses casos, o adquirente não faz jus a qualquer indenização do órgão expropriante por eventual apossamento anterior. Excetuam-se da tese hipóteses em que patente a boa-fé objetiva do sucessor, como em situações de negócio jurídico gratuito ou de vulnerabilidade econômica do adquirente.

Pela clareza e minudência, transcrevo na íntegra a ementa do recurso especial repetitivo:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO ANTERIOR À ALIENAÇÃO. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ADQUIRENTE. DESCABIMENTO DE PRETENSÃO FUNDADA EM CESSÃO DE DIREITOS E SUB-ROGAÇÃO. ARTS. 286, 290, 346, 347, 349, 884, CAPUT, E 927 DO CÓDIGO CIVIL. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA MORALIDADE E DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. INAPLICABILIDADE DO ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO E DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMAS DO STJ. JURISPRUDÊNCIA INERCIAL. ARTS. 926, CAPUT, E 927, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

HISTÓRICO DA DEMANDA

1. O 2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina admitiu, com fundamento no inciso IV do art. 1.030 do Código de Processo Civil, o presente Recurso Especial como representativo da controvérsia. A Primeira Seção proferiu decisão de afetação, assim delimitando a tese controvertida: "análise acerca da sub-rogação do adquirente de imóvel em todos os direitos do proprietário original, inclusive quanto a eventual indenização devida pelo Estado, ainda que a alienação do bem tenha ocorrido após o apossamento administrativo."

2. Na origem, trata-se de Ação de Indenização por Desapropriação Indireta contra o Departamento de Infraestrutura de Santa Catarina (Deinfra), sob a alegação de que, no curso de pavimentação da Rodovia SC-303, houve parcial apossamento material dos imóveis das autoras. O Tribunal de Justiça deliberou que, após o apossamento, ocorrido em 13.5.1981, os imóveis foram transmitidos por doação às autoras em 12.5.1982. Declarou, então, "de ofício, a...

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