Acórdão Nº 0031116-82.2023 do null, 14-11-2023

Número do processo0031116-82.2023
Data14 Novembro 2023
Tribunal de OrigemUrubici
Classe processualRecurso Administrativo
Tipo de documentoAcórdão


ACÓRDÃO



APELAÇÃO - SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA REGISTRAL - SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A DÚVIDA PROPOSTA PELO DELEGATÁRIO.



ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO - RENÚNCIA ABDICATIVA VS. RENÚNCIA TRANSLATIVA - VONTADE DE ACEITAR A HERANÇA E DE CEDÊ-LA EM BENEFÍCIO DO PAI (RENÚNCIA TRANSLATIVA) QUE SE MANIFESTA DOS AUTOS - CASO QUE NÃO SE TRATA DE REVOGAÇÃO ADMINISTRATIVA DA RENÚNCIA, MAS DE INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS DOCUMENTAIS CAPAZES DE EXSURGIR A PERCEPÇÃO DA REAL VONTADE DOS INTERESSADOS.



Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (CC, art. 112), de sorte que constatado, desde o princípio, que a vontade dos sucessores era a de renunciar à herança na modalidade translativa, e não abdicativa, isto é, aceitar a herança e favorecer terceira pessoa com o quinhão respectivo, deve-se prestigiar o elemento subjetivo emitido nesse vetor pelos interessados, ainda mais quando presentes tantas circunstâncias nos autos capazes de exprimir ser essa a real intenção dos sucessores.



RECURSO PROVIDO.



Vistos, relatados e discutidos os autos SEI n. 0031116-82.2023.8.24.0710, o Conselho da Magistratura decidiu, por unanimidade, prover o recurso para julgar improcedente a dúvida formulada pelo delegatário e, consequentemente, autorizar a recepção no registro público da Escritura Pública de RERRATIFICAÇÃO/ADITAMENTO de INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL COM RENÚNCIA DE DIREITOS HEREDITÁRIOS E ADJUDICAÇÃO DE BENS (7359129), exceto se óbice diverso do consignado nas notas de devolução (7359130, 7359131 e 7359132) impedir a continuidade do procedimento registral.



Florianópolis, 13 de novembro de 2023.



Luiz Antônio Zanini Fornerolli



RELATÓRIO



Por força da celeridade processual, utilizo-me da relatório executado pelo sentenciante:



Trata-se de procedimento de suscitação de dúvida aforado pela registradora do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Urubici, por meio do qual pretende ver dirimida dúvida acerca da possibilidade de revogar, de forma administrativa, a renúncia à herança realizada pelas herdeiras JANETE FATIMA DE SOUZA GEMELLI, RITA DE CASSIA DE SOUZA e ANDREIA CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA, em relação aos bens deixados pela de cujus NILVA DA CRUZ SOUZA.



Aduziu, em síntese, que a senhora Andreia apresentou escritura pública de inventário extrajudicial com renúncia de direitos hereditários e adjudicação dos bens, lavrada em 16/08/2021, e escritura pública de rerratificação/aditamento de inventário extrajudicial com renúncia de direitos hereditários e adjudicação dos bens, lavrada em 07/11/2022, todas do Tabelionato de Notas e Protesto do Município e Comarca de Urubici/SC. Discorreu que o título foi protocolado sob o n. 36.530, em 25/04/2022, e posteriormente, sob protocolo de n. 38.822, em 22/05/2023, mas, atualmente, o protocolo é de n. 39.046, em 30/06/2023, ambos com análise negativa. Disse que, a autora da herança NILVA DA CRUZ SOUZA faleceu no dia 19/06/2021, deixando herdeiros e bens a inventariar. Sustentou que, em relação aos bens, a falecida possuía, por ocasião da abertura da sucessão, um imóvel matriculado sob n. 8.300, porém as herdeiras, na primeira escritura pública de inventário extrajudicial, renunciaram aos direitos hereditários, conforme preconiza o art. 1.806 do CC, ato que foi outorgado pelos cônjuges, de modo que o bem seria adjudicado pelo viúvo sobrevivente JOÃO AGUINEL DE SOUZA. Explicou que foi recolhido o imposto causa mortis, no valor de R$ 950,00. Sustentou que, após a análise do título (protocolo n. 6.530) foi emitida a qualificação registral em 26.04.2022, consignando a impossibilidade de o bem ser adjudicado pelo meeiro, em decorrência da renúncia ao monte mor. Desse modo, com a negativa, as interessadas procuraram o Tabelionato de Notas de Urubici para providenciar a retificação da escritura e, assim, foi lavrada a escritura pública de rerratificação/aditamento de inventário extrajudicial com renúncia de direitos hereditários e adjudicação dos bens, constando a existência de erro material, oportunidade na qual foi recolhida tributação cabível. Ponderou que o título foi submetido a nova análise, mas foi emitida nota registral negativa diante da impossibilidade de revogar a renúncia à herança. Porém, aduziu que, após o vencimento do protocolo, as partes protocolaram o título novamente sob o n. 39.046, em 30/06/2023, contudo houve nova negativa nos termos da qualificação emitida no último protocolo. Assinalou que, depois da nota devolutiva, os requerentes apresentaram requerimento de Suscitação de Dúvida, no qual alegam que o excesso de formalismo ultrapassou a vontade real, pois, desde o início, as herdeiras pretendiam ceder a cota de cada uma delas da herança a seu pai; mas, para evitar dúvidas sobre a real vontade, deliberaram em aceitar a herança e retificaram a escritura do inventário, porém o imposto relativo à cessão só foi recolhido após a primeira nota devolutiva, ou seja, apenas na escritura de rerratificação. Por fim, sustentou que não é possível, de forma administrativa, a revogação da renúncia, de modo que não tem como verificar a ocorrência de erro formal ou arrependimento das partes (doc. 7359123).



O Ministério Público apresentou parecer, manifestando-se pela procedência da dúvida, haja vista não ser possível revogar a renúncia e aceitar a herança deixada pela falecida (doc. 7391079).



O sentenciante, então, deliberou por:



(...) julg[ar] PROCEDENTE a dúvida formulada pela registradora do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Urubici no presente procedimento, para DECLARAR a impossibilidade de revogar a renúncia feita pelas herdeiras JANETE FATIMA DE SOUZA GEMELLI, RITA DE CASSIA DE SOUZA e ANDREIA CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA e, na sequência, aceitar a herança deixada pela genitora falecida NILVA DA CRUZ SOUZA, conforme fundamentação supra.



Sobreveio, consequentemente, recurso administrativo endereçado a este Conselho da Magistratura, por meio do qual fundamentaram:



Sustentam as recorrentes, em síntese, que a reforma da sentença se impõe, uma vez que não foi realizada qualquer renúncia abdicativa, pois desde o princípio deixaram claro que a sua vontade era deixar a integralidade da herança ao pai e também recorrente. Assim, defendem ter sido realizada uma renúncia translativa, equivalente à cessão gratuita, conforme entendimento jurisprudencial. Requerem, dessa forma, o conhecimento e provimento do recurso para que seja determinado "à Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Urubici, SC, a averbação das escrituras públicas de inventário na matrícula imobiliária n. 8.300, reconhecendo a renúncia translativa declarada" (7522682).



Em contrarrazões, pugnou-se pela manutenção da sentença.



A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Ilustre Antenor Chinato Ribeiro, não vislumbrou interesse público a justificar a intervenção ministerial.



Este é o relatório.



VOTO



Sumariamente, o processo conta com o seguinte arranjo fático-jurídico:



(i) deu-se a abertura do inventário de Nilva em virtude do seu falecimento;



(ii) suas três filhas, com anuência de seus esposos, e em conjunto com o cônjuge sobrevivente, formalizam Escritura Pública de inventário extrajudicial com renúncia de direitos hereditários e adjudicação de bens;



(iii) o ofício de registro de imóveis, porém, emitiu nota devolutiva impeditiva ao registro;



(iv) o ofício de registro de imóveis fundamentou que teria havido renúncia abdicativa das filhas sucessoras, ou seja, em favor indistinto do monte-mor e, de conseguinte a isso, não poderiam ceder seus quinhões a pai, o cônjuge sobrevivente;



(v) segundo o ofício imobiliário, ocorrida a renúncia abdicativa - porém, sendo as renunciantes as únicas da mesma classe sucessória -, seus quinhões automaticamente passariam a beneficiar a classe sucessória subsequente;



(vi) com esse panorama, as filhas das renunciantes (netas do de cujus) passariam a ser as beneficiadas com os...

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