Acórdão nº 0019646-63.2018.8.14.0401 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Penal, 17-04-2023

Data de Julgamento17 Abril 2023
Órgão2ª Turma de Direito Penal
Número do processo0019646-63.2018.8.14.0401
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoDecorrente de Violência Doméstica

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0019646-63.2018.8.14.0401

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

APELADO: MARCELINO JOSE PALHETA LUZ

RELATOR(A): Desembargador LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 129, §9º, do CP. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA, COM FULCRO NO ARTIGO 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO RECURSO. VOTAÇÃO UNÂNIME.

01 – É bem verdade que nos crimes de violência doméstica a palavra da vítima recebe relevante importância. Contudo, não houve clareza nos autos sobre a autoria das lesões descritas no laudo pericial, diante das divergências nas oitivas da vítima e do réu. Remanescem, assim, dúvidas em relação à autoria e à materialidade do delito, as quais levam à incidência do princípio in dubio pro reo.

02 “O princípio in dubio pro reo impõe ao órgão julgador o decreto absolutório quando não tenha se convencido totalmente da procedência das acusações ofertadas pelo órgão acusador” (in Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional – 8. ed. atualizada até a EC nº67/10 – São Paulo: Atlas, 2011, p.302).

03 – Conhecimento e não provimento recursal.

04 – Decisão unânime.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da 2ª Turma de Direito Penal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade, conhecer do Recurso de Apelação e lhe negar provimento, nos termos do voto do Excelentíssimo Desembargador Relator.

Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos dezessete dias do mês de abril do ano de dois mil e vinte e três.

Julgamento presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Rômulo José Ferreira Nunes.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. DES. LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR (RELATOR):

Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público do Estado do Pará, irresignado com os termos da resp. sentença absolutória proferida, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, pelo MM. Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Belém/Pa, nos autos da ação penal pública em que Marcelino José Palheta Luz fora denunciado pela prática, contra Maria Betânia dos Santos Andrade do delito do artigo 129, §9º, do Código Penal, c/c a Lei 11.340/2006.

Na peça acusatória (Num. 12442922 - Pág. 2 a 3), consta, ipsis litteris:

Narram os presentes autos que no dia 10/04/2018, às 18h30, a Vítima MARIA BETANIA DOS SANTOS ANDRADE foi agredida fisicamente por MARCELINO JOSE PALHETA LUZ seu ex- companheiro.
Em seu depoimento às fls.05, a Vítima afirmou perante a autoridade policial, que está separada do Denunciado devido o mesmo ter um comportamento agressivo e apresentar desequilíbrio emocional e que, inclusive, ele já lhe agrediu fisicamente inúmeras vezes.

No dia do fato, a Vítima e o Réu deram início a uma conversa, momento em que ele se alterou e passou ofender a Vítima moralmente, em ato contínuo passou a agredi-la fisicamente vindo a lesionar seus dedos ao tentar tirar a aliança dela.

Houve o recebimento da denúncia (Num. 6453537 - Pág. 1).

Devidamente citado, o apelado ofereceu resposta escrita, com reservas quanto à tese de defesa para a ocasião das alegações finais (Num. 6453538 - Pág. 1 a 6).

Em audiência de instrução e julgamento, ouviram-se os depoimentos da vítima e de 01 (uma) testemunha/informante, e se interrogou o apelado (Num. 6453544/6453555; 6454531/6454545; 6454516/6454530).

As partes apresentaram memoriais (Num. 12442926 - Pág. 1 a 6 e Num. 6454540/6454545).

Ao sentenciar (Num. 6453541) o juiz a quo absolveu o apelado com fulcro no princípio in dubio pro reo.

Nas razões recursais (Num. 6453542 - Pág. 1 a 6), o MP/apelante discorreu em torno da relevância do depoimento da vítima de violência doméstica e familiar para comprovação da materialidade e autoria, assim como do testemunho da mãe dela. Assim, pediu a reforma do ato impugnado, com a condenação do apelado pela prática do crime previsto no artigo 129, §9º, do Código Penal, c/c a Lei 11.34/2006.

As contrarrazões voltaram-se para a manutenção da sentença (Num. 6453542 - Pág. 8 a 14).

Por distribuição, a relatoria do feito coube a mim (Num. 6453542 - Pág. 16).

Instada a se manifestar, a Procuradoria de Justiça emitiu parecer em torno do conhecimento e provimento do apelo (Num. 6453543 - Pág. 1 a 6).

É o relatório do necessário.

Sem revisão, nos termos do artigo 610, do Código de Processo Penal.

VOTO

O EXMO. SR. DES. LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR (RELATOR):

DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

A apelação encontra-se adequada, tempestiva, com interesse da parte e legitimidade para recorrer. Preenchidos, por conseguinte, os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, deve ser conhecida.

DO MÉRITO

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, inciso LVII, consagrou o princípio da presunção de inocência.

Nas palavras de Alexandre de Morais (in Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional – 8. ed. atualizada até a EC nº67/10 – São Paulo: Atlas, 2011, p.299): “a presunção de inocência condiciona toda condenação a uma atividade probatória produzida pela acusação e veda taxativamente a condenação, inexistindo as necessárias provas”.

In casu, foram colhidos, em juízo, os depoimentos da vítima e de sua mãe, assim como interrogou-se o apelado.

A primeira relatou que em todos os anos de relacionamento sofreu violência física e psicológica por parte do réu, mas nunca o denunciou, e que no dia dos fatos apurados ele tentou tirar sua aliança lesionando a sua mão (Num. 6453544/6453555).

A segunda, na oportunidade, nada de concreto discorreu a respeito do provável fato delituoso, porque afirmou não o ter presenciado (Num. 6454531/6454539).

O apelado negou a ocorrência do ato criminoso ao afirmar que a vítima pode ter lesionado a mão quando ele tentou sair de casa com sua mala e ela ficou puxando-o para impedir que ele fosse embora, mas que não a agrediu fisicamente como foi relatado (Num. 6454516/6454530).

Ora, é bem verdade que em crimes de violência doméstica a palavra da vítima recebe relevante importância. Contudo, a lesão corporal atestada em laudo pericial, data venia, pelos relatos atribuídos ao réu, não restou comprovada, já que a vítima não explicou sobre as lesões em seu pescoço e em suas costas, afirmando apenas que teve sua mão lesionada por ele.

Além disso, muitos outros fatos foram levantados em juízo, com a ratificação da mãe da vítima em relação às suas alterações de humor, agressividade e a total instabilidade de ambos no relacionamento, inclusive narrando que havia acontecido da vítima ir para cima do réu e ser contida por ele.

Os depoimentos judicializados estão em consonância em relação aos inúmeros conflitos do casal e da instabilidade emocional, porém nada se esclareceu sobre a real autoria quanto às lesões constantes do laudo pericial.

Remanescem, assim, dúvidas em relação à autoria do delito, as quais levam à incidência do princípio in dubio pro reo.

Segundo o doutrinador suso mencionado (Id Ibid, p. 302):

O princípio in dubio pro reo impõe ao órgão julgador o decreto absolutório quando não tenha se convencido totalmente da procedência das acusações ofertadas pelo órgão acusador.

Podemos concluir que a previsão do in dubio pro reo é um dos instrumentos processuais previstos para a garantia de um princípio maior, que é o princípio da inocência.

Eis as pertinentes ponderações do juiz sentenciante (Num. 12442927 - Pág. 1 a 4):

Trata-se de ação penal na qual imputa-se ao acusado a prática do crime de Lesão Corporal (art. 129, § 9º, do Código Penal).

Ouvida a vítima Maria Betânia dos Santos Andrade, declarou QUE durante o relacionamento, já havia sido vítima de agressão, provocações e humilhações praticadas pelo acusado; QUE no episódio relatado na Denúncia, o réu havia chegado em casa e começou ofendê-la moralmente em razão de a declarante não ceder a uma tentativa de conciliação por parte dele; QUE ela jogou contra ele alguns objetos para que ele fosse embora; QUE nessa briga, a ofendida não o agrediu; QUE o acusado tentou retirar a força a aliança do dedo da vítima; QUE não ocorreram agressões recíprocas; QUE as lesões foram nas mãos, na cintura e costas; QUE ela também apresentava marcas no rosto, pescoço; QUE possui medidas protetivas e não solicitou a revogação; QUE faz uso de ansiolítico e antidepressivos, inclusive em períodos anteriores ao fato; QUE no dia do fato, reafirma não ter agredido fisicamente o réu; QUE depois do ocorrido, as partes ainda tentaram reatar o relacionamento por duas vezes, mas não conseguiram, especialmente devido a agressividade do réu, a problemas financeiros, entre outros fatores; QUE o réu possuía dívidas no cartão de crédito da vítima; QUE não ficou impedida de se locomover ou realizar as atividades rotineiras devido às agressões, porém se sentia mal psicologicamente e fisicamente devido ao ocorrido.

Interrogado o réu Marcelino José Palheta Luz, relatou QUE não são verdadeiras as acusações, QUE no dia do fato, tiveram uma discussão em razão de o réu querer sair de casa e a vítima não permitir; QUE a ofendida foi para cima do acusado, jogando contra ele os pães que havia comprado; QUE discutiram devido a problemas financeiros; QUE na época do fato, conviviam juntos; QUE atualmente, estão juntos; QUE a vítima sofre de depressão e bipolaridade; QUE ela se torna agressiva, sobretudo por questões financeiras; QUE nega ter tocado da vítima; QUE acredita que ela possa ter se machucado ao puxar a mala dele; QUE não tem conhecimento de como a...

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