Acórdão Nº 0046712-14.2015.8.24.0023 do Quarta Câmara Criminal, 09-12-2021

Número do processo0046712-14.2015.8.24.0023
Data09 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0046712-14.2015.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

APELANTE: GIOVANI BARP GARCIA (RÉU) APELANTE: HUMBERTO DE CAMPOS JUNIOR (RÉU) APELANTE: JERRI RODRIGUES MEIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: IAN CHARLES BIRD (OFENDIDO)

RELATÓRIO

Na comarca da Capital, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Giovani Barp Garcia, Jerri Rodrigues Meira e Humberto de Campos Júnior, imputando-lhes a prática dos delitos capitulados no art. 158, §§ 1º e 2º c/c o art. 157, § 3º, primeira parte, e no art. 148, caput, § 2º, todos do Código Penal, em concurso material, pois, segundo consta na denúncia:

No ano de 2014, o denunciado Giovani Barp Garcia foi procurado por Ian Charles Bird (58 anos) para auxiliar profissionalmente na implantação e estruturação de uma empresa estrangeira no Brasil, especificamente nesta cidade de Florianópolis. Durante algum tempo, Ian Charles Bird e Giovani Barp Garcia atuaram conjuntamente na atividade empresarial voltada ao ramo comercial (fls. 134-240), porém, por motivos ainda não bem esclarecidos nos autos, num determinado instante de convivência o denunciado Giovani Barp Garcia e Ian Charles Bird se desentenderam e romperam relações profissionais e pessoais.

Neste contexto, no dia 10 de julho de 2015, por volta das 9h, os denunciados Giovani Barp Garcia, Jerri Rodrigues Meira e Humberto de Campos Junior, todos previamente ajustados e unidos por propósito comum, se dirigiram em um veículo VW/Golf, de cor branca, de propriedade do primeiro, até a residência de Ian Charles Bird, localizada na R. Crisógono Vieira da Cruz, n. 24, no bairro Lagoa da Conceição, nesta Capital, onde passaram a executar o plano criminoso idealizado para extorquir o ex-parceiro empresarial do primeiro denunciado e obterem vantagem econômica indevida.

Em dado momento, os denunciados avistaram quando Ian Charles Bird saiu do seu apartamento caminhando, oportunidade em que passaram a segui-lo. Quando já chegavam nas cercanias da agência do banco Itaú, localizado na esquina da R. Crisógono Vieira da Cruz com a Av. Afonso Dalambert Neto, no bairro Lagoa da Conceição, nesta Capital, o denunciado Jerri Rodrigues Meira, em conluio com os demais comparsas, saiu do veículo VW/Golf, dando início à execução do crime, e rumou em direção à vítima para abordá-la, a qual, percebendo se tratar de situação de risco, tentou empreender fuga correndo. Durante essa tentativa de evasão, o denunciado Jerri Rodrigues Meira empurrou a vítima Ian Charles Bird, que tombou ao solo, sofrendo "fratura multifragmentada e quatro partes do terço proximal do úmero direito, com desvio de fragmentos ósseos, comprometendo o colo cirúrgico, tubérculo maior e menor e com incongruência articular", acarretando-lhe lesão corporal grave pela severa debilidade permanente do membro superior direito (Exames de Corpo Delito de fls. 112, 254 e 296).

Mesmo diante da grave lesão experimentada pelo ofendido, os denunciados, todos unidos pelo mesmo objetivo, continuaram a senda criminosa, passando o denunciado Giovani Barp Garcia a unir-se à ação de Jerri Rodrigues Meira com agressões e ofensas verbais e físicas, inclusive desferindo tapas, 'puxões e empurrões' contra a vítima Ian Charles Bird, constrangendo-o e compelindo-o, mediante violência e grave ameaça, com o intuito de obter vantagem econômica indevida, a assinar contratos, termos e instrumentos de confissão de dívidas, que tornavam o primeiro (Giovani) credor do ofendido (Ian Charles) no montante total de de R$ 1.678.800,00 (um milhão, seiscentos e setenta e oito mil e oitocentos reais), além de repassar porcentagens de negócios de suas empresas. Toda a ação, executada pelos denunciados Giovani Barp Garcia e Jerri Rodrigues Meira, era acompanhada pelo codenunciado Humberto de Campos Júnior, que a tudo aderiu subjetivamente e aguardava no automóvel VW/Golf cumprindo com a função de motorista, inclusive para o desenvolvimento da etapa posterior da ação criminosa.

Desesperado em razão da lesão sofrida, e das constantes ameaças proferidas por Giovani Barp Garcia e Jerri Rodrigues Meira, a vítima Ian Charles Bird assinou os documentos apresentados pelos denunciados (fls. 66-109), tendo, na sequência, sido colocado à força dentro do veículo VW/Golf, dirigido pelo denunciado Humberto de Campos Júnior.

Ato contínuo, os denunciados Giovani Barp Garcia, Jerri Rodrigues Meira e Humberto de Campos Júnior, restringindo a liberdade da vítima Ian Charles Bird por tempo juridicamente relevante e empregando grave ameaça, rumaram no veículo VW/Golf desde o bairro Lagoa da Conceição para uma serventia extrajudicial, com a finalidade de autenticar a assinatura nos documentos assinados.

Durante a privação da liberdade da vítima Ian Charles Bird, os denunciados Giovani Barp Garcia, Jerri Rodrigues Meira e Humberto de Campos Júnior impingiram grave sofrimento moral ao ofendido, com o emprego de ameaças contra a sua permanência no território nacional, alegando inclusive que conheciam um agente da polícia federal, contextualizando tal fato com a sua situação de estrangeiro residente no país. Além disso, os denunciados ameaçavam a vítima dizendo-lhe que atentariam contra a sua dignidade sexual, causando, também desta forma, intenso sofrimento moral.

Porém durante o trajeto, nas cercanias do Cemitério Municipal São Francisco de Assis, no bairro Itacorubi, foram abordados por uma viatura da polícia militar, que havia sido acionada via COPOM (fls. 56-60), oportunidade em que o ofendido Ian Charles Bird saiu do veículo VW/Golf, desesperado e com dificuldade de expressar-se na língua portuguesa, e pediu auxílio aos policiais. Por conta disso, foram todos encaminhados à Delegacia de Polícia (Evento 23, PET303, autos originários).

Finalizada a instrução, o Magistrado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na denúncia, para:

a) Condenar Giovani Barp Garcia ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 13 (treze) dias-multa, fixados no mínimo legal, pela prática do crimes previstos no art. 158, §§ 1º e 2º c/c o art. 157, § 3º, e no art. 148, caput, todos do Código Penal, em concurso material, nos termos do art. 69, caput, do mesmo diploma;

b) Condenar Jerri Rodrigues Meira à sanção corporal de 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 13 (treze) dias-multa, fixados no mínimo legal, por infração ao art. 158, §§ 1º e 2º c/c o art. 157, § 3º, e ao art. 148, caput, todos do Código Penal, na forma do art. 69, caput, do mesmo diploma; e

c) Condenar Humberto de Campos Júnior ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 12 (doze) anos e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 69 (sessenta e nove) dias-multa, fixados no mínimo legal, bem como à perda cargo público, nos termos do art. 92, "a" e "b", do Código Penal, pelo cometimento dos delitos esculpidos nos art. 158, §§ 1º e 2º c/c o art. 157, § 3º, e ao art. 148, caput, todos do Código Penal, nos termos do art. 69, caput, do mesmo diploma (Evento 373, SENT687, autos originários).

Inconformados com a prestação jurisdicional, os réus interpuseram apelações criminais.

Em suas razões recursais, Giovani Barp Garcia, preliminarmente, solicitou a decretação da nulidade do feito ab initio, por inobservância às regras contidas nos arts. 5º, LIV, da Constituição Federal, e nos arts. 101, 254, I, 258, 564, I, 567 e 571, II, do Código de Processo Penal, uma vez que os atos iniciais do processo foram conduzidos por Promotor de Justiça e Magistrado declarados incompetentes, bem como porque, posteriormente, fora declarada a incompetência da 1ª Vara Criminal da Capital, com a remessa dos autos à Vara Criminal Metropolitana, sem que houvesse a ratificação fundamentada ou nova realização dos atos processuais anteriores. No ponto, caso acolhida a preliminar, pleiteou a designação do Promotor de Justiça Joubert Odebrecht para atuar no feito. Quanto ao mérito, buscou a absolvição, sustentando a insuficiência de provas para embasar a condenação, bem como a atipicidade das condutas, por ausência de dolo e inexistência de vantagem indevida. Alternativamente, almejou a desclassificação dos crimes de extorsão e sequestro para as condutas de constrangimento ilegal ou exercício arbitrário das próprias razões, previstas nos arts. 146 e 345, caput, do Código Penal. Ainda, solicitou a aplicação do princípio da consunção, com a absorção do crime de sequestro pelo de extorsão. Outrossim, requereu o decote, na primeira fase do cálculo dosimétrico, do incremento da pena correspondente ao reconhecimento da qualificadora prevista no art. 158, § 2º, do Código Penal, porquanto as lesões corporais apresentadas pela vítima teriam sido por ela provocadas, ao cair ao chão. No tocante à segunda fase, pleiteou a incidência da atenuante da confissão espontânea, com a consequente compensação com a causa de aumento inserta no art. 158, § 1º, do Código Penal. No mais, clamou pelo afastamento do concurso material de crimes, com a aplicação das regras do concurso formal ou da continuidade delitiva. Por conseguinte, demandou pela imposição do regime inicial semiaberto (Evento 14, RAZAPELA1, fls. 1-53).

Humberto de Campos Júnior, da mesma forma, arguiu, preliminarmente, a nulidade dos atos processuais, em razão da incompetência absoluta do Magistrado, Marcelo Carlin, e do Promotor de Justiça, Rafael de Moraes Lima. bem como diante da incompetência da 1ª Vara Criminal da Capital. No que tange ao mérito, pleiteou a absolvição, sustentando a ausência de provas de que teria agido em coautoria com os demais acusados. De modo subsidiário, pugnou pela desclassificação dos delitos imputados para os crimes de exercício arbitrário das próprias razões ou constrangimento ilegal, além da incidência do princípio da absorção entre os crimes...

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