Acórdão Nº 0031008-58.2015.8.24.0023 do Terceira Turma Recursal, 06-05-2020

Número do processo0031008-58.2015.8.24.0023
Data06 Maio 2020
Tribunal de OrigemCapital - Norte da Ilha
ÓrgãoTerceira Turma Recursal
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Terceira Turma Recursal



Apelação n. 0031008-58.2015.8.24.0023, da Capital - Norte da Ilha

Relator: Juiz Antonio Augusto Baggio e Ubaldo

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE DESACATO (ART. 331 DO CÓDIGO PENAL) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA - ALEGADA A ATIPICIDADE DA CONDUTA COM AMPARO NA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - DESCABIMENTO - ORIENTAÇÃO DA TERCEIRA SEÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - AVENTADA FRAGIBILIDADE PROBATÓRIA - INOCORRÊNCIA - AUTODEFESA ISOLADA NOS AUTOS - RELATOS DAS AUTORIDADES POLICIAIS - APELANTE QUE ACIONOU A POLÍCIA EM RAZÃO DE INCONFORMISMO COM O FATO DE UM AMIGO TER PEGO AS CHAVES DO SEU AUTOMÓVEL E PROFERIDO UM SOCO EM SEU ROSTO, ANTE A RECUSA DE SUBIREM JUNTOS O MORRO PARA ADQUIRIREM DROGAS - INTENSÃO MANIFESTA DE OFENDER AS AUTORIDADES POLICIAIS PELO FATO DE NÃO TEREM DILIGENCIADO PARA RECUPERAR AS CHAVES DO VEÍCULO - XINGAMENTOS E AMEAÇA DE PERDEREM A FARDA COMPROVADOS - APELANTE VISIVELMENTE EXALTADO - ESTADO DE ÂNIMO QUE NÃO EXCLUI A IMPUTABILIDADE - PRECEDENTES - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0031008-58.2015.8.24.0023, da comarca da Capital - Norte da Ilha Juizado Especial Cível e Criminal da Trindade, em que é Apelante Bruno Senatore e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Terceira Turma Recursal decidiu, por maioria, conhecer e negar provimento ao recurso. Sem custas e honorários advocatícios.

O julgamento foi presidido pelo Exmo. Sr. Juiz Marcelo Pons Meirelles, com voto vencedor, dele participando também a Exma. Sra. Juíza Adriana Mendes Bertoncini, com voto vencido, e atuando como representante do Ministério Público a Exma. Sra. Promotora de Justiça Ângela Valença Bordini.

Florianópolis, 06 de maio de 2020.

Antonio Augusto Baggio e Ubaldo

JUIZ Relator


Relatório dispensado, passa-se ao voto.

VOTO

Trata-se de recurso exclusivo da defesa objetivando, em breve síntese, a absolvição do apelante, com fundamento na alegada atipicidade da conduta, haja vista o disposto no art. 13 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, na suposta fragibilidade probatória e, subsidiariamente, na ausência de culpabilidade em razão do estado de ânimo exaltado.

Razão, contudo, não assiste ao apelante.

Logo de plano, cuida-se de enfatizar que a alegação de atipicidade da conduta com supedâneo na Convenção Americana de Direitos Humanos já foi resolvida perante o Superior Tribunal de Justiça, conforme orientação que se extrai da Terceira Seção da Corte Superior, in verbis:

HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO E DOS ARTS. 330 E 331 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE DESACATO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. DIREITOS HUMANOS. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA (PSJCR). DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO SE REVELA ABSOLUTO. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE (IDH). ATOS EXPEDIDOS PELA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH). AUSÊNCIA DE FORÇA VINCULANTE. TESTE TRIPARTITE. VETORES DE HERMENÊUTICA DOS DIREITOS TUTELADOS NA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO. PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES ANTEVISTAS NO ART. 13.2. DO PSJCR. SOBERANIA DO ESTADO. TEORIA DA MARGEM DE APRECIAÇÃO NACIONAL (MARGIN OF APPRECIATION). INCOLUMIDADE DO CRIME DE DESACATO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, NOS TERMOS EM QUE ENTALHADO NO ART. 331 DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE, IN CASU, DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO TÃO LOGO QUANDO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), denominada Pacto de São José da Costa Rica, sendo promulgada por intermédio do Decreto n. 678/1992, passando, desde então, a figurar com observância obrigatória e integral do Estado. 2. Quanto à natureza jurídica das regras decorrentes de tratados de direitos humanos, firmou-se o entendimento de que, ao serem incorporadas antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, portanto, sem a observância do rito estabelecido pelo art. 5º, § 3º, da CRFB, exprimem status de norma supralegal, o que, a rigor, produz efeito paralisante sobre as demais normas que compõem o ordenamento jurídico, à exceção da Magna Carta. Precedentes. 3. De acordo com o art. 41 do Pacto de São José da Costa Rica, as funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos não ostentam caráter decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo. Desta feita, depreende-se que a CIDH não possui função jurisdicional. 4. A Corte Internacional de Direitos Humanos (IDH), por sua vez, é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, possuindo atribuição jurisdicional e consultiva, de acordo com o art. 2º do seu respectivo Estatuto. 5. As deliberações internacionais de direitos humanos decorrentes dos processos de responsabilidade internacional do Estado podem resultar em: recomendação; decisões quase judiciais e decisão judicial. A primeira revela-se ausente de qualquer caráter vinculante, ostentando mero caráter "moral", podendo resultar dos mais diversos órgãos internacionais. Os demais institutos, porém, situam-se no âmbito do controle, propriamente dito, da observância dos direitos humanos. 6. Com efeito, as recomendações expedidas pela CIDH não possuem força vinculante, mas tão somente "poder de embaraço" ou "mobilização da vergonha". 7. Embora a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já tenha se pronunciado sobre o tema "leis de desacato", não há precedente da Corte relacionada ao crime de desacato atrelado ao Brasil. 8. Ademais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos se posicionou acerca da liberdade de expressão, rechaçando tratar-se de direito absoluto, como demonstrado no Marco Jurídico Interamericano sobre o Direito à Liberdade de Expressão. 9. Teste tripartite. Exige-se o preenchimento cumulativo de específicas condições emanadas do art. 13.2. da CADH, para que se admita eventual restrição do direito à liberdade de expressão. Em se tratando de limitação oriunda da norma penal, soma-se a este rol a estrita observância do princípio da legalidade. 10. Os vetores de hermenêutica dos Direitos tutelados na CADH encontram assento no art. 29 do Pacto de São José da Costa Rica, ao passo que o alcance das restrições se situa no dispositivo subsequente. Sob o prisma de ambos instrumentos de interpretação, não se vislumbra qualquer transgressão do Direito à Liberdade de Expressão pelo teor do art. 331 do Código Penal. 11. Norma que incorpora o preenchimento de todos os requisitos exigidos para que se admita a restrição ao direito de liberdade de expressão, tendo em vista que, além ser objeto de previsão legal com acepção precisa e clara, revela-se essencial, proporcional e idônea a resguardar a moral pública e, por conseguinte, a própria ordem pública. 12. A CIDH e a Corte Interamericana têm perfilhado o entendimento de que o exercício dos direitos humanos deve ser feito em respeito aos demais direitos, de modo que, no processo de harmonização, o Estado desempenha um papel crucial mediante o estabelecimento das responsabilidades ulteriores necessárias para alcançar tal equilíbrio exercendo o juízo de entre a liberdade de expressão manifestada e o direito eventualmente em conflito. 13. Controle de convencionalidade, que, na espécie, revela-se difuso, tendo por finalidade, de acordo com a doutrina, "compatibilizar verticalmente as normas domésticas (as espécies de leis, lato sensu, vigentes no país) com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado e em vigor no território nacional." 14. Para que a produção normativa doméstica possa ter validade e, por conseguinte, eficácia, exige-se uma dupla compatibilidade vertical material. 15. Ainda que existisse decisão da Corte (IDH) sobre a preservação dos direitos humanos, essa circunstância, por si só, não seria suficiente a elidir a deliberação do Brasil acerca da aplicação de eventual julgado no seu âmbito doméstico, tudo isso por força da soberania que é inerente ao Estado. Aplicação da Teoria da Margem de Apreciação Nacional (margin of appreciation). 16. O desacato é especial forma de injúria, caracterizado como uma ofensa à honra e ao prestígio dos órgãos que integram a Administração Pública. Apontamentos da doutrina alienígena.

17. O processo de circunspeção evolutiva da norma penal teve por fim seu efetivo e concreto ajuste à proteção da condição de funcionário público e, por via reflexa, em seu maior espectro, a honra lato sensu da Administração Pública. 18. Preenchimento das condições antevistas no art. 13.2. do Pacto de São José da Costa Rica, de modo a acolher, de forma patente e em sua plenitude, a incolumidade do crime de desacato pelo ordenamento jurídico pátrio, nos termos em que entalhado no art. 331 do Código Penal. 19. Voltando-se às nuances que deram ensejo à impetração, deve ser mantido o acórdão vergastado em sua integralidade, visto que inaplicável o princípio da consunção tão logo quando do recebimento da denúncia, considerando que os delitos apontados foram, primo ictu oculi, violadores de tipos penais distintos e originários de condutas autônomas. 20. Habeas Corpus não conhecido. (HC 379.269/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Rel. p/ Acórdão Ministro...

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