Acórdão Nº 0027314-97.2013.8.24.0008 do Sexta Câmara de Direito Civil, 20-10-2020

Número do processo0027314-97.2013.8.24.0008
Data20 Outubro 2020
Tribunal de OrigemBlumenau
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0027314-97.2013.8.24.0008, de Blumenau

Relator: Desembargador André Luiz Dacol

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

RECURSO DA PARTE RÉ. ADMISSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO CDC. INSURGÊNCIA QUANTO À INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. TEMAS ABORDADOS POR DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DO JUÍZO A QUO QUE DEFERIU O PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO, COM BASE NA LEI CONSUMERISTA. AUSÊNCIA DE RECURSO A RESPEITO. PRECLUSÃO VERIFICADA. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO.

PRELIMINAR. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. ASSERÇÃO DE FALTA DE DOCUMENTOS NECESSÁRIOS PARA A REALIZAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO REGISTRADO EM NOME DA AUTORA PERANTE O ÓRGÃO DE TRÂNSITO COMPETENTE. VEÍCULO ADQUIRIDO POR TERCEIRO VIA LEILÃO EXTRAJUDICIAL. INACOLHIMENTO. DEVER QUE INCUMBE À PARTE RÉ. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE NEGATIVA PELO DETRAN.

MÉRITO. OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSUBSTANCIADA NA TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DE VEÍCULO REGISTRADO EM NOME DA AUTORA JUNTO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO COMPETENTE. CONDENAÇÃO DA PARTE RÉ PARA QUE PROCEDA A REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE DA MOTOCICLETA, TRANSFERINDO PARA O SEU NOME OU DE TERCEIRO. INCIDÊNCIA DO ART. 123 §1º, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. CONTRATO DE ENTREGA AMIGÁVEL DE VEÍCULO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA ENTABULADO ENTRE AS PARTES. TRANSMISSÃO DO BEM OCORRIDA COM A TRADIÇÃO. NEGLIGÊNCIA DA PARTE RÉ EM PROMOVER A TRANSFERÊNCIA DA MOTOCICLETA PERANTE O DETRAN VERIFICADA. ATO ILÍCITO CARACTERIZADO. DANO CONFIGURADO. NEXO CAUSAL EVIDENCIADO. REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRESENTES.

DANO MORAL. REGISTRO DE PROPRIEDADE DE MOTOCICLETA EM NOME DA DEMANDANTE QUE PERSISTE EM VIRTUDE DA CONDUTA DESIDIOSA DA DEMANDADA. SITUAÇÃO QUE PERDURA HÁ MAIS DE 13 (TREZE) ANOS, DESDE A ENTREGA DO BEM À PARTE REQUERIDA. AUTORA QUE TENTOU RESOLVER EXTRAJUDICIALMENTE A SITUAÇÃO PERANTE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ, CONTUDO, SEM SUCESSO. DOSSIÊ CONSOLIDADO DO BEM QUE APONTA VÁRIOS REGISTROS DE DÉBITOS POSTERIORES A TRANSMISSÃO DA MOTOCICLETA À PARTE DEMANDADA. SITUAÇÃO QUE EXTRAPOLA O MERO ABORRECIMENTO. ABALO À HONRA CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO.

QUANTUM INDENIZATÓRIO. PRETENDIDA MINORAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. VALOR ARBITRADO DE ACORDO COM AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. NÃO ACOLHIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO ANTE A AUSÊNCIA DE RECURSO DA PARTE AUTORA. PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS.

PRETENDIDA MODIFICAÇÃO DO MARCO INICIAL DOS JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA A PARTIR DO EVENTO DANOSO (SÚMULA 54 DO STJ). CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE O ARBITRAMENTO. SÚMULA 362 DO STJ.

ALMEJADO AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DAS ASTREINTES. INSUBSISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO. SENTENÇA QUE ARBITROU MULTA NÃO DIÁRIA NO MONTANTE DE R$ 20.000,00. MULTA DE CARÁTER COERCITIVO QUE TEM COMO OBJETIVO IMPOR O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO IMPOSTA. EXORBITÂNCIA RECONHECIDA. DEVIDA A FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA, EM CASO DE DESCUMPRIMENTO, COM LIMITAÇÃO DO TOTAL DAS ASTREINTES, QUE DEVE SER PROPORCIONAL AO OBJETO DA AÇÃO PRINCIPAL. INTELIGÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. REDUÇÃO DEVIDA.

RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0027314-97.2013.8.24.0008, da comarca de Blumenau 4ª Vara Cível em que é Apelante Banco Pan S/A e Apelado Daiana Deschamps.

A Sexta Câmara de Direito Civil decidiu, em sessão extraordinária virtual, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento.

Presidiu o julgamento, realizado nesta data, a Exma. Sra. Desa. Denise Volpato, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. André Carvalho.

Florianópolis, 20 de outubro de 2020.

Desembargador André Luiz Dacol

Relator


RELATÓRIO

Em atenção aos princípios da celeridade e economia processuais, adota-se o relatório da sentença, transcrito na íntegra, por refletir com fidelidade o trâmite processual na origem:

Trata-se de ação com a qual a parte autora pretende compelir o réu a promover a transferência da motocicleta HONDA/CG TITAN 125 KS, placa MBU6709 para o seu nome ou de terceiro e indenização por dano moral ao argumento de que efetuou a entrega amigável do bem ao credor fiduciário, ocorrendo a venda para terceiro por meio de leilão, todavia, a alteração da propriedade não se efetivou, o que vem lhe causando prejuízos.

Às fls. 19/20, foi concedida tutela de urgência. Houve recurso da decisão, o qual não foi provido (fls. 129/135).

Citado, o réu apresentou resposta sob a forma de contestação, sustentando a impossibilidade de cumprir com a obrigação atribuída, tendo em vista que, por força das normas expostas no edital de leilão, bem como de dívidas relacionadas ao bem, a responsabilidade pela transferência é do arrematante. No mais, defendeu a licitude da conduta e a ausência do dever de indenizar.

Com a réplica e sucessivas manifestações do requerido, com pedido de expedição de ofício ao DETRAN para transferência do bem inclusive, os autos vieram conclusos.

A sentença, lavrada às fls. 216-220, decidiu da seguinte forma:

Ante o exposto, julgo procedente o pedido (CPC, art. 487, I), para determinar que o requerido, no prazo de 30(trinta) dias, regularize a propriedade da motocicleta HONDA CG 125 TITAN KS, placa MBU6709 junto ao órgão de trânsito, transferindo a titularidade para o seu nome ou de terceiro, sob pena de multa (não diária) de R$20.000,00 (vinte mil reais) e condenar a ré ao pagamento, em benefício da requerente, de R$8.000,00 (oito mil reais) a título de indenização por danos morais, com correção monetária (INPC) a partir da assinatura desta decisão e juros de mora (1% ao mês) desde a data do evento danoso (30.4.2007, trinta dias da data do desapossamento do bem).

Confirmo a tutela de urgência que determinou a regularização da propriedade da motocicleta (fls. 19/20).

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários de advogado, estes que fixo em 10% sobre o valor da condenação, atenta ao disposto no art. 85, §2º, do CPC, mormente aos fatos de não ter havido audiência, de a demanda envolver módica complexidade e de a entrega da prestação jurisdicional ter se dado de forma antecipada.

Opostos embargos de declaração pela parte demandada, estes foram rejeitados (fls. 240-241).

Inconformada, a parte ré apelou (fls. 244-264). Preliminarmente, aventou a impossibilidade de cumprimento da determinação judicial de transferência de propriedade do veículo discutido da demanda, que ainda se encontra em nome da autora, porquanto "somente será perfectibilizada com a apresentação dos documentos, em vias originais exigidos pelo DETRAN, os quais não se encontram em posse do banco réu" (fl. 246). Nesse viés, alegou que não possui o termo de entrega amigável autenticado, sendo que tal documento não foi aceito pelo DETRAN. Assim, defendeu que a competência para efetivação da transferência de propriedade do veículo é do órgão administrativo.

Insurgiu-se contra a fixação de multa no valor R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em caso de descumprimento da ordem judicial, asseverando que a sua manutenção acarretaria enriquecimento ilícito. Ainda, aduziu a necessidade de minoração do quantum da multa.

Além disso, sustentou a impossibilidade de inversão do ônus probatório, enunciando que a relação existente entre as partes é civil e não de consumo. Nesse rumo, alegou que o ônus da prova cabia à parte autora, que, por sua vez, não demonstrou a existência de ato ilícito, e diante da ausência dos requisitos caracterizadores da responsabilidade civil, não há se falar na pretendida indenização.

Quanto aos danos morais, postula a exclusão da condenação, falando em mero dissabor. Contudo, caso não seja esse o entendimento, requer a minoração do quantum indenizatório. Ainda, pretende a alteração do termo inicial de incidência dos juros legais, sob o argumento de que deve incidir a partir da data da citação.

Ao fim, requereu o provimento do recurso, com a reforma da sentença vergastada, a fim de que sejam julgados improcedentes os pleitos exordiais, com o afastamento da indenização pelo abalo anímico. Subsidiariamente, pugnou pela minoração do quantum indenizatório, sob o argumento de que o valor da compensação estabelecida mostrou-se excessivo, bem como pretende a alteração do termo inicial de incidência dos juros legais, defendendo que deve incidir a partir da data da citação. Além disso, requereu o afastamento da multa cominatória, bem como a minoração do quantum arbitrado. Ainda, pugnou que a parte contrária seja condenada ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais.

Contrarrazões às fls. 282-287.

Por decisão monocrática (fls. 296-298), o Exmo. Des. Cláudio Barreto Dutra determinou a redistribuição do processo para uma das Câmaras de Direito Civil.

Em despacho de fl. 302, determinei a regularização da representação processual pela parte apelada, o que restou prontamente cumprido às fls. 304-305.

Vieram os autos conclusos.

Esse é o relatório.


VOTO

1. O conhecimento de um recurso demanda a conjugação dos diversos requisitos de admissibilidade (intrínsecos: cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer; e extrínsecos: regularidade formal, tempestividade), previstos na lei, de forma implícita ou explícita.

Como visto por intermédio do relatório, a parte recorrente arguiu a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto, bem como insurgiu-se em relação à inversão do ônus probatório. Todavia, a questão da incidência da legislação consumerista, com a consequente inversão do ônus da prova, foi decidida no interlocutório de fls. 74-75, sem que dela tenha a parte demandada...

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