Acórdão Nº 0026233-57.2012.8.24.0038 do Segunda Câmara de Direito Público, 03-11-2020

Número do processo0026233-57.2012.8.24.0038
Data03 Novembro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível n. 0026233-57.2012.8.24.0038

Apelação Cível n. 0026233-57.2012.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE PROPOSTA PELO MUNICÍPIO DE JOINVILLE. BEM PÚBLICO OCUPADO POR PARTICULAR. PROVA ROBUSTA DA PROPRIEDADE POR PARTE DA MUNICIPALIDADE. BEM INSUSCETÍVEL DE USUCAPIÃO (ART. 183, § 3º, DA CF E ART. 102 DO CC). REINTEGRAÇÃO INEVITÁVEL. INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS. IMPOSSIBILIDADE. POSSE IRREGULAR DA ÁREA. SITUAÇÃO QUE CARACTERIZA MERA DETENÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS À TÍTULO DE IMPOSTO PREDIAL TERRITORIAL URBANO (IPTU). POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO EM FAVOR DO REQUERENTE. RECURSO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO ADESIVO DA PARTE RÉ DESPROVIDO

"Mesmo que o interessado tenha a posse de bem público pelo tempo necessário à aquisição do bem por usucapião, tal como estabelecido no direito privado, não nascerá para ele o direito de propriedade, porque a posse não terá idoneidade de converter-se em domínio pela impossibilidade jurídica do usucapião." (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, RJ: Lúmen Juris, 2008, p. 1011).

"Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo de se reconhecer a posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção.

Se o direito de retenção ou de indenização pelas acessões realizadas depende da configuração da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daqueles direitos, do que resulta na inexistência do dever de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias" (Resp 863939/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 24/11/2008).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0026233-57.2012.8.24.0038, da comarca de Joinville (1ª Vara da Fazenda Pública) em que é Apelante Recorrido Adesivos Nivaldo Nunes e Apelado Recorrente Adesivos Município de Joinville.

A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, dar parcial provimento ao recurso do Município para afastar a condenação indenizatória sobre as benfeitorias, negar provimento ao recurso da parte ré, e fixar os honorários advocatícios em favor da parte autora em 20% sobre o valor atualizado da causa, atribuição suspensa devido a gratuidade da justiça deferida na origem. Custas na forma da lei.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Francisco Oliveira Neto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Cid Goulart e Carlos Adilson Silva.

Funcionou como Representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Doutor Américo Bigaton.

Florianópolis, 3 de novembro de 2020.

Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível e recurso adesivo interposto pelo Município de Joinville e por Nivaldo Nunes, respectivamente, contra a sentença que, nos autos da ação de reintegração de posse ajuizada pelo primeiro em face do segundo, assim decidiu:

Julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelo Município de Joinville contra Nivaldo Nunes para reintegrar o autor na posse do bem imóvel descrito na inicial. Por outro lado, nos termos do art. 556, CPC, reconheço ao requerido o direito a ser indenizado em R$ 40.000,00 (fl. 206), pelas benfeitorias e construções realizadas no local. O valor deverá será atualizado, pelos índices da CGJ/SC, desde 10.05.2018 (data da elaboração do laudo pericial). Realizado o pagamento, concedo ao réu o prazo de 60 (sessenta) dias para desocupação, sob pena de cumprimento compulsório da medida. Por fim, condeno o autor ao pagamento dos valores pagos, pelo requerido, a título de IPTU, observando-se o prazo prescricional e também os índices de correção e juros que a fazenda municipal utiliza para a cobrança de seu crédito tributário (fls. 273 - 275).

Sustenta a Municipalidade que é legítima proprietária do imóvel ocupado parcialmente pelo réu, que possui mera detenção sobre bem, de modo que não há falar em posse.

Assevera que a parte ré não tem direito ao reconhecimento do domínio, nem mesmo de indenização pelas benfeitorias construídas irregularmente na área, ao argumento de que a detenção precária não dá direito à retenção.

Aduz que o fato de haver cobrança do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) pela área, não descaracteriza seu caráter público, da mesma forma que não pode ser considerado como reconhecimento da propriedade pelo réu.

Requer, nestes termos, seja dado provimento ao recurso para afastar a condenação ao pagamento da indenização imposta, assim como pela devolução dos valores já pagos a título de IPTU (fls. 279 - 293).

Por sua vez, em seu recurso adesivo, a parte ré sustenta que detém a posse do imóvel, objeto destes autos, desde fevereiro de 1997, sendo que o adquiriu de forma onerosa do então possuidor e lhe deu "função social".

Alega que a Municipalidade autora deu "permissão tácita" para que exercesse posse sobre a área, pois sempre teve ciência de que a parte ré e sua família ocupavam a área e, inclusive, cobravam imposto sobre a propriedade.

Aponta que o valor indenizatório sobre as benfeitorias existentes no imóvel, deve ser majorado, considerando seu valor atual de mercado.

Requer, assim, seja dado provimento ao recurso para julgar totalmente improcedente a ação de reintegração de posse ou, subsidiariamente, seja aumentado o quantum indenizatório pelas benfeitorias, considerando seu valor de mercado (fls. 308 - 324).

Contrarrazões apresentadas pelo réu às fls. 297 - 307 e pelo autor às fls. 325 - 336.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer exarado pela Exma. Sra. Dra. Monika Pabst, manifestou-se no sentido de que: "(i) Seja o pedido de habilitação de Angela Dulovino indeferido liminarmente; (ii) Seja o recurso de apelação do Município de Joinville conhecido e parcialmente provido, afastando o direito à indenização de benfeitorias, mas mantendo o dever de restituição dos valores indevidamente pagos a título de IPTU e taxa de coleta de lixo urbano; (iii) Seja o recurso adesivo do réu desprovido em seu pedido principal, restando prejudicada a análise do pedido subsidiário de majoração da indenização pelas benfeitorias" (fls. 350 - 358).

Este é o relatório.


VOTO

Inicialmente, ressalta-se que os recursos serão analisados de forma conjunta, pois insurgem-se contra pontos em comum sobre o mérito da demanda.

Parte-se do ponto que incontroversa a propriedade do imóvel pelo Município de Joinville, conforme se extrai do laudo pericial:

Após a realização dos trabalhos podemos afirmar que o Sr. Nivaldo Nunes encontra-se sobre a área que consta na transcrição n. 43.006 do 1º Registro de Imóveis de Joinville de propriedade do Município de Joinville (fl. 245).

Nesse contexto, quanto à reintegração de posse, cediço que os imóveis públicos são insuscetíveis de usucapião (art. 183, § 3º, da CF e art. 102 do CC). "Desse modo, mesmo que o interessado tenha a posse de bem público pelo tempo necessário à aquisição do bem por usucapião, tal como estabelecido no direito privado, não nascerá para ele o direito de propriedade, porque a posse não terá idoneidade de converter-se em domínio pela impossibilidade jurídica do usucapião." (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, RJ: Lúmen Juris, 2008, p. 1011).

Diga-se também, desde logo, que o fato de o Município nunca ter reivindicado o imóvel, nem se oposto à posse da parte autora, não possibilita a declaração de propriedade com base na prescrição aquisitiva. Os bens públicos são imprescritíveis enquanto preservarem essa condição.

Conforme leciona Hely Lopes Meirelles:

A imprescritibilidade dos bens públicos decorre como consequência lógica de sua inalienabilidade originária. E é fácil demonstrar a assertiva: se os bens púbicos são originariamente inalienáveis, segue-se que ninguém os pode adquirir enquanto guardarem essa condição. Dai não ser possível a invocação de usucapião sobre eles. É princípio jurídico, de aceitação universal, que não há direito contra Direito, ou, por outras palavras, não se adquire direito em desconformidade com o Direito (Direito Administrativo Brasileiro, SP: Malheiros, 2004, p. 517).

Da mesma forma, não induz o usucapião o fato de o Município não ter dado nenhuma destinação social ao terreno, objeto deste litígio.

Sobre o tema, valiosa é a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

É verdade que há entendimento no sentido de que é vedado o usucapião apenas sobre bens materialmente públicos, assim considerados aqueles em que esteja sendo exercida atividade estatal, e isso porque somente esses estariam cumprindo função social. Dissentimos, concessia venia, de tal pensamento, e por mais de uma razão: a uma, porque nem a Constituição nem a lei civil distinguem a respeito da função executada nos bens públicos e, a duas, porque o entendimento, ou não, à função social somente pode ser constatada em se tratando de bens privados; bens públicos á presumidamente...

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