Acórdão Nº 0300136-59.2017.8.24.0235 do Primeira Câmara de Direito Público, 07-06-2022

Número do processo0300136-59.2017.8.24.0235
Data07 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300136-59.2017.8.24.0235/SC

RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU

APELANTE: NELSON GUINDANI (AUTOR) ADVOGADO: CARLOS ALBERTO BRUSTOLIN (OAB SC019433) APELADO: MUNICIPIO DE HERVAL D'OESTE (RÉU) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação cível interposta por Nelson Guindani contra sentença proferida em sede de "ação de cobrança" movida em face do Município de Herval D'Oeste.

O decisum objurgado observando a inexistência de legislação local assegurando a percepção dos benefícios sociais pleiteados aos agentes políticos, julgou improcedentes os pedidos exordiais, com lastro no princípio da estrita legalidade.

Em sua insurgência, o apelante disse que a magistrada a quo fundamenta sua improcedência sob a alegação de que é necessário a regulamentação na legislação municipal para a concessão das verbas, pois a previsão constitucional não pode ser interpretada como de eficácia plena. Defende que a lei orgânica do Município de Herval d'Oeste estabelece o pagamento integral da remuneração ao prefeito de férias, sendo nítida a intenção do legislador de conceder aos agentes políticos o direito ao recebimento das previsões constitucionais. Assevera que o pagamento da remuneração em forma de subsídio não elimina o direito ao décimo terceiro salário e ao terço de férias, pois essas vantagens, como direitos individuais constitucionais, não significam e nem se confundem com gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou qualquer outra espécie remuneratória, cuja vedação consta no §4° do art. 39 da Constituição Federal. Destaca que o cargo de prefeito é caracterizado de agente público, estando enquadrado no conceito de servidor público, não impossibilitando a aplicação da Lei Complementar n. 281/11 em seu favor. Afirma que o Supremo Tribunal Federal definiu no julgamento do RE com repercussão geral n. 650.898 a possibilidade do pagamento de terço de férias e 13º salário aos ocupantes do Executivo (Prefeito e Vice-Prefeito). Ao final, pugna pelo provimento do recurso para, reformando a sentença, reconhecer o direito ao recebimento de gratificação natalina e 1/3 sobre férias anuais remuneradas, nos termos da exordial.

Em sede de contrarrazões, o apelado pugnou pela manutenção do decisum.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça não identificou na causa interesse público que justificasse a sua intervenção.

Esta Primeira Câmara de Direito Público, em sessão realizada em 19.10.2021, por unanimidade decidiu dar provimento ao recurso para, julgando procedente o pedido inicial, condenar o Município de Herval d'Oeste ao pagamento das rubricas relativas às férias, ao adicional de férias e à gratificação natalina, nos períodos mencionados à exordial, acrescidos dos consectários legais, invertidos os ônus sucumbenciais.

Irresignado com a decisão, o Município de Herval D'Oeste interpôs Recurso Extraordinário, o qual foi provido pelo Ministro relator Dias Toffoli "para cassar o acórdão recorrido e determinar que o Tribunal de origem, aplicando a orientação fixada nesta decisão, proceda a novo julgamento do feito, como de direito".

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se na origem de pedido de condenação no pagamento de décimo terceiro salário, férias e terço constitucional de férias, formulado por agente político, relativos aos exercícios de 2009 a 2016, em que exerceu o mandato de Prefeito Municipal de Herval D'Oeste.

Pois bem.

Sem delongas, não assiste razão ao recorrente.

Sobre o tema, a Constituição da República estabelece em seu art. 39, §4º, que os detentores de mandato eletivo serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no artigo 37, incisos X e XI.

Verifica-se que a intenção do legislador é vedar outra forma de pagamento aos agentes políticos que não a de subsídio, não se permitindo estender a eles as vantagens dos servidores públicos e trabalhadores em geral.

Todavia, ao contrário do que aparentemente sugere o texto constitucional, o regime de subsídio mensal único não é incompatível com a percepção de alguns dos direitos sociais concedidos aos trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º CF), devendo o § 4º ser interpretado em harmonia com o § 3º do citado art. 39 da Carta Política.

Esse é o entendimento assentado pelo Colendo STF no julgamento do RE nº 650.898-RS, sob o regime de repercussão geral, objeto do Tema nº 484, segundo o qual o regime de subsídio não é incompatível com a percepção do décimo terceiro salário e do terço constitucional de férias. Referido acórdão restou assim ementado:

Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. Ação direta de inconstitucionalidade estadual. Parâmetro de controle. Regime de subsídio. Verba de representação, 13º salário e terço constitucional de férias. 1. Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados. Precedentes. 2. O regime de subsídio é incompatível com outras parcelas remuneratórias de natureza mensal, o que não é o caso do décimo terceiro salário e do terço constitucional de férias, pagos a todos os trabalhadores e servidores com periodicidade anual. 3. A "verba de representação" impugnada tem natureza remuneratória, independentemente de a lei municipal atribuir-lhe nominalmente natureza indenizatória. Como consequência, não é compatível com o regime constitucional de subsídio. 4. Recurso parcialmente provido" (RE nº 650898-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Roberto Barroso, j. 1º/02/17, DJe 24/08/17).

Do inteiro teor do precedente, colhe-se excerto pertinente ao deslinde da controvérsia:

(...) O regime constitucional de remuneração por subsídio, inserido na Constituição pela EC nº 19/1998, teve o objetivo de racionalizar a forma de remuneração de algumas carreiras públicas.Buscou-se simplificar a administração da folha de pagamento, alterando-se o modelo tradicional, composto pelo vencimento base acrescido de incontáveis vantagens pecuniárias, por uma fórmula de parcela remuneratória única.A instituição desse regime de parcela única voltou-se, portanto, à exclusão de "penduricalhos", i.e., rubricas com os mais diversos nomes, criadas, muitas vezes, para camuflar aumentos remuneratórios incompatíveis com a realidade econômica e financeira do Estado. Não se prescreveu esse modelo para suprimir verbas comparáveis a que qualquer trabalhador percebe.É evidente que os agentes públicos não podem ter uma situação melhor do que a de nenhum trabalhador comum. Não devem, contudo, estar condenados a ter uma situação pior. Assim, se todos os trabalhadores têm direito ao terço de férias e décimo terceiro salário, não se afigura razoável extrair do §4°, do art. 39 da CF, uma regra para excluir essas verbas dos agentes públicos, inclusive daqueles ocupantes de cargos eletivos.O regime de subsídio veda, assim, o acréscimo de parcelas na composição do padrão remuneratório mensal fixado para uma determinada carreira ou cargo público. Não é, porém, incompatível com o terço constitucional de férias e com o décimo terceiro salário, pagos em periodicidade anual, sem qualquer adição ao valor mensal da remuneração.Penso ser claro...

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