Acórdão Nº 0021417-38.2021 do null, 14-12-2021

Número do processo0021417-38.2021
Data14 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemJoinville
Classe processualRecurso Administrativo
Tipo de documentoAcórdão


ACÓRDÃO



Recurso Administrativo n. 0021417-38.2021.8.24.0710



Relator: Des. Dinart Francisco Machado



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. 1º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE JOINVILLE/SC. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA SUSCITADA.



USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. VIA INADEQUADA PARA TRANSMISSÃO DO DOMÍNIO. AÇÃO DE USUCAPIÃO ANTERIOR QUE FOI JULGADA PROCEDENTE DIANTE DA COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DA POSSE COM ANIMUS DOMINI POR MAIS DE 20 (VINTE) ANOS. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. COISA JULGADA MATERIAL RECONHECIDA. IMPOSSIBILIDADE DE CONTABILIZAR O TEMPO DECORRIDO DURANTE O TRÃMITE DA AÇÃO ANTERIOR PARA IMPLEMENTO DO REQUISITO TEMPORAL. TEMPO QUE DEVE SER CONTABILIZADO A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO DAQUELA DEMANDA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE NÃO DEMONSTRA O ANIMUS DOMINI, TAMPOUCO O LAPSO TEMPORAL NECESSÁRIO PARA A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE, NOS TERMOS DO ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE DE TRANSMISSÃO DO DOMÍNIO POR MEIO DE ESCRITURA PÚBLICA, NOS MOLDES DO ART. 108 DO CÓDIGO CIVIL. DESPROVIMENTO



RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo n. 0021417-38.2021.8.24.0710, da 2ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Joinville, em que é recorrente M. Abuhab Participações S.A., sendo suscitante a Oficiala do 1º Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Joinville/SC.



O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso.



O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo Roesler, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Salim Schead dos Santos, João Henrique Blasi, Soraya Nunes Lins, Volnei Celso Tomazini, Roberto Lucas Pacheco, Carlos Adilson Silva, Hélio do Valle Pereira, Odson Cardoso Filho, Júlio César Machado Ferreira de Melo e José Agenor de Aragão.



Atuou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador Dr. Mario Luiz de Mello.



Florianópolis, de 13 de dezembro de 2021.



Dinart Francisco Machado



Relator



RELATÓRIO



Trata-se de recurso administrativo interposto por M. Abuhab Participações S.A. contra a decisão proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Joinville, que julgou procedente a Suscitação de Dúvida n. 0021417-38.2021.8.24.0710 apresentada pela Oficiala do 1º Ofício de Registro de Imóveis da mesma comarca.



Na suscitação de dúvida, a Registradora asseverou, em suma, que: a) a recorrente protocolou pedido de usucapião extrajudicial de imóvel matriculado sob o n. 167.681; b) a usucapião extrajudicial foi requerida na modalidade extraordinária, com redução de prazo para 10 (dez) anos, em razão de obras ou serviços realizados com caráter produtivo (art. 1.238, parágrafo único, do Código Civil); c) apresentou nota devolutiva, porquanto houve reconhecimento judicial de aquisição de propriedade em favor da pessoa jurídica TOTVS S.A., cujo registro foi realizado em 23-5-2019 (R.1 - matrícula n. 167.681; d) a documentação apresentada não comprova a posse do imóvel em nome da recorrente; e) a sentença declarou como adquirente originária a pessoa jurídica TOTVS S.A. e, em nenhum momento durante o trâmite processual, foi realizada a sucessão da parte autora para a M. Abuhab Participações S.A., apesar de solicitada pela TOTVS S.A.; f) que a propriedade deve ser regularizada por meio de transferência de escritura pública (art. 108 do Código Civil); e, g) segundo dispõe o art. 13, § 2º, do Provimento 65/2007, do CNJ, "[...] deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo o registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei". Por fim, requereu a declaração de impossibilidade de regularização da propriedade sem a apresentação de escritura pública ou, alternativamente, na hipótese de improcedência da dúvida e prosseguimento da usucapião extrajudicial, a apresentação dos documentos arrolados no petitório para que seja realizada a qualificação registral (doc. 5583920).



Devidamente notificada (doc. 5583920 - fl. 11), a suscitada apresentou impugnação, na qual argumentou, em síntese: a) que o exercício da posse sob o imóvel usucapiendo iniciou no ano 2004, quando adquiriu os imóveis confrontantes, ocasião em que começou a realizar obras de caráter produtivo no imóvel como um todo, estas corroboradas pela juntada de alvará de construção e certidão de conclusão de obra; b) que sempre foi responsável pelo pagamento dos tributos e demais encargos relacionados ao imóvel usucapiendo; c) que não houve compra e venda ou cessão de direitos envolvendo o imóvel usucapiendo, razão pela qual não pode atender à exigência da Sra. Registradora; d) que não houve intenção de burlar os requisitos legais do sistema registral e notarial de tributação decorrentes de transmissão imobiliária. Ao final, requereu a improcedência da dúvida suscitada, com o prosseguimento e a efetivação do registro da usucapião extraordinária (doc. 5606808).



Em seguida, ou autos foram encaminhados ao Ministério Público, que opinou pela procedência da dúvida (doc. 5617150).



Na sentença, o Magistrado julgou procedente a dúvida, concluindo que é "inequívoca a existência de relação de transmissão derivada entre a interessada/suscitada e a proprietária da área usucapienda, o que torna inadequada a via eleita para transferência da propriedade" (doc. 5655397).



Irresignada, a suscitada interpôs recurso administrativo de apelação, no qual alegou que: a) no ano de 2004 adquiriu imóveis confrontantes ao imóvel usucapiendo, registrados sob as matrículas n. 69.627. n. 26.071 e n. 1.705; b) nunca realizou ou formalizou contrato de compra e venda ou cessão de direitos da área usucapienda, pois havia sido destinada, pelos antigos possuidores, para abertura de via/rua; c) que sempre atuou com animus domini sobre a área, em razão de estar inserida entre os imóveis confrontantes adquiridos e ser considerada como um todo; d) desde a aquisição dos imóveis confrontantes, foi responsável pelo pagamento do IPTU e demais encargos relacionados ao imóvel objeto da usucapião; e) o imóvel usucapiendo deve ser tratado como aquisição originária, com o prosseguimento do procedimento extrajudicial, em razão da inexistência de justo título ou negócio jurídico realizado com o proprietário da área; e, f) a sentença que declarou a aquisição da propriedade por usucapião tem caráter declaratório, e não constitutivo, produzindo efeitos ex tunc, ou seja, "produz efeitos até quando preenchidos os requisitos necessários para a usucapião, termo este considerando mediante seu requerimento ou petição inicial", de modo que não impede um novo reconhecimento de usucapião, como o requerido extrajudicialmente. Por fim, requereu a reforma da sentença com a total improcedência da dúvida suscitada (doc. 5708235).



Intimada, a suscitante apresentou contrarrazões, reiterando seus argumentos iniciais (doc. 5823577).



Em 27-9-2021, o recurso foi a mim distribuído, na condição de integrante do colendo Conselho da Magistratura.



Encaminhados os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer a Exma. Sra. Dra. Monika Pabst, que opinou pelo desprovimento do recurso (doc. 5947724).



É o relatório.



VOTO



Conheço do recurso administrativo, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.



Trata-se de recurso administrativo interposto em face de decisão que julgou procedente a dúvida suscitada, impossibilitando o prosseguimento da usucapião extrajudicial, diante da existência de relação de transmissão derivada da propriedade entre a recorrente e a proprietária da área usucapienda.



Sustenta a recorrente que possou a exercer a posse sobre a área usucapienda a partir de 2004, quando adquiriu os imóveis confrontantes, atuando com animus domini sobre a área, por estar inserida entre os imóveis adquiridos. Por não ter formalizado contrato de compra e venda ou cessão de direitos, a área usucapienda deve ser tratada como aquisição originária, não existindo relação de transmissão derivada.



Razão não assiste à recorrente.



A usucapião é modo de aquisição originária da propriedade com o exercício da posse por um prolongado decurso de tempo, entre outros requisitos legais, prevista nos arts. 1.238 e 1.244 do Código Civil.



Nos ensinamentos de Flávio Tartuce, "a usucapião constitui uma situação de aquisição do domínio, ou mesmo de outro direito real (caso do usufruto ou da servidão), pela posse prolongada, permitindo a lei que uma determinada situação de fato alongada por certo intervalo de tempo se transforme em uma situação jurídica: a aquisição originária da propriedade (RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado..., 2006, p. 169-172). Pode-se afirmar que a usucapião garante a estabilidade da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se pode mais levantar dúvidas a respeito de ausência ou vícios do título de posse. De certo modo, a função social da propriedade acaba sendo atendida por meio da usucapião. (Tartuce, Flávio,Direito Civil: direito das coisas. 13. ed - Rio de Janeiro: Forense, 2021, pag. 224, grifei).



Na hipótese dos autos, a recorrente pleiteia a usucapião extraordinária, qualificada pela realização de obras de caráter produtivo, prevista no art. 1.238 do Código Civil, que dispõe:



Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de...

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