Acórdão Nº 0037207-55.2015.8.10.0001 do TJMA. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, 3ª Câmara Criminal, 2023

Ano2023
Classe processualApelação Criminal
Órgão3ª Câmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Gabinete Desembargadora SÔNIA AMARAL

TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0037207-55.2015.8.10.0001

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL

1º APELADA: CARMEN TEREZA MARANHÃO SILVA

ADVOGADA: MARJORIE EVELYN MARANHÃO SILVA (OABMA 8526)

2º APELADO: JOSÉ ANTONIO FONSECA RAMOS

ADVOGADA: LIDIANE KARLLA FRANCO CUTRIM (OABMA 16801)

3ª APELADA: GORETE MARIA RODRIGUES REGO

ADVOGADO: ANDERSON ORLANDO DE OLIVEIRA BELFORT (OABMA 7910)

RELATORA: DESEMBARGADORA SÔNIA MARIA AMARAL FERNANDES RIBEIRO

REVISOR: DESEMBARGADOR SEBASTIÃO JOAQUIM LIMA BONFIM

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. PECULATO. DOLO. INCLUSÃO INDEVIDA DE GRATIFICAÇÕES NA FOLHA DE PAGAMENTO DE PESSOAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. GESTÃO DO PERÍODO DE 12/07/2006 A 21/12/2006. IRREGULARIDADE DAS CONTAS RECONHECIDA PELO TCE/MA. DECISÃO QUE NÃO INDUZ RESPONSABILIDADE PENAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. LACUNAS NOS RELATÓRIOS TÉCNICOS DO TCE/MA. QUADRO DE DESORDEM ADMINISTRATIVA ORIGINADO EM GESTÕES ANTERIORES. AUSÊNCIA DE PODERES PARA INCLUSÃO, ALTERAÇÃO OU EXCLUSÃO DE VERBAS. IMPLEMENTAÇÃO DE ORDENS ORIUNDAS DA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL. OBEDIÊNCIA A ORDENS MANIFESTAMENTE ILEGAIS. ORDEM DE ANÁLISE NO CONCEITO ESTRUTURAL DE CRIME. APARÊNCIA DE LEGALIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA.

I – É indispensável, para fins de responsabilidade penal, a comprovação do elemento subjetivo – in casu, o dolo –, de modo que o cargo ocupado pelos réus (Diretora Financeira, Coordenador de Recursos Humanos e Chefe de Divisão de Folha de Pagamento, respectivamente) à época dos fatos não implica automática sujeição às penas do crime de peculato, imputado aos acusados em razão de desvios de recursos públicos do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão causados pela inclusão indevida de gratificações na folha de pagamento de pessoal no período de 12/07/2006 a 21/12/2006 (gestão do Desembargador Augusto Galba Falcão Maranhão).

II – Deflagrado processo de julgamento de contas no âmbito do Tribunal de Contas Estadual a partir de relatório encaminhado pelo Conselho Nacional de Justiça, em que apontadas irregularidades na folha de pagamento do Tribunal de Justiça, a superveniência de acórdão que reconhece a irregularidade das contas não enseja, por si só, responsabilidade no campo penal, ante a independência das esferas de responsabilização. Além disso, observa-se dos autos que: a) o TCE/MA sublinhou não ter sido comprovado que os responsáveis se beneficiaram pessoalmente das vantagens pagas a servidores; b) os estudos que subsidiaram o acórdão do TCE/MA são lacunosos, pois os técnicos da Corte de Contas não tiveram acesso a anexos, considerados indispensáveis, da análise feita pelo Conselho Nacional de Justiça, nem examinaram as portarias concessivas das gratificações; c) a acusação não se desincumbiu do ônus de comprovar que o objetivo dos réus foi o de, efetivamente, beneficiar outros servidores.

III – Constatado que os fatos imputados aos denunciados estão inseridos em contexto de desordem administrativa que perpassou várias gestões do Tribunal de Justiça – posto que as verbas listadas na denúncia vinham sendo concedidas indevidamente desde as gestões anteriores e porque vários presidentes se sucederam em pouco mais de um ano –, de rigor, reconhecer que eventual equívoco dos réus situa-se no campo da inépcia administrativa e, não, propriamente, no da ilicitude penal.

IV – De se concluir, pelos relatos orais e demais documentos dos autos, que os réus, apesar dos cargos que ocupavam, não detinham poderes de incluir, alterar ou excluir verbas constantes da folha de pagamento, sem autorização. Ao contrário, o conjunto probatório sinaliza que era o Presidente do Tribunal quem determinava o pagamento das gratificações.

V – Ausente o dolo, aspecto analisado no primeiro elemento do conceito estrutural de crime (fato típico), eventual obediência à ordem manifestamente ilegal (examinada na culpabilidade) não é apta a justificar a condenação. Ainda que assim não fosse, não há que se falar em ordem manifestamente ilegal, quando ela se reveste de “aparência de legalidade”, diante das condicionantes que permeavam a atuação dos réus.

VI – Apelação conhecida e desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores que integram a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade, e em desconformidade com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Participaram do julgamento esta relatora e presidente da Terceira Câmara Criminal, e os senhores Desembargadores Gervásio Protásio dos Santos Júnior e Sebastião Joaquim Lima Bonfim (Revisor).

Sala das Sessões da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís-MA, julgamento finalizado aos três dias de abril de Dois Mil e Vinte e três.

Desembargadora SÔNIA Maria AMARAL Fernandes Ribeiro

Presidente da Terceira Câmara Criminal e Relatora

1 Relatório

Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL contra sentença da 4ª Vara Criminal do Termo Judiciário de São Luís que absolveu os apelados do crime do artigo 312 do Código Penal (peculato-desvio), com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação).

Consta na denúncia que os denunciados, na qualidade de ordenadores de despesa do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão no período de 12/07/2006 a 21/12/2006, incluíram verbas indevidas na folha de pagamento de diversos servidores, o que resultou no desvio de R$ 24.210.427,84 (vinte e quatro milhões, duzentos e dez mil, quatrocentos e vinte e sete reais e oitenta e quatro centavos). As condutas dos apelados foram individualizadas da seguinte forma:

(i) CARMEN TEREZA MARANHÃO SILVA, na qualidade de Diretora Financeira entre 18/07/2006 e 27/03/2007, além de ter recebido verbas indevidas, teria efetuado, via rede bancária, o pagamento da folha de pessoal e participado efetivamente dos atos de manipulação da folha de pagamento, pois tinha acesso à sua confecção e poder de autorizar alterações;

(ii) JOSÉ ANTÓNIO FONSECA RAMOS, na qualidade de Coordenador de Recursos Humanos entre 12/07/2006 e 10/09/2007, além de ter recebido verbas indevidas, teria efetuado a preparação das folhas de pagamento e a implantação de verbas indevidas;

(iii) GORETE MARIA RODRIGUES REGO, na qualidade de Chefe de Divisão de Folha de Pagamento entre 12/07/2006 e 17/04/2007, além de ter recebido verbas indevidas, teria sido a responsável pelas confirmações dos lançamentos indevidos e pela alteração, mediante senha própria, dos dados das folhas de pagamento.

O Órgão Ministerial sustenta a responsabilidade penal dos agentes públicos listados em razão de conclusões extraídas do acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (Acórdão PL-TCE nº 167/2014), que julgou irregulares as contas da gestão do Presidente do Tribunal de Justiça à época, o Desembargador Augusto Galba Falcão Maranhão. A Corte de Contas, nessa decisão, apontou as irregularidades abaixo arroladas:

(i) Verba 141 (gratificação por condições especiais de trabalho) e verba 341 (diferença gratificação por condições especiais de trabalho) concedidas de forma genérica;

(ii) Verba 198 (gratificação técnica do Judiciário) concedida a servidores requisitados;

(iii) Verba 140 (adicional pela prestação de serviços extraordinários) e verba 340 (diferença do adicional pela prestação de serviços extraordinários) concedidas como parcela fixa do salário;

(iv) Concessão a servidores do Judiciário da verba 188 (gratificação por execução de trabalho técnico científico) e da verba 388 (diferença da gratificação de execução de trabalho técnico científico), embora exclusivas dos servidores do Poder Executivo;

(v) Verba 198 (gratificação técnica do Judiciário) concedida em percentual superior ao limite máximo de 100%;

(vi) Verba 122 (gratificação de representação) concedida a servidores não pertencentes ao cargo de oficial de justiça;

(vii) Verba 127 (gratificação técnica) concedida a servidores não ocupantes de cargos de nível superior;

(viii) Verba 147 (gratificação de risco de vida) e verba 347 (diferença de gratificação de risco de vida) concedidas em desconformidade com o artigo 91 da Lei de nº 6.107/1994;

(ix) Verba 116 (adicional de insalubridade) concedida em desconformidade com os artigos 95 a 102 da Lei de nº 6.107/1994;

(x) Verba 189 (ajuda de custo), verba 301 (diferença de vencimento) e verba 340 (diferença adicional pela prestação de serviços extraordinários) concedidas em desconformidade com a legislação em vigor;

(xi) Verba 198 (gratificação técnica judiciária) concedida a servidores optantes pela remuneração do cargo comissionado;

(xii) Verba 198 (gratificação técnica judiciária) e diferença de vencimento pagos de forma indevida à servidora à disposição do Tribunal de Justiça;

(xiii) Verba 324 (diferença de gratificação pelo exercício de cargo comissionado) e verba 327 (diferença de gratificação técnica) concedidas sem amparo legal para alguns servidores;

(xiv) Recebimento, por servidores exonerados, das verbas: diferença de vencimento, diferença de adicional por tempo de serviço, diferença de adicional por serviço extraordinário, diferença de representação de cargo e diferença de gratificação técnica judiciária.

Após instaurada notícia de fato no âmbito do Ministério Público e reunidos diversos documentos oriundos da Corte de Contas Estadual, os apelados foram denunciados, processados e absolvidos após transcurso regular da instrução processual. Quanto ao Desembargador Augusto Galba Falcão Maranhão, não houve, sequer, deflagração da persecução penal, em virtude da extinção da pretensão punitiva estatal pela prescrição.

1.1 Argumentos do apelante

1.1.1 Demonstrado, pelos autos, o dolo dos réus, em decorrência dos seguintes aspectos: a) as irregularidades apontadas no acórdão do Tribunal de Contas Estadual evidenciam a finalidade de desviar recursos em proveito alheio; b) os servidores...

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