Acórdão Nº 0020535-97.2011.8.24.0008 do Quarta Câmara Criminal, 19-08-2021

Número do processo0020535-97.2011.8.24.0008
Data19 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 0020535-97.2011.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

RECORRENTE: JEFERSON QUEIROZ (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo acusado Jeferson Queiroz, inconformado com a decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da comarca de Blumenau, que admitiu a denúncia e o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inc. IV, do Código Penal, além do art. 14 da Lei n. 10.826/2003, submetendo-o, então, a julgamento pelo Tribunal Popular.

Em suma, o recorrente, assistido por defensor constituído, argumentou o seguinte nas razões de recurso: [a] "em que pese o labor do Magistrado de base, temos que a sentença merece reparos, pois de toda a prova produzida sob o crivo do contraditório e da mais ampla defesa, demonstrou sobejamente que o réu agiu em legítima defesa"; [b] "embora a materialidade do crime seja certa, a autoria por sua vez restou acobertada pela excludente de ilicitude, qual seja, a legítima defesa"; [c] "o réu foi primeiramente instigado e agredido pela se dizente vítima, a qual patrocinou verdadeira intentona contra sua vida, agressão está injusta, veemente e que colocou em risco a vida do réu (o réu foi agredido pela suposta vítima com um facão, o qual somente não lhe causaram ferimentos de maior monta porque defendeu-se, vindo a atingir seu braço, conforme laudo pericial de fls. 48), e desta forma, para não perecer, desencadeou reação defensiva, ao abrigo da lei"; [d] "a instituição do Júri - crimes dolosos contra a vida -; a presunção de inocência, todos estão no mesmo nível constitucional - artigo 5º! Devem ser interpretados de forma harmônica, para que não se cometa a injustiça de se colocar um processo duvidoso sob o julgamento pautado na convicção íntima de 7 (sete) jurados"; [e] "considerando a pena do crime de porte ilegal de arma fogo, temse que a mesma prescreve em 08 anos a teor do disposto no art. 109, IV, do CP. Considerando que a denúncia foi recebida em 26/10/2012 e a sentença de pronúncia publicada em 09/12/2020, decorreu mais de 08 anos".

Concluiu requerendo o provimento do recurso, "para reformar a sentença de 1º grau, com a ABSOLVIÇÃO do réu JEFERSON DE QUEIROZ, da suposta prática do crime de homicídio qualificado, eis que acobertado pelo manto da LEGÍTIMA DEFESA, nos termos do art. 415, IV do CPP. Quanto ao crime do art. 14 da Lei n.º 10.826/03, requer-se seja reconhecida a prescrição com fundamento no art. 109, IV do CP" (Evento 212).

Com as contrarrazões (Evento 218), e mantida a decisão impugnada por seus fundamentos em atenção ao preconizado no art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 220), os autos ascenderam a este Tribunal.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho, que se manifestou "pelo conhecimento do recurso e, após acolhida a preliminar de extinção de punibilidade em relação ao crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, pelo seu não provimento" (Evento 11 - promoção 1).

VOTO

O recurso em sentido estrito concentra as condições objetivas (cabimento, adequação, tempestividade e inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito recursal) e as subjetivas (interesse jurídico e legitimidade) de admissibilidade, motivo por que deve ser conhecido.

1 Preliminar: reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação ao crime conexo (art. 14, da Lei n. 10.826/2003)

Neste tópico, o recorrente arguiu a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação ao crime conexo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003).

O Ministério Público, nos dois graus de jurisdição, se manifestou favorável a esse pleito (Evento 218 dos autos da ação penal e Evento 11 dos autos do recurso em exame).

Bem se sabe, a pena em abstrato para o crime tipificado no art. 14 da Lei n. 10.826/2003 é de reclusão de 2 a 4 anos e, nesse caso, a prescrição da pretensão punitiva estatal é regulada pelo art. 109, inc. IV, do Código Penal, ou seja, verifica-se em 8 anos.

Desse modo, considerando o recebimento da denúncia em 26-10-2012, a decisão de pronúncia em 1º-9-2020 e sua intimação eletrônica ocorrida em 9-12-2020, impõe-se o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal no caso do crime conexo, porque transcorrido mais de 8 anos entre os marcos interruptivos.

2 Mérito: pedido voltado à absolvição sumária pelo reconhecimento da legítima defesa

Colhe-se dos autos que o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia contra JEFERSON QUEIROZ, pelo cometimento, em tese, dos crimes previstos no art. 121, § 2º, inc. IV, do Código Penal, e no art. 14 da Lei n. 10.826/2003, pelos seguintes fatos descritos na peça acusatória (Evento 178 - denúncia 1 e 2):

1° ato

Em data de 11 de setembro de 2011, por volta das 1:20h, na Rua Franz Volles n° 1291, Bairro Itoupava Central, nesta cidade de Blumenau/SC, o denunciado JEFERSON QUEIROZ, imbuído de manifesta intenção de matar, desferiu 4 (quatro) disparos de arma de fogo em direção à vítima Jean Alexandre Hillesheim, atingindo-a na mão esquerda e no tórax, causando-lhe a morte por Traumatismo Torácico Laudo de Exame Necroscópico (fls. 6/12).

O Denunciado, para efetuar os disparos contra a Vítima, surpreendeu-a, uma vez que se aproximou dela rapidamente, sem que esta pudesse esperar ser atingida, impedindo-lhe, assim, qualquer espécie de defesa

2° ato

Em data de 11 de setembro de 2011, no período noturno, no Bairro Itoupava Central, nesta cidade de Blumenau/SC, o denunciado JEFERSON QUEIROZ portou e trouxe consigo, no interior de seu veículo, 1 (um) revólver calibre .38, marca Taurus, com n° de série 1948074, devidamente municiado, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Devidamente processado, sobreveio decisão interlocutória mista não terminativa, pela qual o Juízo a quo admitiu a acusação e, então, pronunciou o réu JEFERSON QUEIROZ, dando como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inc. IV, do Código Penal, e no art. 14 da Lei n. 10.826/2003, para submetê-la a julgamento pelo Tribunal Popular (Evento 217).

Daí o inconformismo manifestado pela defesa.

Porém, não obstante os argumentos articulados, o recurso não comporta provimento, adiante-se.

Inicialmente, convém transcrever o disposto no "caput" e no parágrafo primeiro, do art. 413, do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Como se sabe, a pronúncia representa mero juízo de admissibilidade da acusação quando formada convicção sobre a materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, relegando a análise valorativa e aprofundada dos elementos de prova ao Tribunal do Juri - soberano por vontade constitucional (art. 5º, inc. XXXVIII, "d", da Constituição da República).

Nesse sentido é o escólio extraído da doutrina de Heráclito Antônio Mossin:

Para que o juiz pronuncie o acusado, basta que se convença da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes da autoria, ou da participação.

Um dos requisitos legais para que o juiz pronuncie o imputado é a constatação da materialidade do crime. Isso implica afirmar que a prova dos autos deve demonstrar o corpus delicti, que se eleva à categoria de prova ou de convicção quanto à existência do crime. [...]

Outro permissivo processual que permite ao magistrado determinar que o imputado seja submetido a julgamento pelo colegiado popular diz respeito aos indícios da autoria.

Como se observa, não há necessidade para efeito da pronúncia, que se tenha certeza da autoria, basta que haja pegadas, vestígios, que haja, enfim, a possibilidade ou probabilidade de a pessoa apontada ser a autora do crime doloso contra a vida, o que se constata do cotejo analítico das provas arrostadas aos autos por ocasião da instrução própria.

Conforme magistério provindo de Bento de Faria, por "indício se entenda toda e qualquer circunstância que tenha conexão com o fato mais ou menos incerto, de que se procura a prova; se ele pode resultar de um processo lógico de raciocínio, e que resultar evidenciado por esse processo, ainda que remoto, sendo suscetível de constituir motivo de suspeita, autoriza a pronúncia" (Júri: crimes e processo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 271 - sem destaque no texto original).

Em síntese, "se o juiz sumariamente estiver convencido da existência do crime e da presença de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve pronunciar o acusado, de maneira fundamentada. Há na pronúncia um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação...

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