Acórdão Nº 0300011-89.2020.8.24.0040 do Segunda Turma Recursal, 07-07-2020

Número do processo0300011-89.2020.8.24.0040
Data07 Julho 2020
Tribunal de OrigemLaguna
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal



Recurso Inominado n. 0300011-89.2020.8.24.0040, de Laguna

Relatora: Juíza Margani de Mello






RECURSO INOMINADO. EMBARGOS DE TERCEIRO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. INSURGÊNCIA DA EMBARGANTE. TESE DE NULIDADE POR SUPOSTA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO AFASTADA. PENHORA DE FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEL EM NOME DO DEVEDOR. BEM COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO EM FAVOR DA GENITORA DO EXECUTADO. POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO DOS DIREITOS DO NU-PROPRIETÁRIO QUE NÃO AFETA A GARANTIA REAL. DIREITO DE MORADIA PRESERVADO PELO USUFRUTO VITALÍCIO. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE POR SE TRATAR DE BEM DE FAMÍLIA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO DE PRESERVAÇÃO EXCLUSIVO DO PROPRIETÁRIO, SOB PENA DE DEFESA DE DIREITO ALHEIO EM NOME PRÓPRIO. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

A fundamentação concisa ou o simples desatendimento à tese defendida pela parte não retira do ato a sua higidez, desde que suficientemente expostas as razões de fato e de direito motivadoras da decisão final, tal qual se verifica na hipótese vertente. (TJSC, Apelação Cível n. 0312803-20.2015.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Henry Petry Junior, Segunda Câmara de Direito Público, j. 12-05-2020).



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0300011-89.2020.8.24.0040, da comarca de Laguna 2ª Vara Cível, em que é recorrente Najla Wiethorn dos Santos e Silva, e recorrida Débora Nunes Rigo:



I - RELATÓRIO

Conforme autorizam o artigo 46, da Lei 9.099/95, e o Enunciado 92, do FONAJE, dispensa-se o relatório.

II - VOTO

Insurge-se a recorrente contra a sentença de pp. 31-33, da lavra da juíza Elaine Veloso Marraschi, que extinguiu os embargos de terceiro por ela opostos, sustentando, em síntese, a nulidade da decisão, por ausência de fundamentação, e que a impenhorabilidade do bem de família, prevista na Lei 8.009/90, se estende ao usufrutuário. (p. 54).

Contrarrazões apresentadas nas pp. 66-71.

Considerando o documento acostado na p. 14, voto pelo deferimento do benefício da Justiça gratuita à recorrente.

O reclamo não merece provimento.

Inicialmente, voto pelo afastamento da preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, pois a fundamentação concisa ou o simples desatendimento à tese defendida pela parte não retira do ato a sua higidez, desde que suficientemente expostas as razões de fato e de direito motivadoras da decisão final. In casu, a decisão não possui qualquer nulidade, uma vez que: [a] estão devidamente expostos os seus fundamentos; e [b] está indicado o fundamento legal para a conclusão, sendo que o acerto ou desacerto desta não diz respeito à fundamentação. A sentença entrega a devida prestação jurisdicional, compreendida enquanto aquela que aplica o direito ao caso e decide a questão judicial, mormente porque expôs aos sucumbentes as razões que conduziram à decisão, embora de forma concisa. Com isso, à evidência, não há nulidade a macular a decisão singular, pelo que deve ser afastada a proemial ventilada. (TJSC, Apelação Cível n. 0312803-20.2015.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Henry Petry Junior, Segunda Câmara de Direito Público, j. 12-05-2020).

Quanto ao mérito da insurgência, destaca-se a possibilidade de constrição de bem gravado com usufruto vitalício, conforme corrente jurisprudencial majoritária, isso porque a penhora não coloca em prejuízo o usufrutário do imóvel, já que não recai sobre o direito real do usufrutuário, e sim sobre a nu-propriedade do devedor.

Acerca do tema, leciona Carlos Roberto Gonçalves:


A inalienabilidade ocasiona a impenhorabilidade do usufruto. O direito em si não pode ser penhorado, em execução movida por dívida do usufrutuário, porque a penhora destina-se a promover a venda forçada do bem em hasta pública. [...] No entanto, se a dívida for do nu-proprietário, a penhora pode recair sobre os seus direitos. O nu-proprietário tem o direito de dispor da coisa. O imóvel pode ser penhorado, portanto, e alienado em hasta pública, mas a todo tempo, inclusive depois da arrematação, incidirá sobre ele o direito real de usufruto, pertencente ao usufrutuário, até que venha a extinguir-se [...] (Direito civil brasileiro: direito das coisas. 7. ed. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 481-482).


Dessa forma, expropriado o bem, isto é, alienado a terceiro, este se torna dono em lugar da parte executada, de sorte que o direito real do usufrutuário permanece hígido.

Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:


DIREITO CIVIL. PENHORA SOBRE NUA-PROPRIEDADE DE IMÓVEL, GRAVADO COM USUFRUTO VITALÍCIO. POSSIBILIDADE. Da interpretação conjunta dos arts. 524 e 713 do CC, fica evidente a opção do legislador pátrio em permitir a cisão, mesmo que temporária, dos direitos inerentes à propriedade: de um lado o direito de uso e gozo pelo usufrutuário, e de outro o direito de disposição e seqüela pelo nu-proprietário. A nua-propriedade pode ser objeto de penhora e alienação em hasta pública, ficando ressalvado o direito real de usufruto, inclusive após a arrematação ou a adjudicação, até que haja sua extinção. Recurso especial não conhecido (REsp 925.687/DF, rela. Mina. Nancy Andrigui, j. 9-8-2007).


E do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:


AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO ILÍCITO. PENHORA DE BEM GRAVADO EM USUFRUTO VITALÍCIO. INSURGÊNCIA DO EXECUTADO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO DE IMÓVEL GRAVADO COM ÔNUS REAL. INSUBSISTÊNCIA. PENHORA SOBRE DIREITOS DO NU-PROPRIETÁRIO, O QUE NÃO AFETA GARANTIA REAL DO USUFRUTUÁRIO VITALÍCIO. TESE DE CARACTERIZAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE NÃO VERIFICADA. TERRENO SEM BENFEITORIAS SEM QUALQUER INDÍCIO DE QUE A FAMÍLIA TENHA INTENÇÃO DE HABITÁ-LO NO FUTURO. INTENÇÃO DE VENDA DO IMÓVEL. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. É possível a constrição de imóvel do devedor, gravado pela cláusula de usufruto, pois é de sabença que a penhora recairá sobre a nu propriedade, sem comprometer o instituto do usufruto. (TJSC, Apelação Cível n. 2005.009376-3, de Cunha Porã, rel. Des. Saul Steil, j. 13.8.2009). (...) não poderá o usufrutuário obstar a penhora da nua-propriedade, em execução ajuizada por dívidas contraídas pelo proprietário, eis que em nada será afetado o conteúdo do usufruto com a venda do bem em hasta pública. Logicamente, deverá o adquirente (arrematante ou adjudicante) respeitar o caráter absoluto e a sequela inerente ao ônus real que grava o bem, até a extinção do usufruto no termo originariamente convencionado. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Direitos Reais. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 792). (...) (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4006556-14.2017.8.24.0000, de Modelo, rel. Des. Sebastião César Evangelista, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 30-11-2017).


Assim, acertado o raciocínio traçado na sentença no que pertine a este ponto, pois recaindo a execução sobre a nu-propriedade do bem constrito, nada impede que a penhora se dê sobre o respectivo imóvel, considerando que a parte usufrutuária não sofreria qualquer prejuízo, preservando seu direito de permanecer no bem, que deveria ser respeitado em qualquer circunstância até que o direito viesse a se extinguir.

Por outro lado, embora não se desconheça a possibilidade do reconhecimento da impenhorabilidade do bem, pois se trata, em tese, do único imóvel de propriedade familiar (p. 58), a apelante é usufrutuária do imóvel e não proprietária, faltando-lhe assim, legitimidade para tanto. Por mais que a recorrente alegue residir no imóvel juntamente com seus filhos, bem como de que é a única propriedade da família e que se trata de condomínio de pequena propriedade rural produtiva, a verdade é que a mesma não é proprietária do imóvel ou de parte ideal do mesmo, de modo que lhe falta interesse para pleitear em nome...

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