Acórdão Nº 0022862-08.2009.8.24.0033 do Primeira Câmara de Direito Civil, 22-10-2020

Número do processo0022862-08.2009.8.24.0033
Data22 Outubro 2020
Tribunal de OrigemItajaí
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0022862-08.2009.8.24.0033

Relator: Des. Gerson Cherem II

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. RECURSO DA RÉ.

1) CONTRARRAZÕES.

PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO POR PERDA DE OBJETO. INTENTO ALCANÇADO ADMINISTRATIVAMENTE PELA AUTORA. REJEIÇÃO. INTERESSE QUE REMANESCE EM VIRTUDE DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS EM DESFAVOR DA APELANTE.

2) RECLAMO DA DEMANDADA.

OBRIGAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO PERANTE O DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO QUE RECAI, EM REGRA, AO COMPRADOR. EXEGESE DO ARTIGO 123, I, E § 1º, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. NÃO ENTREGA DO CERTIFICADO DE REGISTRO DE VEÍCULO PELA REVENDEDORA. IMPOSSIBILIDADE DA TRANSFERÊNCIA NO DETRAN. VIOLAÇÃO AO ART. 124, I, CTB. AVENTADA CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA, DIANTE DA EXISTÊNCIA DE REGISTRO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA SOBRE O VEÍCULO EM SEU NOME. FALTA DE PROVAS DE QUE O GRAVAME INVIABILIZOU A APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS. ÔNUS DA RÉ EM DEMONSTRAR FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DA AUTORA. INTELIGÊNCIA DO ART. 333, II, DO CPC/73 (ART. 373, II, DO CPC/15).

"'[...] A obrigação do vendedor é de entregar ao comprador o documento único de transferência (DUT) preenchido em nome do adquirente, devidamente assinado e com firma reconhecida perante o cartório, cabendo ao comprador as providências administrativas para efetivação da regularização da alteração de titularidade. [...]' (TJSP - Apelação Cível n. 1000438-88.2015.8.26.0614, Trigésima Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Gilberto Leme. Data do julgamento: 20.02.2017)." (AC n. 0001798-58.2009.8.24.0059, relª. Desª. Bettina Maria Maresch de Moura, j. em 15.05.2017).

3) HONORÁRIOS RECURSAIS DESCABIDOS. SENTENÇA PROFERIDA NA VIGÊNCIA DO CPC/73.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0022862-08.2009.8.24.0033, da comarca de Itajaí 1ª Vara Cível em que é Apelante Rosa Car Veículos e Apelado Vanessa Regina Mandel.

A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas pela apelante.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido por este Relator, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Raulino Jacó Brüning e o Exmo. Sr. Des. Saul Steil.

Florianópolis, 22 de outubro de 2020.

Gerson Cherem II

PRESIDENTE E RELATOR


RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Rosa Car Veículos, irresignada com a sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Itajaí que, nos autos da ação cominatória aforada por Vanessa Regina Mandel, julgou procedentes os pleitos iniciais, nos seguintes termos (fl. 151):

Ante o exposto, com fulcro no art. 269, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na ação cominatória c/c perdas e danos ajuizada por Vanessa Regina Mandel em face de Rosa Car Veículos Ltda. para condenar a ré a obrigação de fazer, consistente em proceder, no prazo de 30 dias, a transferência administrativa da titularidade do veículo em favor da autora, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais). Subsidiariamente, caso se torne impossível o cumprimento da obrigação, resolvo-a e condeno a requerida a indenização de perdas e danos, cujo valor deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença.

Outrossim, confirmo a tutela antecipada a fim de que o DETRAN autorizasse a parte autora a proceder o licenciamento anual do veículo.

Por fim, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), com base no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

A demandada argumentou no apelo, em síntese, a culpa exclusiva da autora, porquanto a transferência ficara impossibilitada pela existência de gravame sobre o veículo registrado em seu nome (fls. 159/162).

Nas contrarrazões, foi lançada preliminar de não conhecimento do recurso, diante da perda do objeto (fls. 173/176), ascendendo os autos a este Sodalício.

Intimada acerca da suposta perda de objeto, a ré deixou transcorrer in albis o prazo para manifestar-se (fl. 07 dos autos físicos).

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos legais, conhece-se do recurso.

De plano, mister destacar que, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei n. 5.869/73, segundo o art. 1.046, do CPC.

Todavia, o referido regramento estatui no art. 14: "A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada."

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery prelecionam:

Regra geral: irretroatividade da lei. Independentemente do sistema jurídico adotado pelo Estado soberano, a regra geral que vigora sobre vigência da lei é a irretroatividade da lei nova. A retroatividade é exceção e como tal tem que ser tratada, com interpretação e aplicação restritivas. Dizemos independentemente do sistema jurídico que se examina porque há Estados como o Brasil, que têm em sua Constituição a regra geral da irretroatividade; outros a têm em sua legislação infraconstitucional. A CF 5º XXVI diz que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Lei está no texto constitucional em sentido amplo, significando que nem a lei abstratamente considerada (CF, Emenda Constitucional, lei ordinária), tampouco a lei para o caso concreto (sentença judicial transitada em julgada) pode atuar para prejudicar situações já consolidadas. (Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 227).

Assim, tratando-se a sentença de ato jurídico perfeito, pois publicada em 06.11.2015 (fl. 152), afasta-se a aplicabilidade do novo CPC.

1) Da preliminar nas contrarrazões - da perda de objeto:

A demandante alega que (fl. 175) "o recurso apresentado pela apelante perde até mesmo o objeto, uma vez que a discussão dos autos se resolve tão somente com relação à posse do certificado para transferência do citado veículo, e tal situação acabou sendo resolvido de outra forma diretamente pela apelada. Assim, pugna desde logo pelo não conhecimento do recurso de apelação interposto pela requerida/apelante [...]".

Sem razão, contudo.

Nada obstante o pleito inicial de transferência do veículo ter sido resolvido administrativamente pela autora, remanesce o interesse recursal da ré em virtude da possibilidade, em tese, de alteração dos ônus da sucumbência em caso de provimento do apelo.

Em outras palavras, se restar reconhecida a culpa exclusiva da autora, como alega a ré, a pretensão inicial seria improcedente, devendo a recorrida arcar com a integralidade dos encargos sucumbenciais. Tudo em observância ao princípio da causalidade.

Nesse sentido:

"'[...] com fundamento no princípio da causalidade, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento dos honorários advocatícios. Precedentes: REsp. 1.245.299/RJ; AgRg. no Ag. 1.191.616/MG; REsp. 1.095.849/AL; AgRg. no REsp. n. 905.740/RJ)' (AgRg. no AREsp. n. 14.383/MG, rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 30-9-2011)" (AgRg. no AREsp. n. 136.345/RJ, Primeira Turma, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 14-5-2012)' (TJSC, Apelação Cível n. 0001940-27.2006.8.24.0040, de Laguna, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. 13-08-2019)." (AC n. 0301322-49.2018.8.24.0020, relª. Desª. Sônia Maria Schmitz, j. em 20.02.2020).

Saliente-se, ademais, que a ré foi intimada para manifestar-se acerca da suposta perda de objeto, mantendo-se silente (fl. 07 dos autos físicos), presumindo-se o interesse no prosseguimento do inconformismo.

Assim, desmerece albergue o pleito de não conhecimento do recurso.

2) Da apelação:

Sustenta a recorrente a culpa exclusiva da autora, porquanto a transferência do veículo restou impossibilitada em virtude da existência de alienação fiduciária perante a BV Financeira em seu nome.

A pretensão desmerece albergue.

Na hipótese, restou incontroverso que, no dia 23.08.2008, a postulante adquiriu da ré o veículo Ford Fiesta, placas MCT 2206, Renavan n. 834938774, sendo que a demandada não apresentou o documento necessário à transferência do bem no Detran.

Reza o Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:

I - for transferida a propriedade;

[...]

§ 1º No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas.

Art. 124. Para a expedição do novo Certificado de Registro de Veículo serão exigidos os seguintes documentos:

I - Certificado de Registro de Veículo anterior;

II - Certificado de Licenciamento Anual;

III - comprovante de transferência de propriedade, quando for o caso, conforme modelo e normas estabelecidas pelo CONTRAN;

IV - Certificado de Segurança Veicular e de emissão de poluentes e ruído, quando houver adaptação ou alteração de características do veículo;

V - comprovante de procedência e justificativa da propriedade dos componentes e agregados adaptados ou montados no veículo, quando houver alteração das características originais de fábrica;

VI - autorização do Ministério das Relações Exteriores, no caso de veículo da categoria de missões diplomáticas, de repartições consulares de carreira, de representações de organismos internacionais e de seus integrantes;

VII - certidão negativa de roubo ou furto de veículo, expedida no Município do registro anterior, que poderá ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT