Acórdão Nº 0045746-74.2013.8.24.0038 do Segunda Câmara de Direito Civil, 27-02-2020

Número do processo0045746-74.2013.8.24.0038
Data27 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0045746-74.2013.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Rubens Schulz

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C DANO MATERIAL E DANO MORAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DA AUTORA.

INOVAÇÃO RECURSAL. PEDIDO QUE NÃO FOI OBJETO DA PETIÇÃO INICIAL. NÃO CONHECIMENTO.

PRETENSÃO FUNDADA NO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. ARGUMENTO DE CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO, CONSERVAÇÃO E VIGILÂNCIA DO IMÓVEL DA RÉ. CONTRAPRESTAÇÃO CONSISTENTE NA TRANSFERÊNCIA DE FRAÇÃO DO IMÓVEL UTILIZADO PELA AUTORA COMO SERVIDÃO DE PASSAGEM PARA OUTRA EDIFICAÇÃO NOS FUNDOS DO SEU TERRENO. INSUBSISTÊNCIA. FALTA DE PROVA ESCRITA DA CONTRATAÇÃO E DA EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS ALEGADOS. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE NÃO CORROBORA A NARRATIVA DA AUTORA. ADEMAIS, SERVIDÃO DE PASSAGEM NÃO DEMONSTRADA.

REQUERIMENTO DE REFORMA DO DECISUM FORMULADO EM SEDE DE CONTRARRAZÕES. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PLEITO DA RÉ PREJUDICADO.

MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.

RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0045746-74.2013.8.24.0038, da comarca de Joinville (6ª Vara Cível), em que é Apelante Cecília de Oliveira Cercal e Apelada Imobiliária Zattar Ltda.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer, em parte, e negar provimento ao recurso. Fixa-se, a título de honorários recursais, em favor do patrono da autora, o percentual de 20% (vinte por cento) sobre o valor dos honorários arbitrados em primeira instância, suspensa a exigibilidade em razão da justiça gratuita concedida à apelante/autora na origem. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Jorge Luis Costa Beber, presidente com voto, o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz e a Exma. Sra. Desa. Rosane Portella Wolff.

Florianópolis, 27 de fevereiro de 2020.

Desembargador Rubens Schulz

RELATOR

Documento assinado digitalmente

Lei n. 11.419/2006


RELATÓRIO

Cecília de Oliveira Cercal ajuizou "ação indenizatória por perdas e danos" em face de Imobiliária Zattar Ltda., sob o argumento de descumprimento de contrato verbal de prestação de serviços de manutenção de imóvel de titularidade da ré. Alegou a inadimplência da contraprestação do pacto, consistente na transmissão da propriedade de parte de área do imóvel utilizado como servidão de passagem. Sustentou que o imóvel foi vendido para terceiros, de modo que inviabilizou a entrada a outro bem pertencente à filha da autor. Formulou os pedidos de condenação da ré ao pagamento de 1 (um) salário mínimo mensal decorrente dos serviços prestados, pelo período de 19 (dezenove) anos e 4 (quatro) meses; a indenização do dano moral sofrido; e a concessão da assistência judiciária gratuita.

O benefício da justiça gratuita restou deferido em favor da autora; sendo ordenada a citação (fl. 22).

Devidamente citada, a ré ofereceu contestação. Ventilou a prejudicial de prescrição. No mérito, suscitou a inexistência de contrato celebrado com a autora. Enfatizou a ausência de servidão de passagem, sendo mero ato de tolerância. Também aduziu que a autora não comprovou a autorização dos serviços na área contígua ao imóvel da ré, assim como a execução de qualquer trabalho. Na hipótese de procedência da demanda, requereu o abatimento de aluguel mensal a ser fixado em virtude do uso do imóvel que pertencia à ré (fls. 26-41).

Houve réplica (fls. 59-64).

Foi determinada a intimação das partes para especificação de provas a produzir (fls. 66-69). A autora pleiteou pela oitiva de testemunhas (fl. 72). Por outro lado, a ré disse que os fatos alegados na exordial não poderiam ser demonstrados por prova testemunhal (fl. 73).

Realizou-se audiência de instrução e julgamento, na qual foram ouvidas duas testemunhas da autora e uma da parte ré (fl. 84).

As partes apresentaram alegações finais (fls. 88-91 e 92-97).

Sobreveio a sentença de improcedência da ação, sendo a autora condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 6º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade ficou suspensa por motivo da concessão da justiça gratuita, com fulcro no art. 98, § 3º, do mesmo diploma legal (fls. 118-131).

Inconformada com a prestação jurisdicional, a autora interpôs recurso de Apelação Cível. Em síntese, afirma que a prestação de serviços está devidamente comprovada por mais de 20 (vinte) anos, o que prescinde de prova documental; e ressalta que as testemunhas ouvidas em juízo confirmam o direito da autora. Pugna: (A) pela procedência da reparação dos danos material e moral; (B) a condenação aos ônus de sucumbência, arbitrando-se os honorários advocatícios em 20% (vinte por cento) do valor da causa e das custas judiciais; (C) e a condenação da ré, ao pagamento de indenização por dano material proporcional ao valor comercial da área perseguida (fls. 134-139).

A ré apresentou contrarrazões. Roga pelo reconhecimento da prescrição, extinguindo-se o feito; e quanto ao mérito, a manutenção da decisão de improcedência (fls. 142-149).

Os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça.

Vieram conclusos.

Este é o relatório.


VOTO

1 ADMISSIBILIDADE RECURSAL

Inicialmente, cumpre julgar prejudicado o requerimento expresso no item C do recurso. Trata-se de inovação recursal, sendo que o pedido não consta da petição inicial.

Deixa-se de conhecer do recurso neste tópico.

No mais, porque presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se ao exame do seu objeto à luz das disposições do Código de Processo Civil de 2015, tendo em vista que a sentença recorrida foi publicada já na sua vigência (4-5-2018 - fl. 132).

2 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Ao introito, tem-se que a insurgência recursal não merece prosperar.

Depreende-se do caderno processual que a apelante não logrou êxito em demonstrar o fato constitutivo do seu direito, à luz do art. 373, inc. I do Código de Processo Civil.

Em análise ao conjunto probatório que instrui a petição inicial, constata-se que ausente a prova documental imprescindível sobre a celebração de contrato de prestação de serviços por tempo indeterminado, mediante a contraprestação de transferência da propriedade de fração do imóvel da apelada. De igual modo, não comprovou que a transmissão de parte deste bem foi ajustada em substituição ao pagamento mensal da quantia equivalente a 1 (um) salário mínimo devida pelos serviços executados.

A apelante coligiu ao processo somente uma declaração emitida pela apelada em 20-10-1992, que dispõe (fl. 17):

Autorizamos o Senhor Lauro de Oliveira Cercal e a esposa Cecília de Oliveira Cercal, a cuidarem da área de nossa propriedade, situada nos fundos da casa do mesmo da qual nos foi vendida conforme escritura para na mesma área, não entre e nem permaneça pessoas estranhas sem nossas autorização. (sic).

Também apresentou um desenho para ilustrar a passagem utilizada (fl. 18). Porém, o mesmo sequer pode ser considerado como a planta baixa dos imóveis contíguos, sendo que descreve as dimensões de forma desproporcional e não atende ao fim almejado pela apelante.

Ainda, juntou fotos da suposta servidão de passagem e da posterior alteração do acesso em razão da alienação do imóvel da apelada para terceiros - sem indicação das datas (fls. 19-20).

Com o máximo respeito, tem-se que esses documentos não comprovam a celebração da prestação de serviços. Os fatos narrados e provas produzidas pela apelante não vinculam a apelada, não existe liame para o reconhecimento da relação contratual entre as partes.

Destaca-se que a apelante não trouxe aos autos qualquer elemento escrito capaz de aferir que fez algum tipo de serviço de conservação e manutenção detalhado na exordial: "[...] a Autora e seu cônjuge começaram não somente a zelar pela propriedade executando todos os serviços solicitados, como também suportando as despesas decorrentes de consertos das cercas, roçadas e outros, sem nunca ter cobrado por isso" (fl. 3).

A declaração de fl. 17 não conduz à conclusão diversa, mormente porque prevê que a apelante e o seu cônjuge (que veio à óbito posteriormente) estavam autorizados a cuidar do imóvel de propriedade da apelada com intuito de evitar a sua invasão. Por obvio que o objeto era a preservação da posse da apelada.

No referido documento, as partes não convencionaram obrigações recíprocas de serviços de vigilância e manutenção do imóvel a título oneroso, isto é, com a respectiva contraprestação. Além do mais, as expressões "cuidarem" e "não entre e nem permaneça pessoas estranhas sem nossas autorização" (sic) nem mesmo definem a maneira como a apelante eventualmente agiu, no sentido de apenas avisar que o imóvel estava sendo ocupado, ou efetivamente auxiliar a sua desocupação ilegal por terceiro.

Nada obstante, tais pontos nebulosos da dita autorização são irrelevantes no litígio, porquanto a pretensão está baseada no descumprimento de contrato de prestação de serviços de manutenção e conservação, e não na posse do imóvel.

No caso em apreço, a prova exclusivamente testemunhal não pode ser admitida para demonstrar a contratação verbal dos serviços, notadamente porque excede o décuplo do salário mínimo vigente à época. Frisa-se que a apelante sustenta que o negócio jurídico alcançou 19 (dezenove) anos e 4 (quatro) meses, dos quais busca o pagamento mensal.

Nesse trilhar, a demanda deveria estar amparada em início de prova documental, com espeque no art. 227, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece: "Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito". Como fundamentado alhures, o documento de fl. 17 nada comprova. De mais a...

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