Acórdão nº 0030277-84.2021.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Órgão Especial, 16-11-2023

Data de Julgamento16 Novembro 2023
Case OutcomeProcedência
Classe processualCível - ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - ÓRGÃO ESPECIAL CÍVEL
ÓrgãoÓrgão Especial
Número do processo0030277-84.2021.8.11.0000
AssuntoInconstitucionalidade Material

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

ÓRGÃO ESPECIAL


Número Único: 0030277-84.2021.8.11.0000
Classe: ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE (216)
Assunto: [Inconstitucionalidade Material]
Relator: Des(a).
RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO


Turma Julgadora: [DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). GUIOMAR TEODORO BORGES, DES(A). JOAO FERREIRA FILHO, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). MARCIO VIDAL, DES(A). MARIA EROTIDES KNEIP, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). PAULO DA CUNHA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). SERLY MARCONDES ALVES]

Parte(s):
[MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (ARGUINTE), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0003-06 (ARGUIDO)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE JULGOU PROCEDENTE A ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

E M E N T A

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO – PRELIMINARES REJEITADAS - AMBIENTAL – ZONEAMENTO SOCIOECOLÓGICO-ECONÔMICO - ARTIGOS 10 A 23 DA LEI ESTADUAL Nº 9.523/2011 – DESVIRTUAMENTO À FINALIDADE DO ZSEE – CONVERSÃO DE ÁREAS PERTENCENTES ÀS CATEGORIAS DE USOS MENOS INTENSOS PARA AS DE USO MAIS INTENSO – PROTEÇÃO INEFICAZ DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E ÁREAS COM POTENCIAL HIDRÍCO – SUPRESSÃO DE TODAS AS SUBCATEGORIAS DE ÁREAS PROTEGIDAS PROPOSTAS – ALTERAÇÕES SEM CRITÉRIOS TÉCNICOS – DESOBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO E DO DEVER DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO (ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, ART. 263 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO E DECRETO FEDERAL N. 4.297/2002) – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

A declaração de inconstitucionalidade foi reconhecida somente de forma incidental com relação ao dever de proteção do meio ambiente disposto no art. 225 da CF, com reprodução obrigatória no art. 263 da CE, o que é perfeitamente possível em ACP, vez que não se busca, precipuamente, a apreciação da validade constitucional da lei em discussão.

A Constituição da República de 1988 consagrou, em seu artigo 225, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, atribuindo ao Poder Público e à coletividade a obrigação de defendê-lo e preservá-lo, e incumbindo à Administração Pública exigir estudo prévio de impacto ambiental quando necessário.

Em consonância com a evolução de uma consciência ecológica global, o Zoneamento Ecológico-Econômico é um instrumento essencial de gestão ambiental e tem por finalidade atender à necessidade cada vez mais tangente e emergencial de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente, de forma a garantir o desenvolvimento economicamente sustentável às presentes e futuras gerações.

O esvaziamento deliberado de categorias que buscam resguardar e gerir de maneira adequada territórios com elevado potencial florestal, hídrico, ecológico e áreas frágeis, para privilegiar atividades econômicas que torne menos eficiente a proteção do meio ambiente equilibrado afronta os artigos 225, da Constituição Federal e 263, da Constituição do Estado de Mato Grosso, principalmente diante da incompatibilidade com os critérios obrigatórios contidos no Decreto Federal n. 4.297/2002, que regulamenta o procedimento de zoneamento ecológico-econômico do Brasil.

R E L A T Ó R I O

Arguição Incidental de Inconstitucionalidade em Ação Civil Pública aviada pelo Ministério Público contra o Estado de Mato Grosso, cuja sentença julgou procedentes os pedidos contidos na inicial, para ratificar a liminar antes concedida e anular os artigos 10, caput, §1º, incisos I e II, assim como os artigos 11 a 23, todos da Lei Estadual nº 9.523/2011, que Instituiu a Política de Planejamento e Ordenamento Territorial do Estado de Mato Grosso e dá outras Providências, e criou o Zoneamento Socioeconômico e Ecológico de Mato Grosso -ZSEE/MT (IDs 124049059 a 124049063).

O Estado de Mato Grosso interpôs Apelação em que suscita, preliminarmente, a inadequação da via eleita sob o argumento de que é incabível controle concentrado de constitucionalidade em Ação Civil Pública, sobretudo quando visa a anulação de dispositivos legais, caracterizando-se como verdadeira Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Ainda em preliminar defende a ausência de interesse processual do Ministério Público, pois busca tornar nula parte de lei que, embora sancionada, está pendente de reconhecimento pela comissão coordenadora do Zoneamento Socioeconômico e Ecológico Federal e aprovação do Ministério do Meio Ambiente e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, conforme estabelece o art. 21-A da Lei nº 4.771, de 15-09-1965 (Código Florestal), vigente à época.

Argui que a legislação precede de estudos técnicos e fundamentados, com observação a metodologia prevista no Decreto Federal n. 4.297/2002, além de ter corrigido erros no projeto originalmente proposto pelo Poder Executivo, com a adequação a realidade socioeconômica ambiental do Estado e em consonância com o clamor social.

Aduz que o projeto anterior valorizava demasiadamente aspectos ambientais em detrimento de ocupações socioeconômicas consolidadas há décadas.

Requer a reforma da sentença e, consequentemente, improcedência da Ação, com a manutenção integral da Lei Estadual nº. 9.523/2011.

Contrarrazões ofertadas pela 16ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Cuiabá do Ministério Público, pelas quais afirma a ausência de dois elementos essenciais para a validade da Lei impugnada – “forma e motivo” (ID. 124049065 - Pág. 12).

A douta Procuradoria de Justiça Especializada em Defesa Ambiental e Ordem Urbanística pugnou pelo não acolhimento das preliminares e, no mérito, pelo não provimento do Recurso, destacando a inobservância dos requisitos necessários e imprescindíveis antecedentes à criação da Lei de Zoneamento, ficando evidente o vício formal na medida em que apresentou um substitutivo integral, quanto ao primeiro apresentado pelo Poder Executivo, que visivelmente foi elaborado ignorando estudos técnicos sérios e aprofundados, com total falta de observância à forma procedimental prevista no Decreto Federal nº 4.297/2002, o que redundou, da mesma maneira, na ocorrência de vício pelo motivo, em razão das circunstâncias fáticas que autorizam a aprovação do ato legislativo em epígrafe, já que não está em conformidade com a realidade existente em Mato Grosso, situação que compromete a sua validade (ID. 124049068 - Pág. 25).

Submetidas a Remessa Necessária e a Apelação, a Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, à unanimidade, em cumprimento da cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante n. 10 do STF), acolheu a arguição de inconstitucionalidade incidental por violação ao art. 225 da CF e determinou a remessa dos autos ao Órgão Especial, nos termos do voto do relator (IDs 124049068 e 124049069 - Pág. 59).

É o relatório.

Des. Rubens de Oliveira Santos Filho

Relator

V O T O R E L A T O R

• PRELIMINARES – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Estado de Mato Grosso insiste no argumento de que a Ação Civil Pública não pode ser utilizada para o controle concentrado de constitucionalidade.

Para tanto, diz que o MPE busca suspender dispositivos legais de caráter genérico e abstrato, já que não emanam efeitos diretos e concretos visto que vinculam decisões públicas e privadas sobre políticas, planos, programas, projetos e atividades que utilizarão os recursos naturais.

Defende que a demanda usurpa, por via disfarçada, a competência do STF.

Além de ter sido rejeitada pela Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, a referida tese já foi suscitada anteriormente, a exemplo da contestação e do AI 26.605/2012, na sentença e pela Câmara julgadora, no julgamento do mencionado Reexame Necessário/Apelação.

Nesse ponto, tanto o STJ quanto o STF têm entendimento consolidado no sentido de ser possível a arguição de inconstitucionalidade de determinada lei em Ação Civil Pública, desde que a título de causa de pedir e não de pedido principal. Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO INCIDENTAL. POSSIBILIDADE. DECISÃO RECORRIDA QUE SE AMOLDA À JURISPRUDÊNCIA DO STF. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. É possível o controle difuso de constitucionalidade em ação civil pública, desde que a alegada inconstitucionalidade não se confunda com o pedido principal da causa. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (ARE 1388609 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 01/03/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n, DIVULG 09-03-2023, PUBLIC 10-03-2023)

DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. CONFUSÃO COM O PEDIDO PRINCIPAL. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO ALINHADA À JURISPRUDÊNCIA DO STF. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de se admitir o controle difuso de constitucionalidade em ação civil pública desde que a alegação de inconstitucionalidade não se confunda com o pedido principal da causa. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC/1973 (RE 595213 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 01/12/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-291, DIVULG 15-12-2017, p. 18-12-2017).

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO PRINCIPAL. INVIABILIDADE.

1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, "a inconstitucionalidade de determinada lei pode ser alegada em ação...

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