Acórdão Nº 0300157-66.2015.8.24.0021 do Sétima Câmara de Direito Civil, 12-03-2020

Número do processo0300157-66.2015.8.24.0021
Data12 Março 2020
Tribunal de OrigemCunha Porã
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0300157-66.2015.8.24.0021

Relator: Desembargador Carlos Roberto da Silva

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

INSURGÊNCIA DO RÉU.

SUSCITADA A POSSE INJUSTA DO DEMANDANTE. TESE DE NÃO QUITAÇÃO DAS PARCELAS REFERENTES AO CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ENTABULADO ENTRE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA E O POSSUIDOR ANTERIOR. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ADUZIDO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. ÔNUS PROBANDI QUE COMPETIA À CASA BANCÁRIA E DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU (ART. 333, II, DO CPC/1973). AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE AJUIZADA PELO BANCO RÉU EM DESFAVOR DO ARRENDATÁRIO JULGADA EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO (AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR). INEXISTÊNCIA DE PROVIDÊNCIAS POR PARTE DA CASA BANCÁRIA PARA A COBRANÇA DO SUPOSTO DÉBITO E/OU RESOLUÇÃO DO CONTRATO BANCÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL EXAURIDO PARA A DISCUSSÃO EM RELAÇÃO ÀS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS. APLICAÇÃO DOS ARTS. 205 E 206, § 5º, I, DO ATUAL CÓDIGO CIVIL. OBSERVÂNCIA À REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ART. 2.028 DA LEI ADJETIVA. PERDA DO DIREITO DE AÇÃO QUE ENSEJA A TRANSMUDAÇÃO DE POSSE QUALIFICADA COMO DETENÇÃO PARA POSSE COM A CARACTERÍSTICA AD USUCAPIONEM. INTELECÇÃO DO ENUNCIADO 237 DO CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL. TRANSFERÊNCIA DOS DIREITOS POSSESSÓRIOS AO USUCAPIENTE POR INTERMÉDIO DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. EXERCÍCIO DE POSSE MANSA, PACÍFICA E ININTERRUPTA POR LAPSO TEMPORAL SUFICIENTE À PRESCRIÇÃO AQUISITIVA PELO AUTOR. REQUISITOS DISPOSTOS NO ART. 1.260 DO CÓDIGO CIVIL DEVIDAMENTE COMPROVADOS. DOMÍNIO QUE DEVE SER DECLARADO EM FAVOR DO POSTULANTE. SENTENÇA MANTIDA.

ALMEJADA MINORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM DESFAVOR DO PATRONO DA PARTE CONTRÁRIA. REJEIÇÃO. VERBA HONORÁRIA FIXADA COM OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. MITIGAÇÃO NÃO ACOLHIDA.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300157-66.2015.8.24.0021, da comarca de Cunha Porã (Vara Única) em que é Apelante Banco do Brasil S.A. e Apelado Maicon Roberto Rampanelli.

A Sétima Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento foi presidido pelo Exmo. Des. Carlos Roberto da Silva, com voto, e dele participaram o Exmo. Des. Osmar Nunes Júnior e o Exmo. Des. Álvaro Luiz Pereira de Andrade.

Florianópolis, 12 de março de 2020.


Carlos Roberto da Silva

PRESIDENTE E RELATOR












RELATÓRIO

Banco do Brasil S.A. interpôs recurso de apelação contra sentença proferida em audiência (p. 110-112) que, nos autos da ação de usucapião ajuizada por Maicon Roberto Rampanelli, julgou procedente o pedido inicial.

Para melhor elucidação da matéria debatida dos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:

RELATÓRIO. Maicon Roberto Rampanelli ajuizou ação de usucapião em face de Banco do Brasil S/A, aduzindo que detém a posse mansa, pacífica e ininterrupta, com ânimo de dono, do veículo FORD Cargo 1215, placa LYO-8484, ano 1997/modelo 1997, pelo prazo superior há três anos. Aduziu que adquiriu o veículo em 2007 de Solmar Sibério Hubner ME, o qual era arrendado do réu. Afirmou que foi ajuizada ação de reintegração de posse pelo requerido, julgada extinta porque descaracterizado o arrendamento mercantil para contrato de copra e venda, sendo devolvido o bem à Solmar Sibério Hubner, sendo a posse exercida pelo autor desde então. Pretende a declaração de domínio do veículo. Pediu a procedência dos pedidos e juntou documentos de fls. 06/66. Citado, o réu apresentou contestação de fls. 83/87, aduzindo em preliminar a inépcia da petição inicial, porque ausente prova do ânimo de dono. No mérito, afirmou que o veículo é de propriedade do BESC Arrendamento Mercantil, incorporada pelo réu, não sendo o bem passível de usucapião por não constituir direito real e por faltar prova do ânimo de dono pelo autor. Por não estarem preenchidos os requisitos legais, segundo entendimento de defesa, requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos de fls. 88/90. O autor replicoui, fls. 93/95. Foi designada audiência de instrução, realizada nesta data com oitiva de três testemunhas arroladas pelo autor. É o breve relato. DECIDO.

Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:

DISPOSITIVO. Em razão do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido inicial, para declarar o domínio do veículo FORD Cargo 1215, placas LYO-8484 em favor do autor, Maicon Roberto Rampanelli, nos termos do art. 269, I do CPC. Condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do art. 20, § 4º do CPC, tendo em conta a natureza da causa, o tempo da lide e o desempenho dos profissionais. Oficie-se ao Detran/SC para que emita a segunda via do documento de transferência em favor do autor, a fim de que possa registrar o bem em seu nome, com o levantamento da restrição do arrendamento mercantil, já que desconstituída tal contratação (fls. 26/32). Nada mais sendo requerido, após transitada em julgado, arquivem-se. Publicado em audiência, intimados os presentes, registre-se.

Em suas razões recursais (p. 122-127) o demandado assevera que "o bem móvel alienado não pode ser levado a usucapião, sendo que a posse desse bem, por mais que passe o tempo, pelo adquirente, essa posse remonta ao fiduciante, que é a financiadora, a qual, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem, sendo que passa ao comprador fiduciário a posse direta, conservando para si a posse indireta e restando essa posse resolúvel em todo o tempo, até que o financiamento seja liquidado" (p. 124-125) e que "ocorrido o inadimplemento, transforma-se em posse injusta, incapaz de gerar direito a usucapião" [sic] (p. 125).

Amparado em tais argumentos, postula a reforma da sentença vergastada e, subsidiariamente, a minoração dos honorários advocatícios do patrono da parte contrária.

Com as contrarrazões (p. 137-142), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Por intermédio de decisão monocrática proferida em 6-3-2019, foi declinada da competência e determinada a remessa dos autos a uma das Câmaras de Direito Civil deste Tribunal (p. 223-225).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou procedente o pedido inaugural formulado pelo apelado em desfavor do apelante.

Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se da apelação interposta.

De início, destaca-se que a decisão recorrida foi publicada quando ainda vigente o Código de Processo Civil de 1973 (10-12-2015 – p. 113), motivo pelo qual a referida norma norteará a presente decisão, por incidência do princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais), nos moldes do art. 1.046 do novo Código de Ritos.

Tem-se como fato incontroverso que em 3-6-1997 o banco apelante entabulou contrato de arrendamento mercantil com Solmar Siberio Hubner em relação ao veículo Ford/Cargo 1215, ano/modelo 1997/1997, placas LYO8484, pacto no qual o arrendatário comprometeu-se ao pagamento do valor de R$ 41.600,00 (quarenta e um mil e seiscentos reais) em 36 (trinta e seis) prestações de R$ 1.069,17 (um mil e sessenta e nove reais e dezessete centavos) (p. 10-15).

Inconteste ainda que sobreveio ação de reintegração de posse ajuizada pela instituição financeira arrendadora, fundada na ausência de adimplemento da parcela n. 19 e seguintes (autos n. 021.99.000744-9, que tramitou na Vara Única da comarca de Cunha Porã), tendo havido a extinção do feito sem resolução de mérito, por ausência de interesse processual, em virtude de descaracterização do contrato de arrendamento mercantil para simples avença de compra e venda de veículo (p. 16-22). Referida deliberação foi mantida por ocasião do julgamento da Apelação Cível n. 2001.016490-6, e ocorreu o trânsito em julgado da decisão em 15-2-2002 (p. 33-42).

Por fim, indiscutível que em 16-4-2007 o autor da presente demanda adquiriu a posse do veículo usucapiendo por intermédio de contrato particular de compra e venda firmado com o possuidor anterior (p. 44-45).

A controvérsia, portanto, cinge-se em analisar se estão presentes os requisitos da usucapião de bem móvel previstos no art. 1.260 do Código Civil, bem como, de forma subsidiária, a pretendida minoração dos honorários advocatícios arbitrados em favor do patrono do apelado.

Sobre tais pontos, então, debruçar-se-á a presente decisão.

Adianta-se, desde já, que o apelo não comporta acolhimento.

Com efeito, não se desconhece o entendimento do STJ segundo o qual, mutatis mutandis, "a transferência de veículo gravado com propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), constitui ato de clandestinidade, incapaz de induzir posse (art. 1.208 do Código Civil de 2002), sendo por isso mesmo impossível a aquisição do bem por usucapião" (REsp n. 881.270/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 2-3-2010).

E deste Sodalício: "'Não tem ânimo de dono o locatário, o comodatário, o arrendatário e todos aqueles que exercem posse direta sobre a coisa, sabendo que não lhe pertence e com reconhecimento do direito dominial de outrem, obrigando-se a devolvê-la' (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 259)" (Apelação Cível n. 0051620-66.2005.8.24.0023, da Capital. rel. Des. Fernando Carioni, j. 14-2-2017).

Por via de consequência, em tese, o apelado não poderia se valer da prescrição aquisitiva para a declaração de propriedade sobre o veículo usucapiendo, haja vista a transferência do bem sem...

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