Acórdão Nº 0139422-35.2014.8.24.0008 do Terceira Câmara Criminal, 24-01-2023

Número do processo0139422-35.2014.8.24.0008
Data24 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0139422-35.2014.8.24.0008/SC



RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA


APELANTE: DANIEL JULIO FERREIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na comarca de Blumenau, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Daniel Júlio Ferreira (com 30 anos à época dos fatos) pela suposta prática do crime previsto no art. 171, caput, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos criminosos descritos na incial acusatória (evento 25):
[...] 1º ato No início do mês de abril do ano de 2014, o denunciado DANIEL JÚLIO FERREIRA dirigiu-se ao estabelecimento comercial Vale Parabrisas, situado na Rua Pomerode nº 3129, bairro Salto, nesta cidade de Blumenau/SC, e, mediante a entrega de uma folha de cheque clonada, preenchida no valor de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), adquiriu um para-brisa de veículo Fiat/Uno, o qual restou instalado no local. Uma fez que a cártula era fraudulenta, o cheque não foi compensado e o Denunciado obteve, assim, vantagem ilícita em prejuízo alheio.
2º ato Em meados do mês de abril do ano de 2014, o denunciado DANIEL JÚLIO FERREIRA dirigiu-se, novamente, ao estabelecimento comercial Vale Parabrisas, situado na Rua Pomerode nº 3129, bairro Salto, nesta cidade de Blumenau/SC, e, mediante a entrega de uma folha de cheque clonada, preenchida no valor de R$ 530,00 (quinhentos e trinta reais), adquiriu um para-brisa de caminhão, o qual restou instalado no local. Uma fez que a cártula era fraudulenta, o cheque não foi compensado e o Denunciado obteve, assim, vantagem ilícita em prejuízo alheio. [...].
Recebida à denúncia (evento 28) o acusado deixou de apresentar sua resposta mesmo mediante sua citação por edital e, dessa forma em 31 de maio de 2016 o processo e o prazo prescricional foram suspensos com fulcro no art. 366 do CPP (evento 35). O acusado compareceu em cartório em 27 de novembro de 2018, sendo citado e retomando o andamento do processo (evento 41).
Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado Daniel Júlio Ferreira ao cumprimento da pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão em regime inicial aberto. (evento 149, SENT1)
A pena pribvativa de liberdade foi substituída por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em 01 (um) salário mínimo a título de prestação pecuniária e 01 (um) ano e 02 (dois) meses de prestação de serviço à comunidade, na base de 1 (uma) hora de tarefa por dia, além de 11 (onze) dias-multa na proporção de 1/30 do salário mínimo cada um. (evento 149, SENT1).
Inconformada com a prestação jurisdicional entregue a defesa interpôs recurso de apelação (evento 159). Em cujas razões (evento 171), requer, em síntese, a absolvição por insuficiência probatória, a substituição das duas penas restritivas de direitos por uma restritiva e multa e o reconhecimento do valor da prestação pecuniária com base no salário mínimo vigente à época dos fatos.
Apresentadas as contrarrazões (evento 176), os autos ascenderam a esta instância. oportunidade em que a douta Procruradoria-Geral de Justiça, em parecr da lavra do Exmo. Dr. Potássio Campos Neto, manifestou-se pelo conhecimento e desprovmento do recurso (evento 8 - Segundo Grau).
Este é o relatório.


Documento eletrônico assinado por ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2933947v5 e do código CRC a17b8869.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ERNANI GUETTEN DE ALMEIDAData e Hora: 11/11/2022, às 16:58:11
















Apelação Criminal Nº 0139422-35.2014.8.24.0008/SC



RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA


APELANTE: DANIEL JULIO FERREIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


VOTO


O recurso, como próprio e tempestivo, deve ser conhecido.
A defesa pugna, preliminarmente, pela extinção da punibilidade do apelante em face da ausência de representação do ofendido, com base nas alterações promovidas pela Lei n. 13.964/19.
Razão não lhe assiste.
No que concerne, ressalta-se que a supracitada lei, em vigor desde 23 de janeiro de 2020, alterou a natureza da ação penal do crime de estelionato que passou a ser considerado ação pública condicionada à representação, salvo os casos onde a vítima for administração pública, direta ou indireta, criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental, maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz - o que, não se configura no caso em questão.
As normas referentes à natureza da ação penal, embora também de cunho processual, são predominantemente de natureza material, porquanto potencialmente refletem na punibilidade do agente e na pretensão penal do Estado.
Isso porque, se antes a ação penal era de iniciativa pública incondicionada e passa a ser condicionada, a condenação do réu consequentemente irá depender da existência de representação e, em contrapartida, da inexistência de causas extintivas de punibilidade dela decorrentes, como a renúncia até o oferecimento da denúncia ou o transcurso do prazo decadencial (art. 102, 103 e 107, IV e VI, do Código Penal e arts. 5º, §4º, 25 e 38 do Código de Processo Penal).
Nota-se que, ao tratar da aplicação da lei penal no tempo, o Código Penal determina a retroatividade da lei que "de qualquer modo favorecer o agente", o que abrange não somente aspectos relacionados à criminalização da conduta, mas também que digam respeito aos requisitos para a inauguração da persecução penal. A acepção da expressão legal é, portanto, ampla.
Sobre o assunto, leciona Luiz Regis Prado:
Para a determinação da lei pena mais favorável, deve-se realizar um exame cuidadoso do efeito da aplicação das leis - anterior e posterior - e utilizar-se da que se apresente, in concreto, como a mais benigna ao réu. Acentua-se que esse caráter deve ser considerado em relação ao agente e à situação judicial concreta em que se encontre. Dessa maneira, uma lei pode favorecê-lo, pela diferente configuração do delito - crime ou contravenção, elementos constitutivos, acidentais; pela diferente configuração de sua formas - tentativa, participação, reincidência; pela diferente determinação da gravidade da lesão jurídica; pela diferente determinação das condições positivas ou negativas da punibilidade; pela diferente determinação da espécie e duração da pena e dos outros efeitos penais (Curso de direito penal brasileiro, 14ª ed., São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015; pgs. 164/165).
Na lição de Damásio de Jesus em (E. Direito Penal 1 - parte geral. Editora Saraiva, 2020; pgs. 127/128):
Se a lei nova, sem excluir a incriminação. é mais favorável ao sujeito, retroage. Aplica-se o princípio da retroatividade da lei mais benigna.Sobre o assunto, reza o parágrafo único do art. do CP: 'A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores , ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado'.O que significa a expressão 'de qualquer modo'?Significa que a lei posterior favorece o sujeito de qualquer modo que não seja por meio da abolitio criminis (art. 2º, caput).Sem que esgotem o assunto, uma vez que a sua benignidade deve ser apreciada em cada caso, podemos citar os seguintes casos de lei posterior que, de qualquer modo, favorece o sujeito: [...]7º) A lei nova inclui condições de procedibilidade não exigidas anteriormente.
Nesse aspecto, importante se atentar que, uma vez oferecida a denúncia, a superveniência da exigência de representação figura-se como o que se convencionou denominar - por questão meramente didática - de condição de prosseguibilidade. A natureza jurídica e os efeitos dela decorrentes, porém, em nada se diferem dos da condição de procedibilidade. Isso porque, seja antes ou depois de oferecida a denúncia, a representação, em última análise, consubstancia-se como condição para conferir legitimidade ativa ao Ministério Público, a qual, se não implementada no prazo legal, consubstanciará em causa de exclusão da punibilidade. É, em todo caso, condição da ação penal, cuja ausência pode ser a todo tempo reconhecida, inclusive, dados os princípios próprios do processo penal, quando incluída por lei posterior, em processos em trâmite.
Feitas essas considerações, verifica-se equivocada a tese defensiva, uma vez que a novação legislativa não é aplicável ao caso em tela, pois, embora a lei superveniente tenha exigido a representação da vítima (Lei 13.964/2019), vê-se que o ofendido formalizou a notícia criminal e compareceu tanto na Delegacia de Polícia como em juízo para prestar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT