Acórdão Nº 0029405-91.2008.8.24.0023 do Terceira Câmara de Direito Civil, 16-03-2021

Número do processo0029405-91.2008.8.24.0023
Data16 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0029405-91.2008.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador MARCUS TULIO SARTORATO

APELANTE: CLINICA JANE CIRURGIA PLASTICA LTDA (RÉU) APELADO: TEREZINHA ESPINDULA OURIQUES (AUTOR)

RELATÓRIO

Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado no evento 183, por revelar com transparência o que existe nestes autos, in verbis:

Terezinha Espíndola Ouriques, qualificada à fl. 01, ajuizou a presente ação de indenização por danos morais, materiais e estéticos contra Clínica Jane Ltda. Alegou que, em 10.08.2007, compareceu à clínica ré para realizar cirurgia de correção no pé esquerdo em razão de ter sido diagnosticada com "halux valgus", consequência de uma cirurgia de joanete realizada em 18.10.2005. Disse que na primeira troca de curativo, em 15.08.2007, foi constatado um processo infeccioso em seu pé que exalava um forte mau cheiro, em decorrência do que lhe foi prescrito antibiótico. Em 17.08.2007, na troca do segundo curativo, o médico confirmou-lhe que o processo infeccioso se tratava de infecção hospitalar adquirida no ato cirúrgico, demonstrando preocupação com a possibilidade da perda de um dos dedos, o que ensejou nova internação na clínica ré, em 18.08.2007, para drenagem e lavagem da secreção purulenta e encaminhamento de amostra para exame laboratorial. Relatou que os exames laboratoriais comprovaram a contaminação pela bactéria staphylococcus aureus, confirmando a suspeita de infecção hospitalar. Alegou que permaneceu internada para tratamento, sendo submetida a seis procedimentos cirúrgicos, dentre os quais uma cirurgia de enxerto, realizada mediante a retirada de pele da bacia e colocação na lateral do pé esquerdo para recuperação de tecido necrosado. Asseverou que quase três meses após a última cirurgia, voltou a sentir dores no pé, sendo novamente submetida a tratamento medicamentoso, apresentando perda de mobilidade articular no dedão, degeneração de cartilagem e deformação do membro, o que ensejou a necessidade de submissão a sessões de fisioterapia, locação de cadeira de rodas e muletas. Apontou que houve falha na prestação do serviço e que experimentou danos materiais, morais e estéticos que devem ser indenizados. Indicou os fundamentos jurídicos dos pedidos, requereu a concessão da justiça gratuita, a citação da ré, a produção de provas e a inversão do ônus probatório. Por fim, valorou a causa e postulou a procedência dos pedidos a fim de que a ré seja condenada ao pagamento de: (a) indenização por danos materiais no valor de R$ 808,43; (b) indenização por danos morais e estéticos em valores a serem arbitrados pelo Juízo. Citada, a ré apresentou contestação, suscitando, em preliminar, o chamamento ao processo do médico que realizou a cirurgia de correção de joanete e da fornecedora do material utilizado no procedimento cirúrgico. No mérito, alegou que observa todos os protocolos de prevenção mas, como em qualquer hospital, não consegue atingir níveis absolutamente livres de agentes infecciosos. Argumentou que eventual infecção hospitalar que tenha acometido a autora configura caso fortuito que exclui o nexo causal entre sua conduta e os danos alegados na inicial. Por fim, refutou a ocorrência do abalo moral e do dano estético, impugnou os valores reivindicados a título de indenização material e requereu a improcedência dos pedidos iniciais. Houve réplica. Instadas a especificar provas, as partes requereram a produção de prova oral e pericial, tendo a ré requerido ainda o depoimento pessoal da autora. O processo foi saneado, afastando-se as preliminares suscitadas na contestação e designando-se perícia médica. Apresentado o laudo, as partes se manifestaram. Designada audiência de instrução e julgamento, foi dispensado o depoimento pessoal da autora e promovida a oitiva de uma testemunha da autora. As partes apresentaram alegações finais. A ré foi instada a regularizar sua representação processual, sob pena de revelia. A ré cumpriu a determinação. É o relatório.

A MM.ª Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca da Capital, Dra. Eliane Alfredo Cardoso de Albuquerque, decidiu a lide nos seguintes termos:

Em face do que foi dito, julgo procedentes os pedidos formulados por Terezinha Espíndola Ouriques contra Clínica Jane Cirurgia Plástica S/C para condenar a ré a pagar à autora indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e de indenização por danos estéticos no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com correção monetária pelo INPC/IBGE desde a data da publicação da sentença (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação válida (art. 405 do CC). Também condeno a parte ré a pagar à autora indenização por danos materiais no valor de R$ 808,43 (oitocentos e oito reais e quarenta e três centavos), sem prejuízo de correção monetária pelo INPC/IBGE desde os desembolsos e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a citação. Por fim, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes equivalentes a 15% (quinze por cento) sobre o valor total da condenação, nos termos do art. 85, §2º, CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, não havendo manifestação, arquivem-se, cobrando-se as custas via GECOF.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação (evento 188), no qual alega, em suma, a inexistência de nexo causal entre a infecção que acometeu a autora e sua conduta. Argumenta que se desincumbiu do ônus de demonstrar a adequação do serviço prestado, pois demonstrou ser integrante do programa de controle de infecção hospitalar, em consonância com a Portaria 196/1983 do Ministério da Saúde, comprovou a esterilização dos materiais utilizados, o prontuário da paciente e que essa foi descrita como "sem queixas" e a demonstração de taxa de infecção, sendo a da autora a única do período. Aduz ser impossível produzir prova inequívoca de que a contaminação não ocorreu na clínica, por se tratar de prova negativa, diabólica. Alega que a autora passou 4 (quatro) dias em casa antes de ser diagnosticada com a infecção, sendo muito provável ter ocorrido nesse período, até porque trata-se de bactéria presente na microbiota humana. Alega a não configuração do dano moral e o valor excessivo arbitrado a título de indenização. Quanto aos danos estéticos, assevera que a autora já sofria com joanete em seu pé desde antes desta cirurgia, ou seja, já estava com a estética prejudicada. Diz que a cirurgia não tinha por objetivo a melhora estética do pé da autora e que o próprio laudo pericial não constatou deformidade anatômica relevante. Pede, ao final, a improcedência dos pedidos iniciais ou, subsidiariamente, a redução das indenizações por danos morais e estéticos.

Em contrarrazões (evento 192), a autora pugna o desprovimento do recurso.

VOTO

1. Verifica-se na espécie a incidência do Código de Defesa do Consumidor, porquanto a ré é fornecedora de serviços hospitalares, sendo incontroverso que a autora realizou procedimento cirúrgico em seu estabelecimento.

Aplica-se ao caso, portanto, a responsabilização objetiva pelos danos decorrentes de fato do serviço a que se refere o art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Sobre a responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares, leciona Sérgio Cavalieri Filho:

Os estabelecimentos hospitalares são fornecedores de serviços, e, como tais, respondem objetivamente pelos danos causados aos seus pacientes, quer se tratem de serviços decorrentes da exploração de sua atividade empresarial, tais como defeito de equipamento (v. g., em Porto Seguro a mesa de cirurgia quebrou durante o parto e o bebê caiu ao chão, não resistindo ao traumatismo craniano), equívocos e omissões da enfermagem na aplicação de medicamentos, falta de vigilância e acompanhamento do paciente durante a internação (v. g., queda do paciente do leito hospitalar com fratura do crânio), infecção hospitalar etc.; quer se tratem de serviços técnico-profissionais prestados por médicos que neles atuam ou a eles sejam conveniados.

É o que o CDC chama de fato do serviço, entendendo-se como tal o acontecimento externo, ocorrido no mundo físico, que causa danos materiais ou morais ao consumidor, mas decorrentes de um defeito do serviço.

Essa responsabilidade, como se constata do próprio texto legal, tem por fundamento o fato gerador ou defeito do serviço, que, fornecido ao mercado, vem a dar causa a um acidente de consumo. "O serviço é defeituoso, diz o § 1º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o modo do seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido." Trata-se, como se vê, de uma garantia de que o serviço será fornecido ao consumidor sem defeito, de sorte que, ocorrido o acidente de consumo, não se discute culpa; o fornecedor responde por ele simplesmente porque lançou no mercado um serviço com defeito. E mais, será absolutamente...

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