Acórdão Nº 0300125-69.2019.8.24.0070 do Primeira Câmara de Direito Civil, 11-11-2021

Número do processo0300125-69.2019.8.24.0070
Data11 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300125-69.2019.8.24.0070/SC

RELATOR: Desembargador RAULINO JACÓ BRUNING

APELANTE: CRISTIAN DUEMES (AUTOR) APELANTE: FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA (RÉU) APELADO: COMERCIO DE AUTOMOVEIS RIO DO SUL LTDA (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Adoto o relatório da r. sentença proferida na Comarca de Taió, da lavra do Magistrado Jean Everton da Costa, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis:

Cristian Duemes ajuizou esta ação contra Ford Motor Company Brasil Ltda. e Buatim Comércio de Automóveis Rio do Sul Ltda. aduzindo, em síntese: que em 31-07-2018 adquiriu junto à segunda requerida um automóvel Ford Ka SE 1.0 HATCH novo, fabricado pela primeira requerida, pelo valor de R$ 41.490,00 por meio de financiamento bancário; que, logo nos primeiros dias de uso, constatou defeitos no veículo tal como falha na vedação, desalinhamento nas portas traseiras, infiltração e ruídos na suspensão traseira; que levou o veículo em cinco oportunidades à segunda requerida para manutenção e solução dos problemas, mas que não foram resolvidos.

Assim, requereu sejam as rés condenadas à devolução do valor pago pelo veículo, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no importe de 40 salários-mínimos (fls. 01-32).

Foi indeferida a tutela de urgência (fls. 192-194).

Citadas, as requeridas apresentaram contestação.

A segunda ré (fls. 201-216) arguiu, preliminarmente sua ilegitimidade passiva. No mérito, sustentou que foram realizados os reparos, asseverando que o fato de o autor trafegar em estradas com muita trepidação contribuiu para os vícios. Disse que os ruídos dependem da percepção individual de cada condutor, o que não pode ser considerado vício ou defeito. Alegou que como o veículo era entregue no mesmo dia ao autor ficou impossibilitada de investigar a fundo os problemas alegados. Discorreu acerca dos procedimentos adotados em cada uma das ocasiões em que o veículo foi levado para realização de reparos na concessionária. Asseverou que sempre ofereceu atendimento rápido e cordial ao cliente. Aduziu ser indevida a restituição do valor pago, pois o autor jamais ficou impossibilitado de utilizar o veículo. Sustentou a ausência de abalo moral ao autor, bem como a impossibilidade de inversão do ônus da prova.

De seu turno, a primeira ré (fls. 234-246) aduziu, em matéria preliminar, a impossibilidade de inversão do ônus da prova. No mérito, disse não existir motivo para rescisão do contrato de compra e venda do veículo, argumentando que o bem não possui vício oculto insanável, tampouco impossibilidade de ser utilizado de forma regular. Asseverou que as reclamações do consumidor estão desprovidas de qualquer análise técnica. Mencionou os atendimentos prestados ao cliente. Disse que o veículo jamais permaneceu mais de 30 dias na concessionária para conserto. Em caso de condenação, pugnou para que seja observado o valor do veículo na data do pagamento com base na tabela FIPE. Refutou o pedido de indenização por danos morais, ante a ausência de seus pressupostos.

Houve réplica (fls. 277-306).

Acresço que o Juiz a quo julgou procedentes os pedidos iniciais, entendendo que os vícios de qualidade no automóvel sub judice foram demonstrados, o que é apto a rescindir o contrato e resulta em abalo moral, conforme parte dispositiva que segue:

Diante do exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTE EM PARTE os pedidos deduzidos na inicial para, em conseguinte:

A) DECLARAR rescindido o contrato de compra e venda do veículo descrito na inicial celebrado entre as partes e, por consequência, CONDENAR as requeridas, solidariamente, à restituição do valor de mercado do referido automóvel na data em que for devolvido à concessionária, utilizando-se como referência a tabela FIPE, com atualização monetária (INPC) e juros de mora (1% ao mês), a partir da devolução pelo autor; e

B) CONDENAR as requeridas, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos pelo INPC a partir desta decisão (Súmula nº 362 do STJ) e acrescidos de juros de mora (1% ao mês) a contar da citação.

Considerando que o autor sucumbiu em parte mínima dos pedidos (art. 86, § único, do CPC), condeno a parte ré ao pagamento integral das custas e honorários advocatícios, sendo estes fixados em 10% sobre o proveito econômico obtido pelo demandante (art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil), tendo em vista a natureza da ação, a baixa complexidade da causa, os atos realizados pelos patronos e o tempo do processo.

Transitada em julgado, arquive-se.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Inconformado, Cristian Duemes apela, alegando, em síntese, que: a) "a restituição da quantia paga deve ser, no presente caso, não com o valor do mercado, isto é, da Tabela Fipe, ou a substituição por outro bem do mesmo modelo ano e fabricação, mas do valor que o requerente despendeu para a aquisição do veículo, que, segundo se extrai dos comprovantes de pagamento foi de R$ 41.490,00"; b) o valor do dano moral deve ser majorado para o patamar sugerido de 40 salários mínimos (EVENTO 32).

Outrossim, Ford Motor Company Brasil Ltda. recorre adesivamente, asseverando que: a) houve cerceamento de defesa, pois não foi oportunizada a prova pericial; b) os vícios alegados não foram comprovados, pois "as ordens de serviço de abertura documentam tão somente as reclamações e percepções subjetivas e unilaterais do consumidor acerca do veículo, despidas de qualquer análise técnica" (fl. 10); c) ademais, não deve ser excluída "a possibilidade de que tais inconsistências sejam consequência do uso irregular do bem, seja por meio da falta de cuidado durante a condução do automóvel ou sua utilização em vias que gradativamente prejudiquem seu funcionamento regular" (fl. 5); d) o abalo moral não restou demonstrado; e) se mantida a condenação a danos morais, o valor compensatório deve ser reduzido (EVENTO 37).

Ato contínuo, ambas as partes ofertaram contraminuta (EVENTOS 38 e 41).

A seguir, o acionante acostou nova documentação (EVENTO 8, SG), da qual a parte ré teve vista (EVENTO 15, SG).

VOTO

Os recursos são tempestivos. A insurgência do autor está dispensada de preparo (pois beneficiário da gratuidade judiciária) e a da ré munida de seu recolhimento (EVENTO 37, Comprovantes 2).

1. Do reclamo da Ford

1.1. Cerceamento de defesa

Em suas razões de inconformismo, a fabricante do veículo afirma que era inadmissível o julgamento antecipado do mérito, porquanto não fora oportunizada a produção de prova pericial.

A insurgência, porém, não procede.

Como cediço, o Magistrado é o destinatário direto do acervo probatório. A ele cabe apreciar e valorar objetivamente os elementos de prova e, à luz do princípio do livre convencimento motivado (também conhecido como princípio da persuasão racional), formar o seu entendimento.

Neste contexto, o Julgador detém certa margem de liberdade no exame da pertinência da prova, de modo que pode indeferir aquelas que considerar inúteis ou meramente protelatórias, conforme dispõe o art. 370 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Ainda, segundo o art. 355 da referida lei processual, "o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas".

Assim, não havendo necessidade de dilação probatória, o Togado deve proferir sentença desde logo.

In casu, há farta documentação nos autos a amparar o arcabouço probatório (como ordens de serviço, notas fiscais e fotografias), o que torna prescindível a realização de prova pericial no caso concreto.

Neste particular, embora a ré tenha formulado pedido (genérico, diga-se) de produção de "todas as provas legais cabíveis" (EVENTO 14, fl. 13), é certo que "'o simples requerimento de provas não torna imperativo o seu conhecimento, sendo certo que o juiz pode, diante do cenário dos autos dispensá-las, se evidenciada a desnecessidade de sua produção' (STJ, Resp 50.020-PR, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Em outros termos, inocorre cerceamento de defesa se não atendido pedido expresso de produção de prova" (PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 459).

Neste sentido:

No momento em que o Magistrado constatar que a prova documental acostada aos autos é suficiente para motivar o seu convencimento, sentindo-se apto a oferecer a tutela jurisdicional, deve julgar o feito, sem que isso configure cerceamento de defesa, na exata medida em que o mérito envolve questão de fato e de direito que independem da produção de provas em audiência (TJSC, Apelação Cível n. 2010.074190-1, de Blumenau, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 7-11-2013).

Assim, rejeita-se, pois, a preliminar aventada.

1.2. Vício do produto

A insurgência investe contra sentença na qual o Magistrado singular entendeu que o veículo zero quilômetro adquirido pelo acionante apresentara vícios de qualidade por inadequação, o que autoriza a restituição ao status quo ante e a condenação das...

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