Acórdão Nº 0035431-18.2002.8.24.0023 do Primeira Câmara Criminal, 12-11-2020

Número do processo0035431-18.2002.8.24.0023
Data12 Novembro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0035431-18.2002.8.24.0023, da Capital

Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato

APELAÇÕES CRIMINAIS. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO SIMPLES, POR DUAS VEZES, EM CONCURSO FORMAL (ART. 121, CAPUT, NA FORMA DO ART. 70, CAPUT, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA.

RECURSO DA DEFESA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POSTERIOR À PRONÚNCIA (ART. 593, INCISO III, ALÍNEA ''A'', DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). SUSTENTADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A CONDENAÇÃO, TENDO EM VISTA A INOVAÇÃO DE TESES PELO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DURANTE OS DEBATES EM PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. QUESITOS SUBMETIDOS AOS JURADOS QUE SE ENCONTRAM PLENAMENTE ALINHADOS AOS LIMITES DA ACUSAÇÃO E DA PRONÚNCIA. PARTES QUE POSSUEM AMPLA LIBERDADE ARGUMENTATIVA EM PLENÁRIO. MANIFESTAÇÕES DO PARQUET QUE REFLETEM O ARCABOUÇO FÁTICO-PROBATÓRIO AMEALHADO. PREFACIAL RECHAÇADA. MÉRITO. SUSTENTADA A MANIFESTA CONTRARIEDADE DA DECISÃO À PROVA DOS AUTOS (ART. 593, INCISO III, ALÍNEA ''D'', DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO DO RÉU QUE ENCONTRA O NECESSÁRIO SUPORTE NA PROVA PRODUZIDA. VERSÃO ACOLHIDA PELOS JURADOS, DE QUE O ACUSADO TERIA ATUADO COM DOLO EVENTUAL AO OCASIONAR O ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO COM DUPLO RESULTADO FATAL, QUE NÃO ESTÁ MANIFESTAMENTE DISSOCIADA DA PROVA DISPONÍVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. A menção, pela acusação ou defesa, a questões ou fatos não expressamente contidos nos limites da exordial acusatória durante os debates em plenário, não configura violação ao princípio da correlação entre a acusação e condenação, contanto que a quesitação submetida aos jurados tenha respeitado os limites da pronúncia, como no caso em apreço.

2. O conceito de decisão manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, inciso III, alínea "d", do Código de Processo Penal) encontra seus limites no princípio da soberania dos vereditos, que impede a reavaliação dos elementos probantes pelo Tribunal Superior.

Cabe ao Tribunal, tão somente, verificar se a decisão dos jurados encontra amparo, ainda que mínimo, no conjunto probatório disponível nos autos, sendo vedado novo integral revolvimento e sopesamento probatório, de modo que deverá se averiguar unicamente se a decisão tomada pelos jurados encontra, ou não, suporte nos elementos que instruem o processo.

RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ALEGADA INJUSTIÇA NO TOCANTE À APLICAÇÃO DA PENA (ART. 593, INCISO III, ALÍNEA ''C'', DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). REQUERIMENTO DE MAJORAÇÃO DA PENA-BASE DO RÉU. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO MEDIANTE ARGUMENTAÇÃO DE QUE A TENRA IDADE DOS OFENDIDOS JUSTIFICARIA A EXASPERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. CIRCUNSTÂNCIA QUE, VIA DE REGRA, É INERENTE AO TIPO PENAL EM APREÇO. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. ALEGAÇÃO, EM SUMA, DE QUE O ACUSADO, INEBRIADO, EMPREGANDO VELOCIDADE EXCESSIVA E EFETUANDO MANOBRAS TEMERÁRIAS, TERIA EXPOSTO A INTEGRIDADE FÍSICA DE TERCEIROS A RISCO. CIRCUNSTÂNCIAS JÁ CONSIDERADAS PELOS JURADOS QUANDO DO RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUAL. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, TAMBÉM, DURANTE O PROCEDIMENTO DOSIMÉTRICO, SOB PENA DE DUPLA PUNIÇÃO PELO MESMO FATO (BIS IN IDEM). CONDUTA SOCIAL. ALEGAÇÃO DE QUE O RÉU, À ÉPOCA DOS ACONTECIMENTOS, POSSUÍA QUASE DUAS CENTENAS DE PONTOS NA CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO, EM TESE, IDÔNEA E ACEITA POR ESTE RELATOR PARA SE DESABONAR A CONDUTA SOCIAL. PRESENÇA, NO ENTANTO, DE OUTROS ELEMENTOS NOS AUTOS QUE FAVORECEM A CONDUTA SOCIAL DO RÉU. IMPOSSIBILIDADE DE NEGATIVAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Inviável a utilização da idade das vítimas como fundamento para se exasperar a reprimenda do agente praticante do delito do art. 121 do Código Penal, por se tratar, via de regra, de circunstância inerente à tipificação em apreço.

2. Inviável a utilização de circunstâncias fáticas já sopesadas pelos Jurados quando do reconhecimento do dolo eventual do réu para se majorar, também, sua pena base, sob pena de dupla punição pelo mesmo fato - bis in idem.

3. Havendo nos autos elementos informativos capazes tanto de desabonar como, também, abonar a conduta social do agente, inviável a majoração da sua pena-base sob tal vetor.

RECURSO DOS ASSISTENTES DE ACUSAÇÃO. ALEGAÇÃO DE INJUSTIÇA NO TOCANTE À APLICAÇÃO DA PENA (ART. 593, INCISO III, ALÍNEA ''C'', DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). LEGITIMIDADE RECURSAL MERAMENTE SUPLETIVA À DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INSURGÊNCIAS RELACIONADAS À DOSIMETRIA DO RÉU QUE SE CONFUNDEM COM AS QUE APRESENTADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DE TAIS PONTOS. PEDIDO DE EXASPERAÇÃO DO REGIME PRISIONAL DO RÉU. IMPOSSIBILIDADE. MONTANTE DE PENA FIXADO QUE INDICA O CABIMENTO DO REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 33, §§ 2º, ALÍNEA ''B'', E 3º, DO CÓDIGO PENAL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Conforme entendimento prevalente, o âmbito da legitimidade recursal do assistente de acusação é meramente supletivo ao do Ministério Público, de forma que só se é permitido conhecer das insurgências apresentadas por aquele que não estejam compreendidas na apelação interposta por este.

2. Inviável a modificação de regime prisional fixado conformes os ditames do art. 33, §§ 2º, alínea ''b'', e 3º, do Código Penal.

NO MAIS, IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO ANTECIPADA DA REPRIMENDA. MODIFICAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NO SENTIDO DE QUE O CUMPRIMENTO DEFINITIVO DA PENA DEVERÁ SE DAR SOMENTE QUANDO ESGOTADAS TODAS AS POSSIBILIDADES RECURSAIS E OPERADO O TRÂNSITO EM JULGADO.

Em julgamento concluído em 07/11/2019, ao apreciar as Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, assentou a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, segundo o qual "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva", passando a entender que a execução da pena pressupõe, necessariamente, o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0035431-18.2002.8.24.0023, da comarca da Capital Vara do Tribunal do Júri em que são Apelantes o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, Aroldo Carvalho Cruz Lima, Jonas Geraldo e Noêmia de Lucca Geraldo e Apelados o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Aroldo Carvalho Cruz Lima.

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer dos recursos, parcialmente o interposto pelos assistentes de acusação, e negar-lhes provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva e a Exma. Desa. Hildemar Meneguzzi de Carvalho.

Funcionou na sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Raul Schaefer Filho.

Florianópolis, 12 de novembro de 2020.

Assinado digitalmente

Desembargador Paulo Roberto Sartorato

Presidente e Relator


RELATÓRIO

A representante do Ministério Público, com base no incluso Inquérito Policial, ofereceu denúncia em face de Aroldo Carvalho Cruz Lima, devidamente qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, caput, por duas vezes, art. 129, § 1º, inciso I, na forma do art. 70, todos do Código Penal, em razão dos seguintes fatos narrados na peça exordial acusatória, in verbis (fls. 01/04):

Consta do Inquérito Policial em anexo que, aos quinze dias do mês de setembro de 2002, por volta das quatro horas e quarenta e cinco minutos, na terceira pista da Avenida Jornalista Rubens Arruda Ramos, conhecida como ''Avenida Beira-mar'', mais precisamente na via secundária em frente ao estabelecimento comercial denominado ''Mc Donald's'', Centro, nesta Capital e Comarca, o denunciado AROLDO CARVALHO CRUZ LIMA, já voluntariamente embriagado, conduzia o veículo ''BMW'', modelo ''X5 FB31'', ano de fabricação 2002/02, placas MFZ-0099, de cor preta, empreendendo velocidade excessiva e inadmissível (muito acima de 110 km/h - Laudo Pericial, fls. 331), em crassa disparidade com a ali permitida.

Nem por isso se deixando dissuadir da execução do fato pela possibilidade próxima da ocorrência do resultado, demonstrou em sua conduta, descaso e conformidade diante de qualquer conseqüência advinda de seu comportamento, aceitando a "produção" de evento de maior gravidade, dirigia em "assombrosa" velocidade, em persecução a intensas e perigosas moções, demostrando total menosprezo a vida de seus "pares" e legislação de trânsito, até porque, acautelado por automóvel de alta tecnologia, contando, para tanto, com avançados itens de segurança (Controle de velocidade em descida -HDC, Diferencial automático do travão - ADB-X, Controle dinâmico de estabilidade - DSC, Sistema para controle dos freios - ABS e, "Airbags" frontais, laterais e para cabeça - Laudo Pericial, fl. 325).

Avocando, destarte, com sua lastimável conduta, elevada probabilidade de matar, não renunciando dolosamente a pratica da ação, colidiu na parte lateral traseira do lado direito do veiculo "AUDI", modelo "A3", ano de fabricação 2001/01, placas MBI-5631, de cor preta, que seguia a sua frente, conduzido por RAFAEL DE LUCCA GERALDO, tendo ao seu lado, como "passageiro", VÍTOR HUGO MARINS FILHO, havendo, em decorrência do impacto, respectivo automóvel sido violentamente projetado de encontro a um poste, situado no canteiro à direita da referida via. Ato continuo, de forma desgovernada, ante o primeiro abalroamento, atingiu impetuosamente o veiculo "VW", modelo "GOLF GL", ano de fabricação 1995/95, placas LXB-8388, de cor vermelha, guiado por MARCOS CONCEIÇÃO DUTRA, que se encontrava estacionado na entrada...

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