Acórdão Nº 0028075-19.2005.8.24.0038 do Terceira Câmara Criminal, 13-10-2020

Número do processo0028075-19.2005.8.24.0038
Data13 Outubro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0028075-19.2005.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann

Apelação Criminal. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA EM RAZÃO DO OFÍCIO/PROFISSÃO (ART. 168, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA .

PRELIMINARES. 1. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. FATOS ANTERIORES AO ADVENTO DA LEI N. 12.234/2010. TODAVIA, PRAZO TRANSCORRIDO ENTRE A DATA DOS FATOS E O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA INFERIOR A QUATRO ANOS, EX VI DO ART. 109, V, DO CP. IGUALMENTE, PRAZO PRESCRICIONAL (QUATRO ANOS) NÃO DECORRIDO ENTRE O RECEBIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA E A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA, DESCONTADO O PERÍODO DE SUSPENSÃO. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. 2. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE DEFENSOR NO INTERROGATÓRIO POLICIAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E INVESTIGATÓRIO PARA COLHEITA DE INFORMAÇÕES. DISPENSABILIDADE DA OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. ADEMAIS, DEFENSOR PRESENTE EM TODOS OS ATOS PROCESSUAIS. PREFACIAL AFASTADA.

MÉRITO. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA EVIDENCIADAS. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DO ACUSADO COM CALÇO NA PROVA JUDICIALIZADA. DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS UNÍSSONOS E COERENTES ENTRE SI, AMPARADOS PELA PROVA DOCUMENTAL, DANDO CONTA QUE O RECORRENTE, APROVEITANDO-SE DA FUNÇÃO DE GERENTE DO ESTABELECIMENTO ALVO, APROPRIOU-SE DE VALORES DO CAIXA, PROVENIENTES DE PAGAMENTOS DE FATURAS DE LUZ E DE ÁGUA, SUBSTITUINDO O MONTANTE APROPRIADO POR CHEQUES DE SUA TITULARIDADE, DEVOLVIDOS POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. CONDUTA DOLOSA DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA EVIDENCIADA. CONDENAÇÃO MANTIDA.

DOSIMETRIA. DE OFÍCIO, RECONHECIMENTO DA ATENUANTE PREVISTA NO ART. 65, II, "D", DO CP. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL VALORADA PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO. SÚMULA 545 DO STJ. CONTUDO, PENA QUE PERMANECE INALTERADA. OBSERVÂNCIA DA SÚMULA N. 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRETENSO AFASTAMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. SEIS CÁRTULAS ACOSTADAS AOS AUTOS, EVIDENCIANDO A PRÁTICA DELITIVA POR PELO MENOS SEIS VEZES. FRAÇÃO DE UM MEIO ADEQUADA. MANUTENÇÃO.

"A majoração da pena decorrente do número de crimes em sede de continuidade delitiva há de observar a seguinte ordem de aumento: um sexto pela prática de duas infrações, um quinto para três, um quarto a quatro, um terço para cinco, um meio para seis e dois terços para sete ou mais" (TJSC, Apelação Criminal n. 0020257-30.2016.8.24.0038, de Joinville, rel. Luiz Cesar Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 05-03-2020).

PENA DE MULTA. DE OFÍCIO, AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DO ART. 72 DO CÓDIGO PENAL. ENTENDIMENTO DA CÂMARA DE QUE O DISPOSITIVO TEM INCIDÊNCIA APENAS AOS CASOS DE CONCURSO MATERIAL E FORMAL DE CRIMES. AUMENTO NA MESMA FRAÇÃO POR FORÇA DO RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA CONCEDIDA. QUANTUM AJUSTADO, GUARDANDO SIMILITUDE COM A PENA CORPÓREA.

RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0028075-19.2005.8.24.0038, da comarca de Joinville (4ª Vara Criminal) em que é Apelante Sandro Flach e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e, afastadas as preliminares, negar-lhe provimento e, de ofício, reconhecer a atenuante da confissão espontânea, sem alteração na pena, bem como readequar o quantum da pena de multa. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 13 de outubro de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Júlio César M. Ferreira de Melo e Getúlio Corrêa. Atuou pelo Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça Francisco Bissoli Filho.

Florianópolis, 15 de outubro de 2020

Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann

Relator


RELATÓRIO

Na comarca de Joinville, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Sandro Flach, dando-o como incurso nas sanções do artigo 168, §1º, III, do Código Penal, em continuidade delitiva, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:

O denunciado, gerente da Drogaria e Farmácia Catarinense - Filial XV de Novembro, situada na Rua XV de Novembro, nº 503, Centro, neste Município, atividade que importava na responsabilidade de checagem do fechamento do caixa geral e na recepção dos valores recebidos em sua unidade-filial, durante os meses de abril e maio do ano de 2003, em horários diversos, se apropriou indevidamente da quantia de R$ 31.389,39 (trinta e um mil, trezentos e oitenta e nova reais e trinta e nove centavos), da qual tinha posse em razão de seu emprego, sendo que em algumas ocasiões substituiu parte do valor apropriado por cheques de sua titularidade, todos devolvidos por insuficiência de fundos (post factum não punível) (p. 61-62).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado às penas de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 78 dias-multa, em seu mínimo legal, por infração ao disposto no art. 168, § 1º, III, do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, a saber, prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Foi-lhe concedido o direito de apelar em liberdade (p. 225-228).

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual pleiteou a absolvição do acusado, sustentando, em suma, a insuficiência probatória, bem como alegou cerceamento de defesa, uma vez que o interrogatório extrajudicial se deu na ausência de defensor, assim, por entender ser constitucionalmente ilegal, pugna pelo seu afastamento. Subsidiariamente, também requereu o afastamento da continuidade delitiva ou, alternativamente, a aplicação da fração de aumento no patamar de 1/6 (um sexto). Por fim, por ser a pena inferior a 2 (dois) anos, pleiteia o reconhecimento da prescrição, nos termos do art. 109, V, do CP (p. 237-246).

Juntadas as contrarrazões (p. 255-264), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Carlos Henrique Fernandes, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (p. 274-282).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou o acusado às sanções previstas no art. 168, § 1º, III, Código Penal.

O apelo é de ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Das preliminares

1 - Prescrição

A defesa pugna pelo reconhecimento da prescrição, considerando que a pena aplicada ao acusado é inferior a dois anos.

Pois bem.

É cediço que com a prática da infração criminal nasce para o Estado o direito de punir o infrator. No entanto, essa reprimenda não pode ser aplicada a qualquer tempo, impondo a lei a observância de determinados prazos, que, se não respeitados, resultam na prescrição da pretensão punitiva e, por consequência, na extinção da punibilidade do acusado.

Em regra, para o cômputo do prazo prescricional, considera-se o máximo de pena privativa de liberdade em abstrato cominado ao delito e, a partir daí, observa-se o lapso temporal previsto nos incisos enumerados no art. 109 do Código Penal.

No entanto, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para a acusação, conforme se apura no caso em tela, a pena imposta não pode mais ser agravada, em razão da proibição, pelo ordenamento jurídico pátrio, da reformatio in pejus. Nesse caso, tem-se certeza da pena máxima cominada, não se utilizando mais a pena em abstrato, mas a reprimenda em concreto.

Dito isso, frisa-se que os fatos ocorreram em 2003, ou seja, antes da vigência da Lei n. 12.234/2010, que vedou a utilização da pena em concreto para a regulação do prazo prescricional para data anterior à denúncia.

Logo, na hipótese, por ser norma mais gravosa, a regra do § 1º do art. 110 do Código Penal não é aplicada ao caso concreto, pelo que, tendo o acusado sido condenado à pena menor de 2 anos, devendo ser descontada a continuidade delitiva (art. 119 do CP), o prazo prescricional é de quatro (art. 109, V, do Código Penal), de modo que entre a data dos fatos - abril e maio de 2003 - e o recebimento da denúncia - 30/01/2007 (p. 63) - não transcorreu prazo superior ao prescricional e, por consequência, não há falar em extinção da punibilidade.

Igualmente, verifica-se que não transcorreu o prazo prescricional (4 anos) entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença. Veja-se:

A denúncia foi recebida em 30/01/2007 (p. 63), todavia, em 21/11/2007 o feito foi suspenso, com base no art. 366 do CPP (p. 89), tendo assim permanecido até 25/01/2018, quando o acusado foi devidamente citado (p. 113 e 123), ou seja, um período de suspensão de 10 (dez) anos, 9 (nove) meses e 22 (vinte e dois) dias. No ponto, cumpre registrar que a súmula n. 415 do STJ dispõe que "o período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena máxima cominada", in casu, sendo a pena máxima superior a quatro anos e não excedente a oito, tem-se o período de 12 (doze) anos, o qual também não transcorreu no presente caso.

Assim, entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença, que ocorreu em 09/12/2019 (p. 229), subtraído o período de suspensão, transcorreram 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 5 (cinco) dias, ou seja, prazo inferior a quatro anos (ex vi do art. 109, V, do CP), logo, diferentemente do sustentado pela defesa, não transcorrido o prazo prescricional.

Afastada, portanto, a prefacial.

2 - Cerceamento de defesa

Ainda, sustenta a defesa a ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que o acusado fora interrogado na fase policial sem a presença de defensor, requerendo assim, o afastamento do referido interrogatório.

Também sem razão.

O inquérito policial, como se sabe, constitui-se em procedimento meramente administrativo inquisitório e...

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