Acórdão Nº 0039110-92.2013.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 20-02-2020

Número do processo0039110-92.2013.8.24.0038
Data20 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0039110-92.2013.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato

APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. CRIME CONTRA A VIDA. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS PELO MOTIVO TORPE E PELA UTILIZAÇÃO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA (ART. 121, § 2º, INCISOS I E IV, DO CÓDIGO PENAL), NAS MODALIDADES TENTADA E CONSUMADA. RECURSO DA DEFESA. PRETENDIDA A ANULAÇÃO DO JULGAMENTO POR SER A DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. VÍCIO VERIFICADO. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. PRINCÍPIO QUE GUARDA VALOR MERAMENTE RELATIVO. IMPUTABILIDADE DO ACUSADO QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NO CONJUNTO PROBATÓRIO COLIGIDO NOS AUTOS AO TEMPO DO JULGAMENTO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

O princípio constitucional da soberania dos veredictos (artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "c", da Constituição Federal) ostenta valor meramente relativo, não autorizando decisões arbitrárias, em completa dissonância do suporte probatório produzido nos autos, sob pena de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0039110-92.2013.8.24.0038, da comarca de Joinville Tribunal do Júri em que é Apelante Magner Korilo e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de anular a decisão do Conselho de Sentença, por ser manifestamente contrária à prova dos autos, e submeter o acusado Magner Korilo a novo julgamento perante o Tribunal do Júri. No mais, recomenda-se ao Magistrado a quo que nomeie novo perito judicial, a fim de apurar a sanidade mental do acusado. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Carlos Alberto Civinski, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva.

Funcionou na sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Lio Marcos Marin.

Florianópolis, 20 de fevereiro de 2020.

Assinado digitalmente

Desembargador Paulo Roberto Sartorato

Relator


RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, com base no incluso Inquérito Policial, ofereceu denúncia em face de Magner Korilo, devidamente qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, § 2°, incisos I e IV, do Código Penal, por duas vezes, uma delas na forma tentada (art. 14, inciso II, do Código Penal), pelos fatos assim narrados na peça exordial acusatória, in verbis (fls. 01/03):

Consoante consta do incluso procedimento policial, no dia 9 de novembro de 2012, por volta das 20 horas, o denunciado, acompanhado de terceira pessoa ainda não identificada, com quem agia em unidade de desígnios, dirigiu-se à residência situada na Rua Montezuma de Carvalho, n. 126, Bairro Iririú, nesta Cidade e Comarca, e lá, após o indivíduo não identificado render a família da vítima Jorge Bahia, mantendo-os sob a mira de uma arma de fogo, o denunciado encaminhou-se à residência dos fundos, onde encontrou a vítima Douglas Bahia e questionando-o acerca de seu irmão Rafael Bahia, efetuou disparos de arma de fogo que ocasionaram as lesões descritas no laudo pericial de exame cadavérico de fls. 52/54, que foram a causa de sua morte.

Ao ouvir os disparos e ver o denunciado sair correndo da residência, a vítima Jorge levantou-se, oportunidade em que o denunciado, imbuído por animus necandi, efetuou um disparo de arma de fogo em sua direção, atingindo-lhe na região cervical (fl. 106 e 117/122). O resultado morte somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, na medida em que o disparo não atingiu região vital e a vítima Jorge recebeu pronto atendimento médico.

O motivo dos crimes foi torpe. O denunciado pretendia vingar-se do homicídio que vitimou seu irmão Marcos Korilo, cuja autoria é imputada a Rafael Bahia, filho e irmão das vítimas Jorge e Douglas, respectivamente.

Os crimes foram cometidos de modo a dificultar a defesa das vítimas, já que o denunciado e seu comparsa invadiram a residência das vítimas armados e colheram-nas sem que elas pudessem esboçar qualquer reação de defesa ou fugir.

Encerrada a instrução processual, a MMa. Juíza a quo, por intermédio da sentença de fls. 255/261, admitiu a denúncia para pronunciar o acusado como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, uma vez na forma consumada e uma vez na forma tentada (art. 14, inciso II, do Código Penal), concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade.

Transitada em julgado a decisão de pronúncia (fl. 274), o acusado foi submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, onde restou condenado à pena de 24 (vinte e quatro) anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes previstos no artigo 121, § 2º, incisos I e IV, e artigo 121, § 2º, incisos I e IV, c/c artigo 14, inciso II, ambos c/c artigo 69, todos do Código Penal, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (fls. 356/359).

Inconformada, a defesa do réu interpôs recurso de apelação (fl. 366). Nas respectivas razões de irresignação, a defesa pugnou pela anulação do julgamento, sob a tese de que a decisão dos jurados apresentou-se manifestamente contrária à prova dos autos, uma vez que o laudo pericial atestou a inimputabilidade do acusado. Subsidiariamente, clamou pela aplicação da ficção jurídica relativa à continuidade delitiva entre os crimes praticados (fls. 436/446).

Apresentadas as contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso defensivo (fls. 454/464).

Após, os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Aurino Alves de Souza, opinado pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de que a sentença recorrida seja cassada, determinando-se que o apelante seja submetido a novo julgamento (fls. 472/477).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso de apelação sob análise volta-se contra a sentença de primeiro grau que, fiel à deliberação do Conselho de Sentença, condenou o acusado Magner Korilo quanto à prática dos delitos previstos no artigo 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, contra a vítima Douglas Bahia; e artigo 121, § 2º, incisos I e IV, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal, contra a vítima Jorge Bahia.

O apelo merece ser conhecido, uma vez que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Sustenta a defesa do réu/apelante que o julgamento efetuado pelo Tribunal do Júri mostrou-se contrário à prova dos autos, uma vez que o laudo pericial atestou a inimputabilidade do acusado e os jurados responderam negativamente ao respectivo quesito.

Por tais razões, requereu a anulação do julgamento.

O pleito recursal encontra cabimento no artigo 593, inciso III, alínea "d", do Código de Processo Penal, que assim dispõe:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

[...] III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:

[...] d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

A referida hipótese objetiva impedir decisão arbitrária por parte dos jurados, proferida em dissonância do conjunto probatório produzido nos autos.

Significa dizer que a previsão constitucional de julgamento, pela instituição do júri, dos crimes dolosos contra a vida, e sua regência, entre outros princípios, pela soberania dos veredictos - conforme disposto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "c", da Constituição Federal - não permite decisões proferidas em desacordo com os elementos constantes dos autos.

A soberania dos vereditos representa, portanto, a "[...] impossibilidade de o tribunal técnico modificar a decisão dos jurados pelo mérito", mas não chancela decisões arbitrárias, por ser um princípio relativo, que "não pode obstar o princípio informador do processo penal, qual seja, a busca da verdade real" (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 631-632).

Assim o é porque os rigores processuais, a par de configurarem garantia ao acusado de que terá seus direitos assegurados, não sendo privado de sua liberdade arbitrariamente, representam, também, garantia à sociedade de que verá a persecução criminal devidamente buscada.

Nesse contexto, a prova visa a aproximar, tanto quanto possível, a decisão final à...

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