Acórdão Nº 0300014-40.2016.8.24.0022 do Quinta Câmara de Direito Civil, 18-02-2020
Número do processo | 0300014-40.2016.8.24.0022 |
Data | 18 Fevereiro 2020 |
Tribunal de Origem | Curitibanos |
Órgão | Quinta Câmara de Direito Civil |
Classe processual | Apelação Cível |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Cível n. 0300014-40.2016.8.24.0022, de Curitibanos
Relator: Desembargador Ricardo Fontes
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONDENATÓRIA. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. ERRO MÉDICO. FRATURA DE TÍBIA. INTERVENÇÃO CIRÚRGICA. RETARDO NA CONSOLIDAÇÃO ÓSSEA. DEBILIDADE PERMANENTE NA MARCHA. IMPROCEDÊNCIA À ORIGEM.
RECURSO DO AUTOR. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS PROFISSIONAIS MÉDICOS. OBRIGAÇÃO DE MEIO. COMPROVAÇÃO DE DOLO OU CULPA INDISPENSÁVEIS. EXAME PERICIAL. CONDUTA DO REQUERIDO QUE OBEDECEU AOS PADRÕES TÉCNICOS E À LITERATURA PERTINENTE. FATORES PESSOAIS DO DEMANDANTE QUE INFLUENCIARAM NO ATRASO DA CONSOLIDAÇÃO DA FRATURA. AUTOR QUE DESISTIU DO TRATAMENTO PÓS-OPERATÓRIO E PROCUROU OUTRO PROFISSIONAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE AS LESÕES PERMANENTES DECORRERAM DE CONDUTA CULPOSA DO REQUERIDO. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300014-40.2016.8.24.0022, da comarca de Curitibanos 1ª Vara Cível em que é Apelante Ivo Poltronieri e Apelado Marcelo Kutzke.
A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 18 de fevereiro de 2020, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Cézar Medeiros e dele participou a Excelentíssima Senhora Desembargadora Cláudia Lambert de Faria.
Florianópolis, 19 de fevereiro de 2020.
Desembargador Ricardo Fontes
Relator
RELATÓRIO
Transcreve-se, por oportuno, o relatório da sentença (fl. 503):
IVO POLTRONIERI, qualificado, promove AÇÃO INDENIZATÓRIA contra MARCELO KUTZKE, também qualificado, ao fundamento de que, em razão de um acidente sofrido, realizou tratamento médico com o réu, sendo que este, junto ao hospital de Campos Novos, o deixou por aproximadamente três horas sem atendimento. Em seguida, não atendeu os apelos de familiares para transferência do paciente a outro hospital, tendo em vista sua alergia a anestesia. A cirurgia foi realizada, permanecendo longo período com a perna engessada. Foi tratado com descaso pelo acionado. Passados aproximadamente oito meses retornou ao hospital para retirar os pinos. Pede a condenação do réu por danos estéticos e morais, bem como ao pagamento de pensão mensal vitalícia correspondente a um terço do salário-mínimo.
O réu contesta alegando que prestou ao autor todo o atendimento necessário, como consta dos documentos. Impugna os argumentos autorais e requer a improcedência do pleito.
Saneado e instruído o feito, com a realização da prova oral e pericial, as partes apresentaram suas alegações finais: o autor reafirma o deficiente atendimento prestado pelo réu, havendo dúvidas seja o mesmo responsável pelo prontuário médico devido a ausência de sua assinatura. Impugna o laudo pericial. Requer a procedência. Já o réu reafirma o atendimento correto ao paciente e requer a improcedência.
Ato contínuo, o MM. Juiz de Direito resolveu a controvérsia em decisão lavrada com o seguinte dispositivo (fl. 506):
Isto posto, REJEITA-SE a pretensão deduzida. Condeno o autor ao pagamento das custas processuais, honorários periciais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 3.000,00, ônus processuais e exigibilidade suspensa em razão da Justiça Gratuita deferida.
Insatisfeito com o teor do pronunciamento, o autor interpôs recurso de apelação (fls. 510-519). Asseverou, em resumo, que: a) percebe-se a falta de zelo do profissional médico da simples leitura do prontuário, uma vez que as primeiras orientações foram concedidas via telefone; b) ao receitar a tala, houve evidente negligência do apelado, na medida em que recomendou a colocação do artefato na perna direita, embora o membro inferior lesionado fosse o esquerdo; c) jamais abandonou o tratamento e somente procurou outro especialista em razão do visível fracasso do procedimento efetuado pelo recorrido; d) estão demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil no presente caso, de modo que o apelado deve ser condenado a indenizar todos os prejuízos sofridos; e) o dano estético está caracterizado pela cicatriz aparente em sua perna, bem como pela debilidade permanente de sua marcha, circunstância que o obriga a utilizar muletas diariamente; f) o sofrimento advindo da conduta displicente do médico foi tamanho a ponto de lhe ensejar profundo abalo moral; g) conforme avaliação emitida por fisioterapeuta, mesmo após 9 (nove) meses de imobilização por gesso, a fratura ainda apresentava sinais radiográficos de não estar consolidada; h) o laudo pericial produzido nos autos contém diversas opiniões pessoais do especialista e não serve para embasar a opinião do Juízo, uma vez que não avaliou corretamente as suas lesões; i) embora o expert tenha indicado a necessidade de acompanhar a situação da fratura por exames periódicos, o recorrido não deu ao caso a devida importância; e j) mostra-se imperiosa a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie e, reconhecida a conduta negligente do apelado, a sentença deve ser reformada para condená-lo a indenizar os danos experimentados.
O apelado apresentou contrarrazões (fls. 524-533).
Vieram os autos conclusos.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto por Ivo Poltronieri contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos deduzidos contra Marcelo Kutzke, porquanto não constatado no exame pericial que a demora na consolidação da fratura deveu-se ao suposto erro médico, razão por que a conduta do profissional foi considerada regular.
Ressalta-se, inicialmente, que a relação jurídica subjacente à presente demanda consubstancia-se em típica relação de consumo. Isso porque, forte no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, o réu apresenta-se como profissional liberal prestador de serviços médicos, enquadrando-se no conceito de fornecedor, ao passo que o autor, nos termos do art. 2º da lei regente, assumiu o papel de destinatário final dos serviços prestados pelo demandado.
Aliás, embora o autor não tenha firmado contrato específico com o réu, "'aplica-se o Código de Defesa do Consumidor quando o serviço prestado por hospital privado, embora não cobrado do paciente diretamente, seja pago pelo Sistema Único de Saúde - SUS, que, em razão do convênio existente, arca com os custos dos atendimentos realizados, sendo possível determinar os gastos específicos de cada ocorrência' (AI n. 2014.010366-0, de São Bento do Sul, Sexta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Ronei Danielli, j. 27-5-2014)" (AC n. 0001020-23.2012.8.24.0079, de Videira, Sétima Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, j. 5-9-2019).
Como cediço, a legislação consumerista estabelece, como regra, que a responsabilidade civil dos fornecedores pelo fato ou vício do produto ou serviço é de ordem objetiva, isto é, sem a exigência de demonstração de culpa ou dolo (arts. 14 e 19, do CDC; e art. 927, caput, do Código Civil).
Contudo, em exceção à normativa geral, o art. 14, § 4º, do diploma protetivo, determina que, nos casos de erro médico, por se tratar de serviço prestado por profissional liberal, a responsabilidade será subjetiva, ou seja, mostra-se imprescindível à responsabilização do requerido a aferição de culpa, seja na modalidade de imprudência, negligência ou imperícia.
De fato, compreende-se que o profissional médico - salvo algumas exceções, como na cirurgia plástica -, atua em obrigação de meio e não de resultado....
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