Acórdão nº 0041885-89.2017.8.11.0042 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Terceira Câmara Criminal, 25-10-2023
Data de Julgamento | 25 Outubro 2023 |
Case Outcome | Provimento |
Classe processual | Criminal - APELAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS |
Órgão | Terceira Câmara Criminal |
Número do processo | 0041885-89.2017.8.11.0042 |
Assunto | Leve |
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL
Número Único: 0041885-89.2017.8.11.0042
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Assunto: [Leve, Injúria]
Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI
Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). RONDON BASSIL DOWER FILHO]
Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), ALEXANDRE BORGES DE SOUZA - CPF: 016.962.661-06 (APELADO), JOSEMAR HONORIO BARRETO JUNIOR - CPF: 866.064.171-04 (ADVOGADO), KEILIANE DA SILVA - CPF: 043.555.721-10 (VÍTIMA), FLAVIO JOSE FERREIRA - CPF: 209.127.901-30 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO.
E M E N T A
RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – LESÃO CORPORAL LEVE E INJÚRIA RACIAL – ABSOLVIÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 140, § 3º, DO CP POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA E DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA PARA O JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL – CONDENAÇÃO PELO CRIME DE INJÚRIA RACIAL – PROCEDÊNCIA –MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS – PALAVRA DA VÍTIMA HARMÔNICA E COESA CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA – TERMO OFENSIVO E VEXATÓRIO ATRIBUÍDO À VÍTIMA REFERENTE À COR DA PELE E/OU RAÇA – DEMONSTRADO O ANIMUS INJURIANDI DO RÉU – CASSAÇÃO DA DECISÃO E REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO A QUO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Comprovada a materialidade e a autoria delitivas não há falar em absolvição, notadamente quando demonstrado que o termo “encardida” utilizado pelo réu foi ofensivo e vexatório, posto que referiu-se à cor da pele e/ou raça da vítima, portanto, demonstrado o animus injuriandi.
Nos crimes de injúria racial e nos demais delitos que não deixam vestígios, a palavra da vítima merece especial relevância, especialmente quando apresentada de forma harmônica e coesa, além de estar corroborada pelas provas testemunhais colhidas.
Recurso ministerial conhecido e provido.
R E L A T Ó R I O
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
APELADO: ALEXANDRE BORGES DE SOUZA
R E L A T Ó R I O
EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI
Egrégia Câmara:
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL recorre da r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 8ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, que nos autos da ação penal nº 0041885-89.2017.8.11.0042, absolveu o réu ALEXANDRE BORGES DE SOUZA da imputação do crime de injúria racial, prevista no art. 140, §3º, do Código Penal (antes das alterações da Lei n.º 13.532/2023), com fundamento no art. 386, VII, CPP.
Nas razões recursais, acostadas ao ID 168675171, o i. Ministério Público pleiteia a condenação do acusado nos moldes da denúncia, a fim de que seja condenado também pela prática do crime de injúria racial, sustentando a suficiência de provas.
Em contrarrazões vistas no ID 168675173, a defesa refuta os argumentos do parquet e requer a manutenção da absolvição quanto ao delito em apreço.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de ID 173439696, opina pelo provimento do recurso ministerial, a fim de que o apelado seja incurso, também, no art. 2º-A da Lei nº 7.716/89 (antiga redação prevista no art. 140, §3º, do CP).
É o relatório.
À douta Revisão.
V O T O R E L A T O R
VOTO
EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Ab initio deve-se registrar que o recurso em apreço é tempestivo, fora interposto por aquele que tinha interesse e legitimidade para fazê-lo, e o meio processual escolhido mostra-se adequado e necessário para se atingir os objetivos perseguidos, razão pela qual deve ser conhecido o apelo ministerial, uma vez presentes os requisitos objetivos e subjetivos para a sua admissibilidade.
Ressai da denúncia (ID 168674180 – pág. 6/10), que no dia 25/10/2017, por volta das 11h30min, no Buffet Leila Malouf, situada na Rodovia Helder Cândia, nº 2044, bairro Ribeirão do Lipa, nesta Capital, o apelado ALEXANDRE BORGES DE SOUZA, com consciência e vontade, ofendeu a integridade física da vítima Keiliane da Silva, causando-lhe lesões corporais de natureza leve e na mesma ocasião o acusado ciente da ilicitude e reprovabilidade da sua conduta, INJURIOU a vítima Keiliane, ofendendo-lhe a dignidade, utilizando elementos referentes a raça e cor, pois a chamou de “encardida”.
Segundo a proposição ministerial, o réu e a ofendida estavam em seu local de trabalho, e, na data mencionada, depois que ela esbarrou no acusado foi surpreendida com dois chutes, na região da coxa, e ele ainda jogou um papel toalha em seu rosto, momento em que revidou, jogando o papel contra ele. Em ato contínuo, o recorrido empurrou a vítima contra a parede e apertou-lhe o pescoço, causando-lhe lesões corporais.
Consta que nessa mesma ocasião o acusado ALEXANDRE proferiu insultos com conotação racista contra a honra subjetiva da vítima, ofendendo-lhe o decoro.
Por esses fatos, o apelado foi denunciado pela prática dos crimes de lesão corporal e de injúria racial, ao que se seguiu o devido processo legal, culminando na procedência parcial da pretensão punitiva estatal e na sua absolvição como incurso nas penas do crime previsto no art. 140, § 3º, do Código Penal, com esteio na insuficiência probatória, conforme dispõe o art. 386, VII, do CPP, contexto em que o Ministério Público exsurge inconformado perante esta instância revisora, nos termos já relatados.
Destarte, o d. Juízo a quo declinou a competência em relação ao delito sobressalente para o Juizado Especial Criminal (ID 168675161).
Feitas essas breves digressões, passo à análise do mérito.
O órgão ministerial, inconformado com a sentença, sustenta em suas razões recursais que há provas robustas nos autos que ampararam a condenação do apelado também pelo delito de injúria racial.
Com a detida análise das provas carreadas ao presente feito, observo que a pretensão ministerial merece amparo.
Oportuno consignar, de início, o que foi bem ponderado no parecer ministerial, que a Lei nº 13.532/2023, de 11/01/2023, alterou a redação do artigo 140, § 3°, do Código Penal, para a seguinte: “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência”, ou seja, retirou as elementares “raça, cor, etnia e origem”.
Contudo, houve a continuidade típico-normativa, pois o diploma legal citado acrescentou na Lei nº 7.716/89 (Lei do crime racial), o artigo 2°-A, dispondo: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa”.
Nota-se, porém, que a pena foi agravada em relação a redação anterior do Código Penal, que previa pena de um a três anos de reclusão, de modo que no presente caso aplicar-se-á a norma mais benéfica.
A materialidade do delito de injúria ficou demonstrada por meio do boletim de ocorrência (ID 168674181 – pág. 4); manifestação de vontade de representar o réu criminalmente (ID 168674181 – pág. 5/6); e pelas provas orais produzidas durante a persecução penal.
Já a autoria delitiva ficou comprovada pelo conjunto fático-probatório carreado aos autos; ressalte-se a palavra da vítima, que foi apresentada de forma coesa e harmônica nas duas fases processuais, e foi corroborada pela prova testemunhal colhida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
O crime de injúria configura-se quando o agente ofende alguém, atingindo a sua dignidade ou decoro, e tem como bem jurídico a honra da vítima, especialmente em seu aspecto subjetivo. Além do mais, qualifica-se, dentre outras hipóteses, no caso de “injúria preconceituosa”, quando há o uso de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência,...
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