Acórdão Nº 0300009-95.2014.8.24.0019 do Quarta Câmara de Direito Civil, 22-10-2020

Número do processo0300009-95.2014.8.24.0019
Data22 Outubro 2020
Tribunal de OrigemConcórdia
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0300009-95.2014.8.24.0019, de Concórdia

Relator: Desembargador Selso de Oliveira

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. INVALIDEZ PERMANENTE TOTAL OU PARCIAL POR ACIDENTE DO CÔNJUGE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.

RECURSO DO AUTOR.

PRELIMINAR. AVENTADA A NULIDADE DA SENTENÇA, POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. DECISÃO QUE ABORDOU SUFICIENTEMENTE A CONTROVÉRSIA.

MÉRITO. PLEITO DE INDENIZAÇÃO FUNDADO NA EXISTÊNCIA DE INCAPACIDADE PARA A ATIVIDADE HABITUAL DECORRENTE DE DOENÇA OCUPACIONAL. CONTRATO DE SEGURO. LEGALIDADE DA LIMITAÇÃO DE RISCOS. EXEGESE DO ART. 757 DO CC. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. CONSONÂNCIA COM A LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR QUE SOMENTE É APLICÁVEL QUANDO EXISTENTE DÚVIDA ACERCA DO DIREITO ASSEGURADO. COBERTURAS PARA INVALIDEZ ESPECIFICADAS ATRAVÉS DA CIRCULAR Nº 305/2005 DA SUSEP. RISCO DE INVALIDEZ LABORATIVA POR DOENÇA (ILPD) NÃO CONTRATADO. DOENÇAS OCUPACIONAIS QUE NÃO CONFIGURAM ACIDENTE PESSOAL. EVENTO SÚBITO NÃO OCORRIDO (RESOLUÇÃO Nº 117/2004 DO CNSP). INVALIDEZ PERMANENTE POR ACIDENTE (IPA) NÃO CONFIGURADA.

SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.

HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO (ART. 85, § 11 DO CPC/2015).

RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300009-95.2014.8.24.0019, da comarca de Concórdia 1ª Vara Cível em que é Apelante Valdir Frigo e Apelada Itaú Seguros S/A.

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Helio David Vieira Figueira dos Santos, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Felipe Schuch.

Florianópolis, 22 de outubro de 2020.

Desembargador Selso de Oliveira

Relator


RELATÓRIO

A bem dos princípios da celeridade e da economia processual, adoto o relatório da sentença, in verbis (p. 261-262):

Trata-se de "Ação de Cobrança com Pedido Liminar de Exibição de Documento" ajuizada por Valdir Frigo em face de Itaú Seguros S/A, todos já qualificados, objetivando a condenação da parte requerida ao pagamento de indenização securitária, sob a alegação de que sofreu acidente pessoal e que o seguro de vida em grupo contratado por Fátima Ribeiro Frigo, sua cônjuge e funcionária da empresa Sadia S/A, prevê cobertura para invalidez total ou parcial por acidente para o cônjuge. Valorou a causa, juntou documentos e requereu o benefício da justiça gratuita.

Despachada a inicial (págs. 29-30), restou concedida a benesse da justiça gratuita, decretada a inversão do ônus probatório, determinada a apresentação da apólice e ordenada a citação da ré.

Citada (pág. 32), a seguradora ré ofertou contestação alegando, preliminarmente, a ilegitimidade ativa da parte autora. No mérito, discorreu sobre o contrato de seguro em apreço, salientando que as coberturas contratadas pela estipulante, no que se refere ao cônjuge do segurado, estão adstritas à morte do cônjuge, morte acidental do cônjuge e invalidez permanente total ou parcial por acidente (IPA). Destacou que a apólice está limitada às coberturas contratadas, onde estão definidas as garantias do seguro e suas limitações, bem assim as hipóteses em que será recebido o capital segurado, de maneira que não há que se falar em abusividade contratual nesse tocante. Defendeu que a alegada invalidez total e permanente da parte autora, se acaso existente, origina-se de doença e não de acidente pessoal, este que é fato gerador da IPA. Advertiu que as Condições Gerais trataram de excluir expressamente da abrangência do conceito de Acidente Pessoal as doenças, notadamente as profissionais, independentemente de suas causas, conquanto provocadas, desencadeadas ou agravadas, seja direta ou indiretamente, por acidente pessoal. Quanto à equiparação para fins previdenciários entre as doenças ocupacionais e os acidentes de trabalho, declinou que tal interpretação está limitada às relações jurídicas existentes entre a Previdência Social e seus segurados, sendo inaplicável, portanto, ao presente caso. Disse que a empregadora do cônjuge da parte autora, denominada estipulante, representa o grupo segurado na condição de mandatária, de modo que, em havendo dúvidas acerca do seguro de vida, esta (estipulante) é a responsável por prestar esclarecimentos aos seus empregados. Requereu a improcedência dos pedidos da inicial e juntou documentos (págs. 33-176).

Houve réplica (págs. 181-195).

Na decisão saneadora (págs. 209-210), foi afastada a preliminar de ilegitimidade ativa e determinada a intimação das partes para especificarem as provas que pretendiam produzir.

Às págs. 213-218, a parte ré requereu a produção de prova pericial, o que restou deferido às págs. 219-220.

O laudo pericial foi carreado às págs. 233-238, sobre o qual as partes tiveram oportunidade de se manifestar (pág. 243), tendo a parte ré pugnado pela improcedência da demanda (págs. 244-248), ao passo que a parte autora requereu a procedência dos pedidos contidos na inicial (págs. 259-260).

O juiz Kledson Gewehr julgou improcedente o pedido (p. 261-276), por entender que "a invalidez permanente por acidente do cônjuge (IPA) exige que este decorra de evento com data caracterizada, externo, súbito e involuntário, o que não é o caso em apreço" (p. 275), condenando ao autor ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios em 10% do valor atualizado da causa, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade judiciária.

Apelou o autor, às p. 280-340, arguindo, preliminarmente, a nulidade da sentença porque não enfrentou todos os dispositivos legais invocados e deixou de aplicar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que equipara a doença laboral ao acidente de trabalho. No mérito, insiste: a) terem sido violados princípios básicos da legislação consumerista, como o dever de informação ao consumidor e a consequente inaplicabilidade das cláusulas contratuais limitativas, e a interpretação do contrato da maneira mais favorável ao consumidor; b) que o dever de informação é da seguradora, e não da estipulante, ressaltando que não há provas de que o segurado, e nem a estipulante, foram cientificados sobre as cláusulas contratuais limitativas; c) que as resoluções e circulares administrativas são inconstitucionais, pois violam o sistema de proteção ao consumidor; d) que a doença ocupacional é equiparada ao acidente de trabalho, por força da lei nº 8.213/91; e) que a apólice prevê a cobertura para invalidez permanente total ou parcial por acidente, sem explicar de qual tipo de acidente se trata.

A seguradora apresentou contrarrazões (p. 344-371), dizendo não haver nulidades na sentença, pois foi bem fundamentada, e defendendo, em suma, a legalidade e aplicabilidade das cláusulas contratuais restritivas.

Petição da seguradora (p. 375-376), informando ter realizado a cisão parcial do seu patrimônio e pugnando a retificação do polo passivo, para que fosse substituída pela empresa Prudential do Brasil Vida em Grupo S.A.

Determinada a intimação da parte autora quanto à substituição processual (p. 419-421), não houve manifestação, cujo pedido foi analisado às p. 425-426.

O recurso foi recebido, no duplo efeito, pelo despacho de p. 433.

VOTO

1 Da admissibilidade

A sentença foi prolatada e publicada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, à luz do qual o caso será apreciado, consoante o Enunciado Administrativo nº 3 do Superior Tribunal de Justiça.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

2 Preliminar de nulidade por ausência de fundamentação

O recorrente alega que "a decisão de 1º grau afrontou diretamente os incisos do artigo 489 do NCPC e pior, deixou de seguir jurisprudência e precedente do STJ, já que não houve superação do entendimento quanto a equiparação de doença ocupacional com acidente pelo Órgão Superior, e ao contrário do consignado pelo juízo, a decisão colacionada na sentença e proferida pelo STJ não guarda qualquer similitude fática com a presente demanda, já que naquela demanda estão abordando um tipo de cobertura e neste estamos discutindo IPA" (p. 283).

Sem razão.

O digno magistrado sentenciante entendeu que "a invalidez decorrente de doença ocupacional não pode ser equiparada ao conceito de acidente pessoal" (p. 268), referenciando, e utilizando como razão de decidir, excertos do voto do desembargador Marcos Túlio Sartorato no julgamento da Apelação Cível nº 0301084-15.2014.8.24.00138.

No aludido acórdão, o ilustre relator mencionado fez um escorço histórico, demonstrando exatamente a alteração do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no seguinte sentido (p. 269-272):

[...]

A matéria, na realidade, pede um exame mais detalhado do que aquele que normalmente lhe tem sido dedicado.

No final dos anos noventa, surgiu na Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça uma linha jurisprudencial que passou a considerar que moléstias decorrentes do exercício de atividade profissional que produzissem invalidez deveriam ser equiparadas ao conceito de 'acidente pessoal' presente no contrato de seguro, para fins de indenização. O fundamento era, basicamente, a proteção plena do segurado, o qual, conforme se entendia, não poderia ser privado da indenização securitária somente pelo fato de suas lesões não terem se originado de modo súbito, mas terem se acumulado ao longo de anos de trabalho, resultandolhe em doença. Essa orientação foi adotada, a título de exemplo, nos seguintes julgados: REsp 146984/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 04.11.1997; REsp 182944/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 23.05.2000; REsp 514379/SP, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 23.09.2003.

Simultaneamente, a Terceira Turma daquele Tribunal vinha em rumo diverso,...

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