Acórdão Nº 0300103-97.2016.8.24.0043 do Segunda Câmara de Direito Civil, 12-03-2020

Número do processo0300103-97.2016.8.24.0043
Data12 Março 2020
Tribunal de OrigemMondai
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0300103-97.2016.8.24.0043, de Mondaí

Relator: Desembargador Jorge Luis Costa Beber

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ERRO NO RESULTADO DE EXAME LABORATORIAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA.

AVENTADA FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. TESE ACOLHIDA. SISTEMÁTICA CONTAGEM PLAQUETÁRIA EQUIVOCADA (NOVE EXAMES). AUSÊNCIA DE DILIGÊNCIAS CAPAZES DE AFASTAR A HIPÓTESE DE PSEUDOPLAQUETOPENIA. SIMPLES EXAME DE HEMATOSCOPIA (VISUALIZAÇÃO DA LÂMINA POR MICROSCÓPIO) QUE POSSIBILITARIA AFERIR OU DESCARTAR A AGREGAÇÃO PLAQUETÁRIA. ALTERNATIVA, AINDA, DIANTE DA SUSPEITA DE INCOMPATIBILIDADE DO PLASMA DA DEMANDANTE COM O ANTICOAGULANTE EDTA, DO REFAZIMENTO DO EXAME COM CITRATO DE SÓDIO. LITERATURA MÉDICA ESPECÍFICA.

ENTREGA DOS EXAMES COM RESULTADOS ERRÔNEOS QUE, NO CASO EM FOCO, DIANTE DAS REPERCUSSÕES ENVOLVENDO A BAIXA CONTAGEM DE PLAQUETAS, NÃO AFASTA A INFUNDADA SUPOSIÇÃO DE DOENÇAS GRAVES, DENTRE ELAS LÚPUS, DOENÇAS DO COLÁGENO, LEUCEMIA LINFOCÍTICA CRÔNICA, LINFOMAS, TUBERCULOSE, SARCOIDOSE E, PRINCIPALMENTE, SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS).

INEGÁVEL ANGÚSTIA, PREOCUPAÇÃO E RECEIO DA DEMANDANTE, COM LASTRO SUFICIENTE PARA ATINGIR ATRIBUTOS DA SUA PERSONALIDADE. DANOS MORAIS CONFIGURADOS.

PREJUÍZOS MATERIAIS IGUALMENTE DEVIDOS, ABRANGENDO OS VALORES CORRESPONDENTES AOS EXAMES COM RESULTADOS INVERÍDICOS, ALÉM DAQUELES QUE A AUTORA TEVE QUE SE SUBMETER EM RAZÃO DA FALHA EMPREENDIDA PELA RÉ.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Os serviços oferecidos pelos laboratórios de análises clínicas congregam inequívoca obrigação de resultado, e não meras possibilidades, incógnitas ou incertezas. Por isso, no exame de contagem plaquetária, notadamente quando apresenta resultado abaixo dos níveis de referência, não deve o laboratório dispensar, no rol dos seus procedimentos de rotina, a análise de possível pseudoplaquetomia, ou falsa redução das plaquetas circulantes, justo que a propagação do errôneo resultado, além de gerar um quadro de afligimento com a suposição de patologias graves, pode ocasionar investigações desnecessárias, como mielogramas e biópsia de medula óssea. Técnicas simples de hematoscopia ou refazimento do exame com uso de nitrato de sódio que viabilizam distinguir as verdadeiras plaquetopenias das pseudoplaquetopenias, em especial a EDTA-dependente.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300103-97.2016.8.24.0043, da comarca de Mondaí Vara Única em que é Apelante Solange Berwanger Konzen e Apelado Clinilab Laboratório de Análises Clínicas - Toebe Studt & Toebe Studt Ltda - Me.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por meio eletrônico, por votação unânime, conhecer e negar provimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, as Exmas. Sras. Desa. Rosane Portella Wolff e Desa. Subst. Bettina Maria Maresch de Moura.

Florianópolis, 12 de março de 2020.

Desembargador Jorge Luis Costa Beber

Presidente e Relator


RELATÓRIO

Solange Berwanger Konzen interpôs recurso de apelação contra a sentença que, nos autos da "ação de indenização em decorrência de equívoco no diagnóstico de exame laboratorial" que move em face de CLINILAB Laboratório de Análises Clínicas - Toebe Studt & Toebe Studt Ltda. ME, julgou improcedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:

"Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados por Solange Berwanger Konzen em face de Clinilab Laboratório De Análises Clínicas - Toebe Studt & Toebe Studt Ltda - Me.

Condeno a parte autora no pagamento de custas e despesas processuais e honorários de sucumbência, os quais fixo, com fulcro no artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil, em R$ 1.500,00.

A exigibilidade da condenação em relação à parte autora fica suspensa por litigar sob os benefícios da justiça gratuita (artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil)."

Sustentou a recorrente, inicialmente, ser incontroverso que os 9 (nove) exames laboratoriais que realizou junto à acionada acusaram, falsamente, a baixa contagem de plaquetas.

Alegou que a ré não comprovou a efetiva existência da causa apontada como determinante para imprecisão do resultado, consistente na sua rara condição sanguínea de "EDTA dependência", que gera a aglutinação de plaquetas, o que poderia ter sido demonstrado por meio de perícia.

Impugnou o depoimento das testemunhas e da representante legal da acionada e ressaltou que a equivocada contagem de plaquetas deve ser afastada pelo laboratório antes da entrega do resultado ao paciente, mediante verificação complementar de amostra em microscópio ou, na sua impossibilidade, lançar observação contendo recomendação para novo exame, o que não ocorreu no caso.

Acrescentou que a errônea contagem de plaquetas tem outras origens além do comportamento anômalo do sangue e que, ainda que possuísse a condição EDTA-dependente, trata-se de um achado laboratorial que deve ser informado pelo laboratório ao paciente e ao médico.

Após realçar o dever da acionada de entregar resultados laboratoriais precisos, afirmou que em decorrência da defeituosa prestação dos serviços pela empresa acionada viveu 5 (cinco) meses de absoluto calvário, sob suspeita de ser portadora de grave doença, realizando exames complexos e invasivos em razão do erro da apelada.

Requereu, à luz desses argumentos, o provimento do recurso para que a sentença seja reformada, condenando-se o laboratório acionado ao pagamento de indenização por danos morais e materiais.

Com as contrarrazões (fls. 151-155), vieram-me os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

Dispensada a apelante do recolhimento do preparo por ser beneficiária da justiça gratuita, e satisfeitos os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

O apelo investe contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, pretendendo a recorrente a sua reforma para que a ré seja condenada ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, alegando, na essência, a falha na prestação dos seus serviços laboratoriais, que resultou na entrega de exames com resultados equivocados, inexistindo prova de que seja portadora de rara condição sanguínea que impeça o resultado preciso do exame.

Definido o ponto nodal sobre o qual controvertem as parte, cumpre realçar de saída que a responsabilidade civil dos fornecedores de serviços é de de ordem objetiva, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. À vista disso, o que se deve perscrutar é se o serviço prestado pelo apelante foi defeituoso ou não, restando positivado o dever de indenizar se configurado o dano e o nexo causal, atuando, por outro lado, como excludentes de responsabilidade, a inexistência de defeito no serviço e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º, I e II, do CDC).

Pois bem, é incontroverso que no período de dezembro/2014 a março/2015 a acionada foi responsável pela realização de 9 (nove) exames de sangue (8 Hemogramas e 1 Coagulograma completo), cujos resultados apontaram um número de plaquetas bastante inferior aos índices normais de referência (fls. 24-31 e 32).

Os aludidos exames foram realizados sob a responsabilidade da proprietária do laboratório, a bioquímica Marlene Toebe Studt, que buscou, através de longo depoimento pessoal, demonstrar a ausência de erros nos seus procedimentos, justificando, em resumo, que os resultados equivocados nos exames da demandante derivaram de uma rara situação, conhecida na ciência médica como pseudoplaquetopenia, ou seja, uma falsa constatação no exame hematológico da redução na quantidade de plaquetas circulantes, pressupondo um quadro de plaquetopenia, também chamada de trombocitopenia.

De acordo com as explanações anunciadas (mídia de fl. 86), um hemograma pode ser realizado pelo método manual, que é mais antigo e pouco usual, ou por automação, que é mais preciso e foi aplicado nos exames da demandante, possuindo apenas uma etapa manual que compreende o uso de microscópio.

Explicou a aludida bioquímica que após a coleta do sangue é necessário o uso de um anticoagulante e que, especificamente para o hemograma, o reagente indicado e mais confiável é o EDTA, por manter inalteradas todas as estruturas sanguíneas (e que, por isso, os demais reagentes não são usados no hemograma por comprometerem a estrutura celular). Acrescentou que o EDTA é utilizado tanto no método manual quanto na automação, tratando-se de solução pronta aplicada no exame (tubos já são prontos com a quantidade de EDTA), e que um hemograma completo não pode ser feito com outro reagente que não o EDTA.

Especificamente em relação ao reagente citrato de sódio, ponderou que não pode ser usado no aparelho que faz o hemograma e que, por isto, apenas pode ser empregado no exame isolado de plaquetas. Disse, ainda, que este tipo de exame somente é realizado mediante solicitação específica do médico para tirar dúvidas (por entender que houve prejuízo na contagem) e que, por tal razão, o citrato não é usado na repetição dos exames em laboratório.

Seguiu afirmando que o sangue da autora "não aceita o EDTA", fazendo com que as plaquetas de agrupem e, com isto, fiquem grandes, o que leva o aparelho a considerá-las leucócitos, diminuindo, consequentemente, a leitura do número de estruturas plaquetárias, acusando, então, o equivocado resultado inferior.

Referiu que tal fenômeno é extremamente raro e que nunca tinha enfrentado uma situação semelhante em 30 (trinta) anos de profissão, tendo conhecimento a respeito apenas pela bibliografia.

Anunciou, ademais, que: 1) o contador hematológico é calibrado todo ano e o laboratório apenas ganha o alvará se for apresentada tal revisão; 2) que o aparelho está dentro das especificações da ANVISA; 3) o aparelho não indica a ocorrência de erro nesse caso de reação anormal ao EDTA; 4) fora deste...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT