Acórdão nº 0020884-12.2016.8.14.0006 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Penal, 25-09-2023

Data de Julgamento25 Setembro 2023
Órgão2ª Turma de Direito Penal
Year2023
Número do processo0020884-12.2016.8.14.0006
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoHomicídio Qualificado

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0020884-12.2016.8.14.0006

APELANTE: IEGO ALMEIDA DE MENDONCA

APELADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargadora VÂNIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA

EMENTA

APELAÇÃO PENAL – TRIBUNAL DO JÚRI – HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE, MEIO CRUEL E RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA – ART. 121, §2º, I, III E IV, DO CP – SENTENÇA CONDENATÓRIA - 1) DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS – IMPROCEDÊNCIA. Decisão que acolheu tese acusatória devidamente respaldada nas provas dos autos, consubstanciadas em documentos e depoimentos testemunhais colhidos durante a instrução criminal e no plenário do júri, razão pela qual não há que se falar em contrariedade à prova dos autos. Ademais, o Conselho de Sentença é livre na escolha, aceitação e valoração da prova, devendo sua decisão ser mantida em respeito ao Princípio Constitucional da Soberania dos Veredictos. Precedentes jurisprudenciais. – 2) REDIMENSIONAMENTO DA PENA BASE PARA O MÍNIMO LEGAL – IMPOSSIBILIDADE. Reavaliadas as circunstâncias judiciais, vê-se serem desfavoráveis ao ora apelante a culpabilidade (requintes de crueldade face a brutalidade do crime cometido com tortura, espancamento e nove perfurações, com o posterior depósito de seu corpo dentro de uma saca no lixão do Aurá), os antecedentes (por decisão condenatória transitada em julgado, nos autos do Proc. nº 0007826-05.2017.814.0006), bem como os motivos do crime (eis que os autos noticiam que o crime ocorreu em razão de vingança, pelo fato da vítima ter se apossado de entorpecentes do recorrente), razão pela qual se mostrou justa, proporcional e razoável a fixação da reprimenda base em 24 (vinte e quatro) anos de reclusão. Precedente jurisprudencial.3) RECURSO CONHECIDO E IMPROVIMENTO – DECISÃO UNÂNIME.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de Apelação interposto por IEGO ALMEIDA DE MENDONÇA, contra a sentença prolatada pelo MM. Juízo da Vara do Tribunal do Júri de Ananindeua, que, após decisão do júri popular, o condenou à pena de 23 (vinte e três) anos de reclusão, em regime fechado, pela prática delitiva prevista no art. 121, §2º, incisos I, III e IV, do Código Penal Brasileiro.

Nas razões recursais, requereu a defesa a anulação do julgamento feito pelo Conselho de Sentença e a realização de um novo júri, sob a alegação de ter sido a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. Subsidiariamente, pugnou pelo redimensionamento da pena base para o mínimo legal de 12 anos.

Em contrarrazões, o dominus litis rechaçou os argumentos defensivos, pugnando pelo improvimento do referido recurso, no que foi seguido, nesta instância superior, pelo 16º Procurador de Justiça Criminal.

É o relatório. À revisão, com sugestão de inclusão do feito em pauta de julgamento em plenário virtual.

VOTO

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço o recurso.

Em síntese, narra a denúncia, que, no dia 28 de setembro de 2016, durante o período da madrugada, na Estrada Vila Aurá, mais precisamente no local denominado Lixão do Aurá, Bairro das Águas Lindas, Município de Ananindeua, o recorrente, na companhia do nacional Ewerton Correia Maués, já falecido, fazendo uso de uma arma branca do tipo terçado e de um pedaço de madeira, torturou e ceifou a vida da vítima Cleyton Costa Carneiro.

Aduz que, no dia do fato delituoso, o ofendido, juntamente com duas pessoas denominadas vulgarmente de Estrelinha e Denison Cagueta, resolveu se apossar dos entorpecentes do recorrente, que é um conhecido traficante, que iniciou uma perseguição ao trio a fim de dar-lhes uma punição. Assevera que, Estrelinha e Denison Cagueta conseguiram escapar, porém a vítima foi contida pelo recorrente e Ewerton Correia Maués, os quais, após a amarrarem, torturaram-na e executaram-na.

Por fim, a exordial menciona que o recorrente negou a autoria do crime perante a autoridade policial e atribuiu a culpa a Ewerton Correia Maués e outra pessoa não identificada, afirmando, ainda, que soube do óbito do ofendido através de pessoas conhecidas.

O apelante foi incurso nas sanções punitivas do art. 121, §2º, I, III e IV, do CP (homicídio qualificado por motivo torpe, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima), sendo que, por ocasião da sessão de julgamento do Tribunal do Júri, o Conselho de Sentença, por maioria de votos, decidiu pela sua condenação. Ato contínuo, sobreveio sentença, contra a qual foi interposto o presente recurso defensivo, que passo a analisar detidamente.

1 - DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS.

Alegou o recorrente inexistir nos autos provas concretas da autoria delitiva do crime a ele imputado, pelo que requereu a anulação do julgamento feito pelo Conselho de Sentença e a realização de um novo júri.

Todavia, não lhe assiste razão, senão vejamos:

De início, anota-se que a hipótese de cabimento do recurso de apelação descrita na alínea d, inciso III, do art. 593, do Código de Processo Penal[1], deve ser interpretada como uma exceção, admissível somente quando não houver provas suficientes para sustentar a decisão dos jurados, ou seja, nos casos em que há evidente discrepância entre o que foi colhido nos autos e aquilo que foi decidido pelo Conselho de Sentença.

Em outras palavras, para que tal decisão seja cassada pelo juízo ad quem, a quem cabe tão somente verificar a conformidade da decisão dos jurados face os subsídios de convicção existentes nos autos, conforme entendimento jurisprudencial dominante no Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ)[2], é imprescindível que o Conselho de Sentença tenha se equivocado flagrantemente no julgamento, acolhendo tese que não encontra amparo em quaisquer das provas presentes nos autos.

Não é o que se verifica no caso em comento. Explico:

Como se observa da ata de julgamento, durante a fase dos debates, a defesa sustentou no plenário do júri as teses de negativa de autoria e absolvição por insuficiência de provas, sendo que, na quesitação, os jurados acolheram a tese acusatória, reconhecendo a materialidade (1º quesito) e coautoria delitiva do recorrente pelo crime de homicídio (2º quesito), bem como, via de consequência, o condenando (3º quesito) pelas qualificadoras dos incisos I (4º quesito), III (5º quesito) e IV (6º quesito) do art. 121, §2º, do CP.

Nessa perspectiva, vê-se constar nos autos provas do envolvimento do apelante no delito em questão, inclusive produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, no que concerne tanto à materialidade, mormente pelo relatório de levantamento de local de crime e diligências preliminares, declaração de óbito nº 232428654 (laudo nº 2016.01.002308-TAN (ID 7190455 - Págs. 1 a 2), atestando como causa mortis da vítima (07 – Quesitos e Respostas, primeiro, segundo, terceiro e quinto) “hipertensão intracraniana, devido traumatismo crânio-encefálico, devido feridas contusas pérfuroincisas e cortocontusas” causadas por “ação corto-contundente, pérfuro-cortante e contundente”, produzida por “meio cruel” e com “vestígios de tortura”, quanto à autoria, através da prova oral colhida durante a instrução criminal e na instrução plenária.

No plenário do júri, a testemunha Glauco do Nascimento, delegado de polícia civil encarregado do caso, asseverou:

Que presidiu o inquérito policial instaurado para apurar a morte da vítima, e relatou que foram acionados para um local de crime situado no lixão do Aurá, tendo detectado o corpo da vítima dentro de um saco grande, a qual estava com mãos e pés amarrados, olhos perfurados, camisa no pescoço, e várias lesões produzidas por arma branca – terçado. Afirmou que a vítima foi desovada naquele local, porém teria sido torturada e morta em outro local, sendo que houve dificuldade em encontrar testemunhas, pois é uma área dominada pelo tráfico de drogas, e muitas pessoas viram o corpo ser jogado ali, mas o medo impediu que elas formalizem as informações, e por isso, naquele momento, não sabiam que era o autor do crime. Esclareceu que ouviram primeiro os familiares da vítima (irmão e companheira da vítima), mas nenhum deles soube dizer quem havia sido o autor do delito, e apenas no decorrer das investigações conseguiram identificar o autor, tratando-se de Iego, vulgo “Beiço”, o qual não conhecia, e Ewerton, vulgo “Churrasco”, conhecido como comandante do tráfico de drogas naquela área, o qual foi morto posteriormente. Ressaltou que a vítima também tinha envolvimento com o tráfico, pois era usuário de drogas, e se apossou de uma quantidade de drogas de “Beiço” e “Churrasco”, tendo por isso sido morta. Explicou que, como “Beiço” foi preso, e “Churrasco” foi morto em um confronto, isso encorajou algumas pessoas da comunidade a colaborarem com a Polícia, principalmente a ex-companheira da vítima, Karen, que se propôs a assinar depoimento informando que os autores haviam sido Iego (“Beiço”), e “Churrasco”, e que a morte ocorreu por dívida do tráfico de drogas. Relatou que a comunidade toda sabia quem tinha executado a vítima, mas não falaram por medo, então desde o início sabiam que a morte envolvia o tráfico de drogas, e por esse motivo oferecem programa de proteção a testemunha para a ex-companheira da vítima, que recusou, pois iria se mudar. Afirmou que tiveram informações também de outras pessoas, não só da Karen, e sempre foi dito que os autores foram “Beiço” e “Churrasco”, e não outras pessoas, sendo que o irmão da vítima informalmente disse quem tinham sido os autores do crime, porém não quis assinar o papel. (...).

Ainda em instrução plenária, a testemunha Rogerio da Silva Brito, investigador de polícia, relatou:

Que participou de algumas diligências, e que se trata de uma área muito perigosa e temida, em razão de a criminalidade ser muito grande no local, de modo que as testemunhas da área temiam os criminosos, e a esposa e irmão da vítima não quiseram dar nenhuma informação....

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