Acórdão nº 0066836-70.2014.8.14.0301 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 09-05-2023

Data de Julgamento09 Maio 2023
Órgão2ª Turma de Direito Privado
Year2023
Número do processo0066836-70.2014.8.14.0301
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
AssuntoIndenização por Dano Material

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0066836-70.2014.8.14.0301

APELANTE: ATHENAS CONSTRUCOES E INCORPORACOES LTDA.

APELADO: CASTRICIANO COUTO SAMPAIO, JOSEFA DE FATIMA DIAS SAMPAIO

RELATOR(A): Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ATRASO NA ENTREGA DE OBRA. EDIFÍCIO “ATHENEA'S GARDEN”. INSURGÊNCIA CONTRA A DECLARAÇÃO DE ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL PREVENDO TOLERÂNCIA DE 360 DIAS. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. INVOCAÇÃO DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CASO FORTUITO E FORÇA. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS. NÃO CABIMENTO DAS INSURGÊNCIAS. ATRASO NA ENTREGA DO EMPREENDIMENTO PARA ALÉM DO PRAZO DE TOLERÂNCIA DE 180 DIAS. ATO ILÍCITO PASSÍVEL DE CONDENAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. GREVE DOS TRABALHADORES DA CONSTRUÇÃO CIVIL. ATRASO DE FORNECEDORES. FORTUITOS INTERNOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO À UNANIMIDADE.

1. A Cláusula de Tolerância que estipula prazo de prorrogação superior a 180 dias é considerada abusiva, na esteira de jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, devendo ser considerados os dias excedentes para fins de responsabilização da apelante, conforme delineado em sentença, com a consequente modificação do termo inicial da mora.

2. Greves dos trabalhadores da construção civil e atraso de fornecedores são caracterizados como fortuito interno, ou seja, estão ligados ao risco natural da atividade econômica da recorrente e, por isso, não configuram caso fortuito ou força maior e são incapazes de afastar a mora. Tais situações encontram-se dentro da margem de previsibilidade do ramo de atividade da construção e incorporação e já devem estar abarcadas pelo prazo contratual de prorrogação de 180 dias.

3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Egrégia Corte entende cabível a indenização por danos morais, nos casos de atraso na entrega do imóvel, quando esse atraso causa perturbação que ultrapassa o mero dissabor e simples aborrecimento e interfere na esfera subjetiva da parte, causando-lhe frustração, sofrimento e angústia.

4. Recurso conhecido e desprovido à unanimidade.

RELATÓRIO

APELAÇÃO CÍVEL N.º 0066836-70.2014.8.14.0301 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO

APELANTE: ATHENAS CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA

ADVOGADO(A): DANIEL LIMA DE SOUZA AGUILAR – OAB/PA 14.139

ADVOGADO(A): CRISTYANE BASTOS DE CARVALHO – OAB/PA 14.642

APELADO: CASTRICIANO COUTO SAMPAIO

APELADO: JOSEFA DE FÁTIMA DIAS SAMPAIO

ADVOGADO(A): JORGE LUIZ FREITAS MARECO JUNIOR – OAB/PA 18.726

RELATOR: DESEMBARGADOR RICARDO FERREIRA NUNES

RELATÓRIO

Recurso de apelação cível interposto por ATHENAS CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA contra sentença de parcial procedência em seu desfavor, proferida pelo juízo da 12ª Vara Cível e Empresarial de Belém, nos autos de “Ação de Reparação de Danos Materiais e Morais”, movida por CASTRICIANO COUTO SAMPAIO e JOSEFA DE FÁTIMA DIAS SAMPAIO em razão de atraso na entrega de imóvel no Edifício “Athenea's Garden”.

O dispositivo da sentença foi lavrado nos seguintes termos:

“ISSO POSTO, respaldada no que preceitua o art. 487, I, do CPC/2015, c/c art. 186 e 927, do CC/2002 e art. 12, do CDC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS PELA AUTORA NA INICIAL para:

1. reconhecer a ocorrência de ilícito civil, dada a declaração de abusividade da cláusula acima;

2. condenar a parte ré a título de indenização por danos materiais, com fundamento no art. 375 do CPC/2015, a pagar a parte autora o valor mensal equivalente a 0,5% do valor atualizado do imóvel, o qual deverá ser calculado mensalmente desde o fim do prazo de tolerância (31/01/2014) até a data da efetiva entrega das chaves do imóvel. Considerando que o evento danoso não se delimitou a um único momento, mas sim, se prolongou dentro do período supramencionado. a atualização monetária de cada um dos referidos valores deve se dar pelo INPC que deve ser calculado mês a mês para que se atinja o montante devido (Súmula 43/STJ). No que se refere aos juros de mora legais, estes devem ser no percentual de 1% (um por cento) ao mês a partir da data da citação (art. 405/CC c/e art. 240/CPC), em se tratando relação contratual (mora "ex personae"")

3. condenar a parte Ré a pagar aos Autores, a título de dano moral, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos da fundamentação.

4. condenar a parte ré ao pagamento dos ônus sucumbenciais relativamente as custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro, com fundamento no art. 85, §2° do CPC/2015, em 20% sobre o valor da condenação, uma vez que se trata de causa bastante debatida nos nossos tribunais, bem como se trata de bem jurídico relevante, qual seja a moradia. Ressalte-se que a parte autora sucumbiu em parte mínima do pedido e. por tal razão, deve a ré responder integralmente pelas custas processuais e honorários advocatícios com base no art. 86. parágrafo único do CPC/2015.”

Irresignada, a apelante defende a validade da cláusula de tolerância de até 360 dias em razão da ocorrência de caso fortuitos e de força maior (excludentes da responsabilidade civil e do dever de indenizar), argumentando:

I - A ocorrência de 04 (quatro) paralisações (2011 a 2014), decorrentes de movimentos paredistas, onde os trabalhadores da construção civil, em razão de reivindicações trabalhistas, conforme documentação e DVD em anexo, culminaram com a depredação e danos na obra, bem como impediram o acesso dos funcionários ao canteiro de obras e a própria construção, conforme Boletim de Ocorrência em anexo, culminando o atraso no prazo previsto para a entrega do imóvel;

II – Que, em 27/04/2012, a ré celebrou com a empresa Atlas Schindler S/A, contrato para entrega e instalação do Ed. Athenas Garden (imóvel em discussão) de 3 (três) elevadores, sendo 2 (dois) sociais e 1(um) de emergência/serviço, com prazo de 10 (dez) meses para instalação do elevador de emergência e de 12 (doze) meses para a entrega dos dois elevadores sociais, porém, por motivos alheios a vontade da ré, a empresa Atlas Schindler, atrasou a entrega dos referidos elevadores;

A apelante alega ainda, a inexistência de nexo causal entre a conduta da construtora e o dano moral alegado pelos autores/apelados, bem como, a ausência de comprovação do próprio dano, pois o atraso na entrega do bem imóvel seria um mero aborrecimento.

Por fim, requer o provimento do apelo para que seja reformada a sentença pelas razões acima expendidas.

Contrarrazões apresentadas, na qual os apelados pugnam pela manutenção da sentença de primeiro grau em todos os seus termos.

Coube-me a relatoria do apelo após redistribuição por prevenção ao Agravo de Instrumento n.º 0000862-82.2015.814.0000.

É o relatório.

Inclua-se o presente feito na próxima pauta da sessão de julgamento do plenário virtual.

Belém,27 de fevereiro de 2023.

Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES

Relator

VOTO

1. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

2. RAZÕES RECURSAIS

O cerne da controvérsia recursal reside na averiguação: (I) da legalidade da cláusula contratual de tolerância de 360 (trezentos e sessenta) dias, prorrogável nas hipóteses de caso fortuito e força maior; (II) da ocorrência ou não de ato ilícito gerador do dever de reparação civil, e; (III) da não configuração de dano moral na espécie.

2.1. DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE TOLERÂNCIA ESTIPULADA E DO EFETIVO ATRASO NA ENTREGA DA OBRA

O prazo previsto para a entrega da obra Edifício “Athenea's Garden” na Cláusula VII do contrato firmado entre as partes era JULHO DE 2013, sendo que, no parágrafo primeiro da referida cláusula, consta também o chamado Prazo de Tolerância estipulado em até 360 dias, com possiblidade de prorrogação pela ocorrência de caso fortuito ou força maior (Num. 2279835 - Pág. 44).

Cediço que a jurisprudência é uníssona em aceitar como válida a cláusula de prorrogação excepcional do prazo de conclusão da obra em razão da existência de diversos fatores imprevisíveis que podem afetar diretamente o prazo para a entrega de empreendimentos de grande porte.

Todavia, é importante ressaltar que o referido prazo deve atender ao princípio da razoabilidade, não podendo ser estipulado um período que prejudique em demasiado o consumidor, razão pela qual a jurisprudência pátria e a do Colendo STJ fazem sempre referência ao prazo de tolerância de 180 dias como sendo o prazo razoável para abarcar os riscos da obra e os fatores alegados pelo apelante para a demora na entrega do empreendimento contratado.

Deveras, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu reiteradas vezes acerca da validade da Clausula de Tolerância desde que estipulada no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. VALIDADE. LIMITE DE 180 DIAS CORRIDOS. LUCROS CESSANTES. DANO MATERIAL PRESUMIDO. PRECEDENTES. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE DE VENDAS. CORRETAGEM. CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. VALIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO.

1. Sob a égide do CPC/73, era firme a jurisprudência do STJ no sentido de que "a comprovação da tempestividade do recurso especial, em decorrência de feriado local ou de suspensão de expediente forense no Tribunal de origem que implique prorrogação do termo final para sua interposição, pode ocorrer posteriormente, em sede de agravo regimental. Precedentes do STF e do STJ."(AgRg no AREsp 137.141/SE, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/09/2012, DJe 15/10/2012).

2. No presente caso, o agravante comprovou nos embargos de fls. 465-472 que o Provimento 2297/15 TJSP determinou a suspensão do expediente forense e dos prazos processuais no período de 20/12/2015 a 17/01/2016. Por conseguinte, o recurso especial interposto no dia 21/01/2016 é tempestivo.

3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, apesar de não considerar abusiva a cláusula...

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