Acórdão nº 0019649-86.2016.8.14.0401 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Penal, 26-06-2023

Data de Julgamento26 Junho 2023
Órgão1ª Turma de Direito Penal
Ano2023
Número do processo0019649-86.2016.8.14.0401
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoCrimes contra a vida

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0019649-86.2016.8.14.0401

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

APELADO: FLAVIA THAIANA PINHEIRO QUADROS

RELATOR(A): Desembargadora ROSI MARIA GOMES DE FARIAS

EMENTA

ACÓRDÃO Nº

APELAÇÃO PENAL – SECRETARIA ÚNICA DE DIREITO PENAL

PROCESSO Nº 0019649-86.2016.814.0401

COMARCA DE ORIGEM: 1ª VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DE BELÉM/PA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO

APELADO: FLAVIA THAIANA PINHEIRO QUADROS

ADVOGADO PARTICULAR: ARMANDO AQUINO ARAUJO JUNIOR, OAB Nº 14.403

PROCURADORIA DE JUSTIÇA: FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA

RELATORA: DESEMBARGADORA ROSI MARIA GOMES DE FARIAS

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO (ARTIGOS 121 C/C 14, II, DO CÓDIGO PENAL). ABSOLVIÇÃO POR CLEMÊNCIA. ART. 483, § 2º - CPP. QUESITO GENÉRICO. INOVAÇÃO TRAZIDA PELA LEI 11.689/2008 AO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. JULGAMENTO DADO COMO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO ÀS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO QUE DEVE SER RESPEITADA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

- O QUESITO GENÉRICO DO ART. 483, III E V, § 2º - CPP, INOVAÇÃO DA LEI 11.689, DE 09/06/2008, DE FORMULAÇÃO OBRIGATÓRIA DEPOIS DA RESPOSTA AFIRMATIVA ACERCA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA, PERMITE AO JURADO, NA SUA LIVRE APRECIAÇÃO DOS FATOS DA VIDA, OPTAR PELA ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO EM ATENÇÃO DO SEU SENTIMENTO PESSOAL DE JUSTIÇA, PELA SUA ÍNTIMA CONVICÇÃO, INCLUSIVE FORA DA PROVA DOS AUTOS, O QUE, CONCORDE-SE OU NÃO EM TERMOS DE POLÍTICA CRIMINAL, HÁ QUE SER RESPEITADO, TANTO MAIS QUE LEI NÃO ATRELOU A RESPOSTA AFIRMATIVA A NENHUMA CONDICIONANTE LIGADA ÀS TESES DA DEFESA MANEJADAS NO JÚRI.

- CONSIDERANDO O QUESITO GENÉRICO E A DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO NA DECISÃO DOS JURADOS, CONFIGURA-SE A POSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO POR CLEMÊNCIA, OU SEJA, MESMO EM CONTRARIEDADE MANIFESTA À PROVA DOS AUTOS. SE AO RESPONDER O QUESITO GENÉRICO O JURADO PODE ABSOLVER O RÉU SEM ESPECIFICAR OS MOTIVOS, E, ASSIM, POR QUALQUER FUNDAMENTO, NÃO HÁ ABSOLVIÇÃO COM TAL EMBASAMENTO QUE POSSA SER CONSIDERADA "MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS".

- A ABSOLVIÇÃO DO RÉU, ANTE RESPOSTA A QUESITO ESPECÍFICO, INDEPENDE DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS OU DE TESE VEICULADA PELA DEFESA, CONSIDERADA A LIVRE CONVICÇÃO DOS JURADOS. SENDO O RÉU ABSOLVIDO COM ESTEIO NO QUESITO GENÉRICO DE ABSOLVIÇÃO (ART. 483, § 2º - CPP), INOVAÇÃO TRAZIDA PELA LEI Nº 11.689/2008 AO TRIBUNAL DO JÚRI, NÃO HÁ FALAR-SE EM NULIDADE DA DECISÃO, UMA VEZ QUE OS JURADOS PODEM ABSOLVER O RÉU COM BASE NA LIVRE CONVICÇÃO E INDEPENDENTEMENTE DAS TESES VEICULADAS, CONSIDERADOS ELEMENTOS NÃO JURÍDICOS E EXTRAPROCESSUAIS.

RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E DESPROVIDO, mantendo a sentença absolutória por clemência proferida pelo Conselho de Sentença.

ACÓRDÃO

Vistos, etc.

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Penal, por unanimidade, conhecer do recurso e no mérito dar-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora.

16ª Sessão Ordinária Virtual da 1ª Turma de Direito Penal, a realizar-se no dia 26 de junho de 2023.

Julgamento presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Vania Lúcia Silveira.

Belém/PA, 26 de junho de 2023.

Desembargadora ROSI MARIA GOMES DE FARIAS

Relatora

RELATÓRIO

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de Apelação Penal interposto pelo Ministério Público, onde figura como apelada, FLAVIA THAIANA PINHEIRO QUADROS, por intermédio de Advogado Particular, objetivando reformar a r. sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Belém/PA (ID nº 13563707) que absolveu igualmente a ora apelada por estar demonstrada causa de isenção de pena – absolvição por clemência, com fulcro no artigo 415, IV, do Código de Processo Penal.

Narrou à denúncia (fls. 53/54, ID nº 13563655), na noite do dia 26/05/2016, utilizando instrumento cortante e com dolo dirigido ao resultado morte, a denunciada tentou contra a vida de Regiane da Silva Rodrigues ao golpeá-la nas regiões da mandíbula direita e esquerda bucinadora e escapular direita, conforme prova material o laudo da perícia de exame de corpo de delito, na espécie lesão corporal acostado ao inquérito, somente não alcançando o resultado morte por circunstancias alheias à sua vontade, consistentes na intervenção de terceiros que a impedia de prosseguir na execução do crime.

Quando da ocorrência do fato delituoso a denunciada estava na sede dançante Metrópole City Hall, localizada na Rodovia Augusto Montenegro, e lá encontrou a vítima, a qual havia tido um relacionamento amoroso com a pessoa de prenome Flavio, seu ex-companheiro, e embora já estando deste separada, de posse de um instrumento cortante e contundente, aproximou-se desta por trás e descarregou sua ira, golpeando-a nas regiões ao norte referidas, somente não prosseguindo na agressão e alcançando o resultado morte por que sua ação foi obstada por pessoas que estavam na sede. Desta forma incidiu a acusada às penas do artigo 121 c/c/ 14, II, do Código Penal.

A Sentença de Pronúncia (fls. 205/206, ID nº 13563707), determinou que havendo indícios de autoria e materialidade, com fundamento no artigo 413 do CPP, pronunciou a ré, como incurso no artigo 121 c/c 14, II, do Código Penal, para o fim de ser julgada pelo Tribunal do Júri.

Na Sentença do Tribunal do Júri (fls. 956/957, ID nº 13563998), o Conselho de Sentença acatou, por maioria de votos, a absolvição por clemência, com fulcro no artigo 415, IV, do CPP.

Em suas razões recursais (fls. 1013/1019, ID nº 13564066), o Ministério Público requereu a anulação do julgamento, uma vez que manifestamente contrário à prova dos autos, submetendo-se a ré a novo julgamento popular.

Em sede de contrarrazões (fls. 1021/1026, ID nº 13564068), a Defesa opinou pelo conhecimento e no mérito o desprovimento do recurso interposto, mantendo a sentença do juízo a quo pelos seus próprios e relevantes fundamentos em todos os seus termos, por ser medida de direito e Justiça.

Nesta Instância Superior (fls. 1032/1034, ID nº 14146223), a Procuradoria de Justiça do Ministério Público, por intermédio do Procurador de Justiça Francisco Barbosa de Oliveira, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso, devendo a apelada ser submetida a um novo julgamento perante o Tribunal do Júri da Capital, e, consequentemente, condenada nas sanções tipificadas no artigo 121, caput, c/c art. 14, II, do Código Penal.

É o relatório.

Passo a proferir o voto.

Processo apto para inclusão em Pauta a próxima Sessão Ordinária de Plenário Virtual – Sistema PJE.

VOTO

VOTO

O recurso sob análise deve ser conhecido, em razão do atendimento dos pressupostos e condições para sua admissibilidade, mormente em relação à adequação e tempestividade.

Não havendo preliminar, passo adentro ao mérito da pretensão recursal.

Consoante relatado, o Parquet busca a cassação da sentença sob o fundamento de que a sentença que absolveu por clemência a acusada da tentativa de homicídio, proferida pelo Conselho de Sentença, foi tomada de forma manifestamente contrária aos autos.

Afirma o Ministério Público de 1º grau que a decisão dos jurados está divorciada das provas apresentadas no curso do processo, porquanto, a materialidade do fato está provada, sendo inconteste a conclusão de que a apelada agiu para matar a vítima, o que não foi consumado graças à intervenção de terceiros. Além do mais, a vítima reconhece FLAVIA THAIANA como autora do crime e, inclusive, a própria apelada confessa a autoria, mas disse que agiu apenas com a intenção de lesionar, o que não se coaduna com os elementos de prova contidos no bojo da persecução penal.

Adianto que não acolho o requerimento do Parquet.

In casu, os jurados reconheceram a materialidade do crime, devidamente provada pelo Laudo de Lesão Corporal, às fls. 941/942, ID nº 13563988.

Quanto à autoria do crime, em resposta aos quesitos, os jurados reconheceram que a ré foi a autora do fato em que foi vítima Regiane da Silva Rodrigues, porém no quesito seguinte, a absolveram (fls. 978/979, ID nº 13564001).

O quesito genérico do art. 483, III e V, § 2º, CPP, inovação da Lei 11.689, de 09/06/2008, de formulação obrigatória — depois da resposta afirmativa acerca da materialidade e da autoria —, permite ao jurado, na sua livre apreciação dos fatos da vida, optar pela absolvição do acusado em atenção ao seu sentimento pessoal de justiça, pela sua intima convicção, inclusive fora da prova dos autos, o que, concorde-se ou não em termos de política criminal, há que ser respeitado, tanto mais que a lei não atrelou a resposta afirmativa a nenhuma condicionante ligada às teses da defesa manejadas no Júri.

Há precedente da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, de que o quesito genérico previsto no art. 483, §2º, do CPP, configura-se a possibilidade de absolvição por clemência, podendo o Júri inocentar o réu sem especificar os motivos, ou seja, por quaisquer fundamentos, inexistindo absolvição com tal embasamento que possa ser considerada “manifestamente contrária à prova dos autos”:

Habeas corpus. 2. Tribunal do Júri e soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, c, CF). Impugnabilidade de absolvição a partir de quesito genérico (art. 483, III, c/c § 2º, CPP) por hipótese de decisão manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d, CPP). Absolvição por clemência e soberania dos veredictos. 3. O Júri é uma instituição voltada a assegurar a participação cidadã na Justiça Criminal, o que se consagra constitucionalmente com o princípio da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, c, CF). Consequentemente, restringe-se o recurso cabível em face da decisão de mérito dos jurados, o que resta admissível somente na hipótese da alínea d do inc. III do art. 593 do CPP: “for a decisão dos jurados...

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