Acórdão Nº 0140419-40.2014.8.24.0033 do Primeira Câmara Criminal, 13-05-2021

Número do processo0140419-40.2014.8.24.0033
Data13 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 0140419-40.2014.8.24.0033/SC



RELATORA: Desembargadora Ana Lia Moura Lisboa Carneiro


RECORRENTE: MARCIO GUSTAVO BORDIN RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Na Comarca de Itajaí, o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de Marcio Gustavo Bordin por infração ao disposto no art. 121, caput, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, em relação a vítima Alisson Xavier, e art. 121, § 2º, inciso IV (surpresa/dificuldade de defesa da vítima) c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, em relação a vítima Marcelo Junior Xavier, e em concurso material, pelos seguintes fatos e fundamentos (Evento 6 - autos de origem):
Consta nos autos que no dia 16 de janeiro de 2014, no período da tarde, o denunciado Marcio Gustavo Bordin, acompanhado de uma mulher ainda não identificada, estava passando pela Rua Satyro Loureiro, no Bairro São Vicente, quando ao chegar defronte a casa da vítima Marcelo Junior Xavier, ficou encarando o seu filho Alissson Xavier, também vítima, porque a mulher que o acompanhava notou o cachorro de Alisson e com ele quis conversar.
O denunciado, então, destratou Alisson o chamando de "pé de bosta, filho da puta" e outros xingamentos, além de forçá-lo a ir para rua, puxando briga.
Alisson foi ao encontro do acusado e ambos entraram em luta corporal, com socos e ponta pés, sendo que nesta oportunidade Alisson saiu vitorioso e Márcio foi embora.
Acontece que no mesmo dia, por volta das 17 horas, Alisson e seu pai, Marcelo Junior Xavier, voltavam para casa, de motocicleta, pois haviam saído para fazer algumas voltas, quando perceberam que um veículo Polo, Sedan, de cor preta, conduzido pelo denunciado, com mais um homem no banco do carona, começou a passar diversas vezes pela rua, ocasião em que reiniciaram os xingamentos em relação a vítima Alisson, acrescidos de ameaça de morte, "vou te matar onde estiver" direcionada a ele também.
Diante disso, Alisson foi para frente da sua casa, onde já estavam a vítima Marcelo, sua mãe e seu irmão. Nesse instante Márcio encostou o carro na frente da casa das vítimas, fazendo com que Marcelo, sua mulher e filhos entrassem para dentro do cercado, ocasião em que o denunciado, baixou o vidro do carro, e munido de um revólver, com evidente animus necandi, disparou contra Alisson, porém não o atingiu porquanto a arma não funcionou, não se consumando o homicídio por circunstâncias alheias a sua vontade.
Então, Alisson foi até o portão para ver a direção que o carro havia tomado quando, então, o denunciado deu a ré no veículo, abriu o vidro e acionou novamente o gatilho da arma, disparando-a, com animus necandi, vindo a atingir, entretanto, a vítima Marcelo, ao invés de Alisson, surpreendendo Marcelo, que sequer conhecia o acusado, não lhe sendo possível qualquer tipo de defesa. Na sequencia fugiu do local dos fatos.
Marcelo foi socorrido a tempo e levado para o hospital, sofrendo as lesões corporais descritas no laudo pericial de fl. 4. Foi operado e até hoje sofre com as seqüelas da lesão sofrida, não se consumando o homicidio por circunstancias alheias a vontade de Marcio.
A denúncia foi recebida (Evento 8 - autos de origem).
Apresentada resposta à acusação (Evento 27 - autos de origem).
Encerrada a instrução, sobreveio decisão, a qual julgou admissível parcialmente a denúncia, extraindo-se de sua parte dispositiva (Evento 157 - Sentença 199 - autos de origem):
[...] Ante o exposto e do que mais dos autos consta, JULGO ADMISSÍVEL, parcialmente, a denúncia para PRONUNCIAR o réu Márcio Gustavo Bordin, já qualificado nos autos, pela prática do crime previsto no art. 121, §2º, inciso IV, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal contra a vítima Marcelo, a fim de que seja submetido a julgamento pelo egrégio Tribunal do Júri desta Comarca. E, IMPRONUNCIAR o réu Márcio Gustavo Bordin, já qualificado nos autos, pela prática do crime previsto no art. 121, caput, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal em desfavor da vítima Alisson, nos termos dispostos no art. 414 do CPP. Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade. [...]
Inconformado, o Ministério Publico interpôs recurso de apelação objetivando, em suma, a pronúncia também quanto ao crime de homicídio tentado praticado em desfavor da vítima Alisson Xavier, pugnando pela aplicação do princípio in dubio pro societate, eis que entende haver indícios suficientes de autoria e materialidade delitivas para submetê-lo ao Tribunal Popular (Evento 172 - autos de origem).
Igualmente inconformado, porém com a parte da decisão que o pronunciou, Marcio Gustavo Bordin interpôs recurso de apelação, objetivando sua impronúncia quanto à vítima Marcelo Junior Xavier, eis que alega ausência de provas concretas de autoria ou, alternativamente, o afastamento da qualificadora prevista no art. 121, §2º, inciso IV, do Código Penal (Evento 209 - autos de origem).
Contrarrazões de apelação ofertada pelo recorrente Marcio Gustavo Bordin pugnando, em suma, pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto pelo Ministério Público (Evento 199 - autos de origem).
O Órgão Ministerial, por seu turno, apresentou suas contrarrazões, requerendo o desprovimento do recurso interposto (Evento 213 - autos de origem).
Neste egrégio Tribunal, a Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer da lavra do Excelentíssimo Procurador de Justiça José Eduardo Orofino da Luz Fontes, opinou pelo conhecimento dos recursos e pelo provimento tão somente da insurgência apresentada pelo Ministério Público (Evento 12).
Este é o relatório

VOTO


I - Do recurso interposto por Marcio Gustavo Bordin (Evento 209 - autos de origem)
De início, a despeito da argumentação ventilada nas razões da insurgência, inviável o conhecimento do recurso de apelação interposto pelo pronunciado.
Isso porque o recurso foi manejado erroneamente, eis que, in casu, deveria o recorrente ter interposto recurso em sentido estrito, uma vez que se insurge da decisão na parte em que o pronunciou pelo delito do qual denunciado.
Assim, penso que a interposição de apelação, ao invés de recurso em sentido estrito, configura erro grosseiro, incapaz de ensejar a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
Referido entendimento, inclusive, vai ao encontro do lecionado por Renato Marcão, para o qual:
De tal sorte, se, dentro do prazo para determinado tipo de recurso, a parte ingressa com recurso diverso, aplica-se a regra que permite o aproveitamento do recurso errôneo como se fosse aquele cabível, porquanto manifesta a ausência de dolo/má-fé, exceto se na hipótese restar configurado erro grosseiro, quando então não será possível a benesse da fungibilidade. (in: Curso de Processo Penal. Editora Saraiva, 2020). (grifei).
Aliás, não há o que se cogitar de eventual dúvida quanto ao recurso cabível quando a insurgência diz respeito à decisão de pronúncia, pelas claras disposições do art. 581, inciso IV, do Código de Processo Penal, verbis:
Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
[...]
IV - que pronunciar o réu;
Ora, pela leitura do dispositivo legal acima transcrito, não há como se alegar dúvida quanto à insurgência que deverá ser apresentada.
Desta forma, não há a possibilidade de se aplicar o disposto no art. 579 do Código de Processo Penal, haja vista, repisa-se, ser cristalino o comando legal.
Igualmente, pelo princípio da adequação, um dos pressupostos recursais objetivos, para cada decisão há um recurso específico para impugná-la, in casu, o recurso em sentido estrito.
Referido entendimento, inclusive, encontra amparo em excerto jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGADO EXCESSO DE LINGUAGEM. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PENDENTE DE JULGAMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SEGUNDO GRAU CONTRA A SENTENÇA DE PRONÚNCIA. OBTENÇÃO DE MESMA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EM MAIS DE UMA VIA DE IMPUGNAÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. AGRAVO IMPROVIDO, COM RECOMENDAÇÃO.1. Configura supressão de instância o exame do suposto excesso de linguagem da sentença de pronúncia na pendência do julgamento do recurso cabível, qual seja, nos termos do art. 581, inciso IV, do Código de Processo Penal, o Recurso em Sentido Estrito.2. "A indicação expressa, no Estatuto Processual Penal quanto ao recurso cabível na espécie, afasta a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, diante da constatação do erro grosseiro" (HC n. 172.515/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 20/3/2012, DJe de 29/3/2012).3. Inexiste ilegalidade na ausência de exame do mérito de habeas corpus impetrado em segundo grau quando, anteriormente, havia sido interposto Recurso em Sentido Estrito contra a sentença de pronúncia, situação que caracteriza ofensa ao princípio da unirrecorribilidade das decisões judiciais, porquanto busca-se a obtenção da mesma prestação jurisdicional em mais de uma via de impugnação.4. Agravo regimental improvido, com recomendação de celeridade no julgamento do recurso em sentido estrito interposto na Corte de origem.(AgRg no RHC 123.966/CE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 20/02/2020, DJe 02/03/2020). (grifei).
Na mesma linha de entendimento, recentemente decidiu este egrégio Tribunal:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO (CP, ART. 121, § 2º, I) - DECISÃO DE IMPRONÚNCIA - RECURSO DA ACUSAÇÃO.MANEJO DE RECURSO INADEQUADO - NÃO CONHECIMENTO - DECISÃO QUE EXIGE SER DESAFIADA POR MEIO DE APELAÇÃO - EXPRESSA DISPOSIÇÃO DO ART. 416 DO CPP - HIPÓTESE DE ERRO GROSSEIRO INCOMPATÍVEL COM A FUNGIBILIDADE RECURSAL.Em se tratando de decisão de impronúncia, o recurso cabível contra ela é o de apelação, conforme expressa previsão do art. 416 do CPP. Consequência disso, na troca da apelação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT