Acórdão Nº 0028686-18.2012.8.24.0008 do Terceira Câmara Criminal, 15-06-2021

Número do processo0028686-18.2012.8.24.0008
Data15 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 0028686-18.2012.8.24.0008/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0028686-18.2012.8.24.0008/SC



RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA


RECORRENTE: RONALDO DRESSEL (ACUSADO) ADVOGADO: LUDMILA GRADICI CARVALHO DRUMOND (DPE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: EDICLEIA VITORINO (OFENDIDO)


RELATÓRIO


Na Comarca de Blumenau, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Ronaldo Dressel pela prática, em tese, da conduta criminosa prevista no art. 121, § 2º, II e IV, c/c art. art. 14, II, ambos do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados (fls. 1-2 do evento 252):
[...] No dia 10 de dezembro de 2012, por volta das 20h, o denunciado Ronaldo Dressel chegou em sua residência, situada na rua Victor João Gonçalves, 310, bairro Salto, nesta cidade, quando deparou-se com a vítima Edicleia Vitorio, a qual é surda-muda, que estava no local a fim de cobrar-lhe uma dívida de R$ 50,00 (cinquenta reais) que o denunciado possuía com a mesma.
Enfurecido com a cobrança da vítima e imbuído de animus necandi, o denunciado, portando uma faca de aproximadamente 17 (dezessete) centímetros de lâmina que trazia consigo, inopinadamente atacou Edicleia e desferiu um golpe na direção de seu peito, contudo nesse instante foi puxado por sua vizinha Célia Stuhler que também estava no local, acertando então a perna da vítima, transfixando-a (laudo de fl. 38), deixando-se assim de consumar o homicídio em virtude da interferência de Célia, circunstância esta alheia a sua vontade.
Desta forma, o denunciado agiu impelido por motivo fútil (a cobrança de uma dívida de baixo valor pela vítima), valendo-se de recluso que dificultou ou impossibilitou a defesa da ofendida, pois a atacou de forma inesperada, apenas não tendo o intento homicida se consumado por razões alheias à sua vontade [...].
Sobreveio decisão interlocutória em que a peça acusatória oferecida em desfavor de Ronaldo Dressel foi admitida a fim de pronunciá-lo, como incurso, em tese, nas sanções do art. 121, § 2º, II e IV, c/c art. art. 14, II, ambos do Código Penal, e submetê-lo a julgamento perante o Tribunal do Júri. Por fim, concedeu-se ao réu o direito de recorrer em liberdade (anexo 5 do evento 281).
A defesa de Ronaldo Dressel interpôs recurso em sentido estrito (evento 269), em que pugnou pela impronúncia, nos termos do art. 414 do Código de Processo Penal, ante a ausência de indícios mínimos de autoria e animus necandi. Subsidiariamente, requereu o decote das qualificadoras do motivo fútil (CP, art. 121, § 2º, II) e do emprego de recurso que impossibilitou/dificultou a defesa da ofendida (CP, art. 121. § 2º, IV).
Contrarrazões no evento 290.
Em juízo de retratação (CPP, art. 589), a decisão recorrida foi mantida (evento 292).
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Genivaldo da Silva, em que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto (evento 11)

VOTO


O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
A defesa de Ronaldo Dressel alega que embora a materialidade esteja comprovada, não há indícios mínimos da autoria e do animus necandi, razão por que a impronúncia, nos termos do art. 414 do Código de Processo Penal, é de rigor.
Inicialmente, cumpre ressaltar que a decisão de pronúncia se traduz em um mero juízo de admissibilidade da peça acusatória, por meio do qual se restringe a analisar provas da materialidade e presença de indícios suficientes de autoria, a fim de remeter o processo a julgamento pelo Tribunal do Júri (CPP, art. 413). Logo, dispensa-se a cognição exauriente de todos os elementos de prova, encargo que incumbe ao Conselho de Sentença.
Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima (Manual de Processo Penal, 8ª ed., Salvador: Ed. Juspodivm, 2020, p. 1468) discorre que:
[...] a pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de crime doloso contra a vida, permitindo o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas quando houver alguma viabilidade de haver a condenação do acusado. Sobre ela, o art. 413 do CPP, dispõe que, estando convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve o juiz sumariante pronunciar o acusado fundamentadamente. Há um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o jus accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni juris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência [...].
No caso, pelo que se infere dos autos, no dia 10 de dezembro de 2012, por volta das 20h, na rua Victor João Gonçalves, 310, bairro Salto, na cidade de Blumenau, o recorrente, ao ser cobrado acerca de uma dívida de R$ 50,00 (cinquenta reais) que possuía com Edicleia Vitória, acometida de perda auditiva, desferiu-lhe, de inopino, um golpe de faca na direção do seu peito, o qual somente não acarretou na morte da vítima em razão da interferência de Célia Stuhler, que lhe puxou pelo braço e fez com que acertasse a perna da vítima.
A materialidade emerge do Auto de Prisão em Flagrante (fl. 4 do anexo 1 do evento 281), Boletim de Ocorrência (fls. 5-6 do anexo 1 do evento 281), Termo de Exibição e Apreensão (fl. 7 do anexo 1 do evento 281), Relatório de Diligência (fls. 23-24 do anexo 1 do evento 281) e Laudos Periciais (fl. 44 do anexo 1 e fls. 41-42 do anexo 2 do evento 281).
Os indícios de autoria encontram-se igualmente evidenciados.
O recorrente, no inquérito policial (fl. 15 do anexo 1 do evento 281), exerceu seu direito constitucional de permanecer em silêncio.
Em juízo (fl. 20 do anexo 4 do evento 281), o interrogatório restou prejudicado ante a decretação da revelia, nos termos do art. 367 do Código de Processo Penal.
Edicleia Vitorino, vítima, na fase indiciária (fls. 41-42 do anexo 1 do evento 281), narrou que:
[...] há 11 (onze) anos atrás foi namorada de Márcio; que conheceu Ronaldo há aproximadamente 3 (três) meses; que tem conhecimento que Ronaldo e Márcio são namorados e moram juntos há aproximadamente 8 (oito) meses; que no mês de outubro a declarante emprestou para Márcio a quantia de R$ 30,00 (trinta reais) e para Ronaldo emprestou R$ 50,00 (cinquenta reais), sendo que acredita que o dinheiro foi gasto para comprar entorpecente; que desde que emprestou o dinheiro para os dois passou a cobrar a dívida; que no dia 10.12.2012 chegou na casa de Márcio e Ronaldo por volta das 16h e como eles não estavam em casa, ficou sentada no sofá vendo televisão, enquanto Célia estava no computador que também fica na sala da residência; que por volta das 19h, Márcio chegou e a declarante não cobrou a dívida dele, de modo que conversaram sobre uma consulta que ele teve no médico e depois ele foi tomar banho; que em seguida, por volta das 19h30min, Ronaldo entrou em casa com uma faca em punho e a declarante passou a cobrar a dívida deles, sendo que ele a mandou embora e disse que não tinha dinheiro; que Ronaldo estava visivelmente embriagado e drogado; que depois de dizer que não iria pagar a dívida, Ronaldo desferiu uma facada no televisor e, em seguida, veio na direção da declarante e tentou lhe desferir um golpe, sendo que foi impedido por Célia, de modo que a faca atingiu sua perna esquerda; que depois de acertar a faca na perna da declarante, Ronaldo saiu correndo; que a declarante entrou no banheiro, onde Márcio estava tomando banho, e tentou estancar o sangue que saia de sua perna; que Márcio auxiliou e a declarante desmaiou, sendo posteriormente atendida pelo Corpo de Bombeiros; que a faca não ficou no ferimento, já que Ronaldo enfiou o objeto e removeu; que acredita que Ronaldo lhe esfaqueou porque estava nervoso e não tinha dinheiro para comprar droga e, também, porque a declarante estava cobrando a dívida deles; que na semana que antecedeu os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT