Acórdão Nº 0300012-51.2020.8.24.0080 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 07-02-2023

Número do processo0300012-51.2020.8.24.0080
Data07 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0300012-51.2020.8.24.0080/SC



RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN


APELANTE: COOPERATIVA AGRARIA XANXERE - COOPERXANXERE - EM LIQUIDACAO (EMBARGANTE) APELADO: BANCO VOTORANTIM S.A. (EMBARGADO)


RELATÓRIO


Banco Votorantim S.A. e Cooperativa Agrária Xanxerê - em Liquidação Extrajudicial interpuseram apelações cíveis em face de deliberação do togado singular que, no âmbito de embargos à execução (nº 0301363-98.2016.8.24.0080) opostos pela Cooperativa executada, sentenciou o feito nos moldes do seguinte dispositivo:
Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos declinados por COOPERATIVA AGRARIA XANXERE - COOPERXANXERE - EM LIQUIDACAO em face do BANCO VOTORANTIM S.A, o que faço com base no art. 487, inciso I do Código de Processo Civil, para, com análise de seu mérito, reconhecer abusividade no contrato celebrado pelas partes (evento 1, INF 16 e 17) e afastar a incidência de cumulação de juros moratórios e multa à comissão de permanência no período de inadimplência, devendo permanecer a incidência somente da última - esta, ainda, em conformidade com a súmula 294, do STJ -, bem como afastar a cobrança de honorários extrajudiciais.
Publique-se. Registre-se. Intime(m)-se.
Condeno a embargada ao pagamento das custas e despesas processuais, e em honorários advocatícios à parte contrária, que fixo em 10% (dez por cento) do proveito econômico efetivamente obtido com a revisão do contrato entabulado (a ser apurado mediante cálculo) (art. 85, §2º, do CPC).
Defiro a justiça gratuita à parte embargante.
Translade-se cópia da presente sentença aos autos principais (n. 0301363-98.2016.8.24.0080) e lá intime-se a parte credora para acostar aos autos cálculo atualizado do valor do débito, nos termos revisados por esta sentença, salvaguardado o direito de compensação.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se.
Em suas razões recursais, aduz a casa bancária (evento 27) que a matéria versada nos embargos diz respeito ao excesso de execução, por isso, necessária a apresentação de memória de cálculo do consumidor e o pagamento dos valores incontroversos.
Sustentou, ainda, a inaplicabilidade do CDC no caso, a impossibilidade de revisão contratual. Pleiteou a reforma da sentença quanto ao afastamento da incidência da comissão de permanência com os demais no período da inadimplência, diante da ausência de comprovação da cobrança de forma abusiva, e alegou a legalidade da cobrança dos honorários extrajudiciais.
Por fim, solicitou a inversão dos ônus sucumbenciais.
Embargos de declaração apresentados no evento 26, os quais foram rejeitados no evento 33.
A Cooperativa, por sua vez, também apresentou recurso de apelação (evento 40), requerendo: a) repetição do indébito inclusive dos encargos de mora cobrados a maior; b) esclarecimento quanto à contradição da sentença em relação à necessidade de apresentação da memória de evolução da dívida; c) fixação dos honorários sucumbenciais sobre o valor da causa; d) por fim, fixação de honorários recursais.
Contrarrazões no evento 45.
É o relatório

VOTO


Recurso da Casa Bancária
1. Demonstrativo do Débito
Aduz a casa bancária apelante que necessário a apresentação de memória de cálculo, pois a matéria versada nos embargos diz respeito ao excesso de execução.
O togado singular, quando da prolação sentencial (evento 18), destacou expressamente que:
Ocorre que no caso em análise, a parte embargante alega que o cálculo que embasa a execução não apresenta de forma clara os encargos que foram cobrados, o que a impede de formular o seu.
Em análise, verifica-se que, de fato, há carece de clareza o cálculo aparelhado à execução original, e acostado no presente feito no evento 1, INF18, porquanto não indica quais encargos moratórios incidiram em seu cálculo.
Outrossim, a própria embargada aduz em sua defesa que "a parte ré concorda que os encargos moratórios cobrados a título de comissão de permanência sejam limitados aos juros remuneratórios acrescidos de 1% de juros de mora, nos termos da Súmula 472 do STJ."
Mais a frente, repisa a legalidade dos demais encargos moratórios.
Dessa forma, resta dúvida quanto ao encargos que compõem o cálculo do valor cobrado, ficando deveras prejudicada a juntada de novo cálculo pela parte embargante.
Assim, tenho que a ausência de apresentação de cálculo pela parte embargante, no caso em análise, não impossibilita o prosseguimento do feito, tampouco a análise dos pedidos formulados.
Em análise aos cálculos apresentados na execução nº 0301363-98.2016.8.24.0080, no evento 1/informação 12, há apenas menção aos "encargos moratórios" aplicados, de forma genérica, com demonstração de valores absolutos.
Portanto, escorreita a sentença que definiu pela possibilidade de prosseguimento do feito, ainda que ausente a apresentação do valor que a embargante entende devido, em razão da dúvida quanto ao encargos que compõem o cálculo do valor cobrado.
Sentença mantida.
2. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor
Alega o banco ser inaplicável, no presente caso, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), ante o argumento de que a autora não teria se utilizado dos valores oriundos da Cédula de Crédito Bancária na qualidade de consumidora final.
Contudo, sem maiores digressões, não se dá provimento ao reclamo no ponto, uma vez que o aludido pergaminho consumerista é aplicável ao caso, o que se faz com fulcro na hermenêutica da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Neste mesmo sentido, colaciona-se o seguinte excerto, extraído de precedente desta Corte:
[...] incide ao caso o art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor - CDC e a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, esta regida da seguinte forma: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".O objetivo do Código de Defesa do Consumidor é proteger o hipossuficiente em decorrência de sua vulnerabilidade - no caso perante à instituição financeira -, e tem como finalidade, nos termos da Política Nacional das Relações de Consumo, resguardar os interesses econômicos e harmonizar os negócios consumeristas.No presente caso, a hipossuficiência da empresa ré é evidente, porque não possui a mesma atividade econômica do autor. Ou seja, a ré não possui conhecimentos técnicos sobre contratos de concessão de crédito por parte de instituição financeira, e da mesma forma como qualquer pessoa física, está sujeita à adesão de cláusulas prefixadas.[...]O Superior Tribunal de Justiça tem admitido a incidência do CDC em relação às pessoas jurídicas quando constatada sua hipossuficiência perante o fornecedor de serviços.Em atenção ao art. 6º, inciso V e ao art. 51, ambos previstos no Código de Defesa do Consumidor, é patente a possibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das cláusulas contidas nos contatos que instrumentalizam as relações de consumo, especialmente com o fim de aniquilar as arbitrariedades comumente inseridas nos contratos de adesão, tal como nos contratos de natureza bancária. [...] (TJSC, Apelação Cível n. 0016073-38.2013.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 26-04-2018).Portanto, aplicável ao caso as regras do Código de Defesa do Consumidor (Apelação n. 0020521-55.2007.8.24.0008, rel. Des. Newton Varella Junior, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 15-6-2021).
Decisão mantida também nesse ponto.
3. Possibilidade de Revisão do Pacto
Ademais, imperioso ressaltar que não procede a alegação do banco no sentido de que a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor não confere assim, por si só, direito à revisão ou declaração imediata de nulidade das cláusulas contratuais que reputam desvantajosas.
Isso porque o togado singular aplicou o Código de Defesa do Consumidor e, consubstanciado ao entendimento de que é possível, em casos deste jaez, a mitigação do princípio do pacta sunt servanda, a jurisprudência possui o entendimento de que:
"[...] com suporte na legislação consumerista, deve o Poder Judiciário proceder à "modificação" das cláusulas de contratos bancários que estabeleçam "prestações desproporcionais" (CDC, art. 6, V); além de declarar "nulas de pleno direito, entre outras", aquelas cláusulas "abusivas", que coloquem o consumidor em "desvantagem exagerada" (art. 51, IV).Ademais, a possibilidade de revisão das cláusulas de um contrato oriundo de relação de consumo assenta-se nas normas protetivas do consumidor previstas em lei especial, sobretudo diante dos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual, de modo a mitigar o princípio do pacta sunt servandaO que não se pode perder de vista, no entanto, é que "o reconhecimento da incidência da Lei n. 8.078/1990 não implica, necessariamente, o acatamento das teses suscitadas" pelo consumidor (Ap. Cív. n. 2011.049517-9, Primeira Câmara de Direito Comercial, rel. Des. Ricardo Fontes, j. em 14-7-2011).Portanto, possível a revisão judicial da avença celebrada entre as partes (Apelação Cível n. 0302675-20.2015.8.24.0024, de Fraiburgo, rel. Des. Janice Goulart Garcia Ubialli, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 26-5-2020)".
Assim, ante a mitigação...

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