Acórdão Nº 0300178-04.2014.8.24.0045 do Primeira Câmara de Direito Civil, 17-09-2020

Número do processo0300178-04.2014.8.24.0045
Data17 Setembro 2020
Tribunal de OrigemPalhoça
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão

ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0300178-04.2014.8.24.0045

Relator: Desembargador José Maurício Lisboa

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA.

PLEITO PARA RECONHECIMENTO DE EXERCÍCIO DE POSSE ANTERIOR NA ÁREA SUPOSTAMENTE ESBULHADA, A QUAL DESEJA SER REINTEGRADA. TESE INSUBSISTENTE. DEMANDANTE QUE DEFENDE A PRETENSÃO INAUGURAL COM BASE EM CONTRATOS PARTICULARES DE CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS E POSSE ANTERIOR DE SEU ANTECESSOR, SEM, CONTUDO, LOGRAR ÊXITO EM COMPROVAR O EXERCÍCIO DE POSSE PRETÉRITA NA ÁREA EM LITÍGIO. ADEMAIS, TESTEMUNHAS OUVIDAS EM JUÍZO QUE CONFIRMAM QUE A ÁREA ERA OCUPADA PELA RÉ E NÃO PELA AUTORA OU SEU ANTECESSOR. REQUISITOS DO ART. 561 DO CPC/2015 NÃO SATISFEITOS. SENTENÇA ESCORREITA.

APELO REGIDO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. HONORÁRIOS RECURSAIS. OBEDIÊNCIA AO DISPOSTO NOS §§ 1º E 11º DO ARTIGO 85 DA REFERIDA NORMA. NECESSIDADE DE FIXAÇÃO ANTE O DESPROVIMENTO DO RECLAMO. PRECEDENTES.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300178-04.2014.8.24.0045, da comarca de Palhoça 1ª Vara Cível em que é Apelante Eunice Aparecida Ferreira e Apelado Marta Célia Ramos.

A Primeira Câmara de Direito Civil, em Sessão Ordinária hoje realizada, decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Gerson Cherem II, presidente com voto, e Des. Raulino Jacó Brüning.

Florianópolis, 17 de setembro de 2020.




José Maurício Lisboa

Relator





RELATÓRIO

De pronto, tenho por bem adotar o relatório da sentença, pois além de refletir fielmente a narrativa fática em apreço, garante celeridade ao trâmite processual (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), in verbis:


EUNICE APARECIDA FERREIRA ajuizou ação de reintegração de posse contra Marta Célia Ramos, ambas devidamente qualificadas e representadas no feito.

Em síntese, alegou a autora que há aproximadamente quatro anos a ré invadiu seu terreno (instalou-se provisoriamente sob uma lona, num pequeno canto da área). Aduziu que o antigo proprietário comunicou à acionada que esta não poderia ali permanecer, sendo informado que seria algo provisório, pois arrumaria uma casa para alugar e sairia. Afirmou que ele ficou com pena da situação, confiou e permitiu que a ré permanecesse provisoriamente, mas ela nunca saiu. Expôs que houve pedido de desocupação, mas a ré disse que "jamais sairia dali" (p. 2). Relatou que adquiriu o terreno em 2013, começou a exercer a posse e a conviver com a demandada. Asseverou que após a aquisição da área, a ré decidiu expandir a ocupação do imóvel (que acreditar lhe pertencer). Narrou que tentou explicar à ré que o terreno era dela e não permitiria qualquer alteração, mas as mudanças eram realizadas na "calada da noite" (p. 2). Formulou pedido de tutela de urgência, para ser reintegrada na posse do imóvel. Requereu a confirmação da medida e procedência dos pedidos articulados na inicial. Juntou documentos.

O pedido de tutela antecipada foi indeferido à p. 33, por decisão contra a qual não houve recurso.

Regularmente citada, a ré apresentou resposta sob a forma de contestação. Preliminarmente, requereu o indeferimento da inicial. No mérito, sustentou que zela pelo bem onde possui residência fixa, plantações e mora com a família. Ressaltou que nunca houve ameaças. Destacou que adquiriu a área por meio de contrato de compra e venda, sendo possuidora de boa-fé. Requereu a improcedência dos pedidos veiculados na exordial. Articulou pedido contraposto de indenização por perdas e danos. Juntou documentos.

Não houve réplica (p. 57).

Em decisão saneadora (p. 58), afastou-se o pedido de indeferimento da inicial e deferiu-se a produção de prova oral.

Na audiência de instrução e julgamento (realizada em conjunto nos autos em apenso n.º 0303578-26.2014.8.24.0045, ps. 98/99), sem acordo, foram tomados os depoimentos pessoais, e ouvidas cinco testemunhas: três arroladas pela autora e duas arroladas pela ré, com dispensa das demais.

Somente a autora ofereceu as derradeiras alegações, por memoriais (ps. 121/124 e 125).


Após, sobreveio a parte dispositiva da sentença (págs. 126-136), nos seguintes termos:


Ante o exposto, rejeito os pedidos articulados na petição inicial.

Condeno a autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2.º do CPC, com exigibilidade suspensa, ante a gratuidade da justiça que lhe foi deferida à p. 33.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquive-se, com as devidas baixas.


Irresignada, a autora interpôs o presente recurso de apelação cível (págs. 140-145), aduzindo a presença dos requisitos do art. 561 e seguintes do CPC/2015, eis que demonstrada ser possuidora do imóvel localizado na Rua Comandante Osni Schutel Furtado, s/nº, Praia de Fora, no município de Palhoça, com área de 753 m².

Salienta que só veio a tomar conhecimento do esbulho "após adquirir o imóvel e informar de que se tratara de nova legítima proprietária do bem, mas a apelada recusou-se em sair do imóvel", que "restou comprovado através do Instrumento Particular de Cessão de Direito Possessório anexo, que o imóvel objeto da presente ação é de propriedade da apelante, uma vez que transferido pelos senhores Roni Brocker e Lorena Gonçalves Ribeiro que detinham a posse do imóvel há mais de 30 anos" e que "a juntada de tal contrato é suficiente a comprovar a transferência do imóvel" (p. 143).

Por tais razões, defende a autora/apelante que deve receber a proteção disposta nos artigos 1.210 do Código Civil e 560 do Código de Processo Civil, a fim de ser reintegrada na posse do imóvel em comento.

Com as contrarrazões apresentadas às págs. 152-159, vieram-me, então, conclusos os autos.

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Eunice Aparecida Ferreira contra a sentença de improcedência proferida na presente ação de reintegração de posse, por si ajuizada, em face de Marta Célia Ramos.

Em suas razões, a apelante sustenta, consoante anteriormente resumido, ter adquirido os direitos possessórios do imóvel em voga, quando então, tomou conhecimento de que a ré/apelada encontrava-se no local, negando-se a desocupá-lo, mesmo após ter se apresentado como a "proprietária" da área. Salienta que a apresentação do contrato particular de cessão da posse é prova suficiente para a receber a proteção possessória perquirida com a presente ação.

Com efeito, acerca das ações possessórias, os artigos 560 e 561 da legislação processual civil de 2015, que repisam os termos dos revogados artigos 926 e 927 do CPC/1973, preveem que:


Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho.

Art. 561. Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.

Segundo os ensinamentos de Arnaldo Rizzardo:


Três são os interditos possessórios: o de manutenção de posse, quando o possuidor é turbado em sua posse; o de reintegração de posse, se ocorre o esbulho ou a perda da posse; e o proibitório, no caso de simples ameaça, sem a perda ou limitação parcial no exercício do direito sobre a posse.

O principal requisito comum às três espécies é o exercício da posse anterior, ou concomitante ao ato de turbação, ou de esbulho, ou de ameaça: "O primeiro requisito especial para o interdito reintegratório é a posse do autor ao tempo do esbulho. Se a posse for transferida por vontade própria, inexiste esbulho, devendo, portanto, ser decretada a carência de ação", sendo que a ação de reintegração de posse "é típica ação possessória, exigindo, para seu aforamento, prova da posse, do esbulho, e da data em que este ocorreu (CPC, art. 927, I, II e III). Assim, sem a posse anterior devidamente comprovada, não se admite reintegratória. É a posse o primeiro e principal requisito de toda a ação possessória, donde a missão do juiz, ao decidir questão assim, consistir em dar seu pronunciamento judicial sobre quem seja o verdadeiro possuidor entre os litigantes, pois extravasaria a controvérsia de seu âmbito se fosse indagar do jus possidendi".

[...]

Reintegrar equivale a integrar novamente, o que envolve um restabelecimento de alguém na posse de um bem do qual foi injustamente afastado ou retirado. [...]

Três pressupostos sobressaem: a) deverá o possuidor esbulhado ter exercido uma posse anterior; b) a posse do esbulho da posse que alguém provoca; c) a perda da posse em razão do esbulho.

Pratica esbulho quem priva outrem da posse, de modo violento ou clandestino, ou com abuso de confiança.

E para conseguir a reintegração, exige-se que o autor prove os seguintes requisitos: a) a posse que exerceu sobre a coisa; b) a existência de esbulho; c) a perda da posse; d) a data em que ocorreu o esbulho, a fim de postular a reintegração liminar, data que deverá ser de menos de ano e dia. (Direito das Coisas: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004. págs. 103 e 105)


Leciona o mesmo autor, que considera-se a "posse como o exercício de fato de um dos poderes inerentes ao domínio ou à propriedade. Ou é o uso ou a fruição, ou o proveito, de...

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