Acórdão Nº 0300180-10.2018.8.24.0020 do Quarta Câmara de Direito Público, 05-03-2020

Número do processo0300180-10.2018.8.24.0020
Data05 Março 2020
Tribunal de OrigemCriciúma
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0300180-10.2018.8.24.0020, de Criciúma

Relator: Desa. Vera Copetti

APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTAS ADMINISTRATIVAS APLICADAS PELO PROCON. MUNICÍPIO DE CRICIÚMA. IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA. ATUAÇÃO LEGÍTIMA. COMPETÊNCIA DETERMINADA PELOS ARTS. 55, §1º E 56, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, E ARTS. 2º, 4º, INCISOS III E IV, 5º E 18, §2º DO DECRETO FEDERAL N. 2.181/97. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS PROTETIVAS DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS. CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DE POLÍCIA PARA VERIFICAÇÃO DA LEGALIDADE.

DEMANDA QUE TRATA DE 2 (DUAS) RECLAMAÇÕES FORMULADAS INDIVIDUALMENTE, POR CONSUMIDORES DIFERENTES, CONTRA A MESMA EMPRESA, TENDO, CADA QUAL, GERADO A INSTAURAÇÃO DE UM PROCESSO ADMINISTRATIVO. DECISUM DO JUÍZO A QUO QUE DESCONSIDEROU ESSA REALIDADE, NÃO ANALISANDO OS ATOS E AS DECISÕES ADMINISTRATIVAS SEPARADAMENTE, O QUE RESULTOU EM EQUÍVOCOS SUCESSIVOS AO TRATAR AS DUAS SITUAÇÕES COMO SE FOSSEM SOMENTE UMA, EXARANDO CONCLUSÃO EM DESCONFORMIDADE COM AS PROVAS DOS AUTOS. FLAGRANTE NULIDADE DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE, APESAR DISSO, DE IMEDIATO JULGAMENTO DO MÉRITO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA, NOS TERMOS DO ART. 1.013, § 3º, DO CPC.

SANÇÃO APLICADA EM RAZÃO DA VIOLAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (ARTS. 20, E 55, § 4º), E ARTS. 18, E 33, § 2º, DO DECRETO FEDERAL N. 2.181/97, EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE RESTITUIÇÃO DE VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE, POR EXCESSO E PORQUE RELATIVOS A PERÍODO EM QUE O CONTRATO JÁ ESTAVA CANCELADO, EM UM DOS CASOS, E DIANTE DO DESATENDIMENTO DA NOTIFICAÇÃO PARA PRESTAR INFORMAÇÕES ACERCA DA RECLAMAÇÃO DEFLAGRADA PELO CONSUMIDOR, NA OUTRA SITUAÇÃO. PROCESSOS ADMINISTRATIVOS LEVADOS A EFEITO COM REGULARIDADE. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA E AO DEVER DE MOTIVAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. PENALIDADES MANTIDAS. MULTAS ARBITRADAS, EM CADA UM DOS PROCEDIMENTOS, EM 3.000 UFIR, EQUIVALENTE, À ÉPOCA, AO MONTANTE DE R$ 9.758,40. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NO QUANTUM FIXADO, ANTE OS PREJUÍZOS AO CONSUMIDORES COM MANIFESTA VANTAGEM POR PARTE DO FORNECEDOR INFRATOR, DESTACADA EMPRESA DO RAMO DE TV POR ASSINATURA. CARÁTER INIBIDOR DA MEDIDA. INACOLHIMENTO DA PRETENSÃO DEDUZIDA PELA AUTORA.

"É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a sanção administrativa prevista no artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor funda-se no Poder de Polícia que o PROCON detém para aplicar multas relacionadas à transgressão dos preceitos da Lei n. 8.078/1990, independentemente da reclamação ser realizada por um único consumidor, por dez, cem ou milhares de consumidores." (STJ, AgInt no REsp 1594667/MG, rel. Min. Regina Helena Costa, j. 04/08/2016).

Não se trata de usurpação da função típica do Poder Judiciário, nem tampouco de violação ao art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988 ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"). Aplicação da chamada teoria dos poderes implícitos, pois negar ao PROCON a possibilidade de interpretação de cláusulas contratuais significa impedir a atuação regular do órgão administrativo instituído para a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF/88).

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA CASSAR A SENTENÇA, JULGANDO IMPROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA EXORDIAL. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300180-10.2018.8.24.0020, da comarca de Criciúma 2ª Vara da Fazenda em que é/são Apelante(s) Município de Criciúma e Apelado(s) Sky Serviços de Banda Larga Ltda.

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para cassar a sentença, e julgar improcedente o pedido formulado na exordial. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Desa. Sônia Maria Schmitz (com voto) e dele participaram a Exma. Desa. Vera Copetti e o Exmo. Des. Rodolfo Tridapalli.

Funcionou como representante do Ministério Público na sessão a Exma. Sra. Dra. Eliana Volcato Nunes.

Florianópolis, 5 de março de 2020.

Desembargadora Vera Copetti

Relatora


RELATÓRIO

Sky Serviços de Banda Larga Ltda. ajuizou ação anulatória com pedido de antecipação dos efeitos da tutela contra o Município de Criciúma, objetivando desconstituir multas que lhe foram aplicadas pelo PROCON municipal.

Alegou que, em razão de reclamações registradas pelos consumidores Juliana Ronconi da Silva e Ed Wilson Bittencourte Machado, foram instaurados os processos administrativos ns. 7653/2014 e 7978/2015, resultando na imposição de penalidade no valor que alcança R$ 20.237,70 (vinte mil, duzentos e trinta e sete reais e setenta centavos), indevidamente mantida mesmo após a interposição de recurso administrativo.

Sustentou a nulidade das multas administrativas, diante da incompetência do PROCON para aplicação de sanções em casos individuais, alegando, também, que houve excesso no emprego do Poder de Polícia, e violação ao contraditório e ampla defesa por terem sido desconsiderados os argumentos e provas produzidos pela reclamada.

Aduziu, nesse pensar, que, ao ser notificada pelo órgão de fiscalização, apresentou todas as informações solicitadas. Quanto à reclamação de cobranças indevidas formulada por Ed Wilson Bittencourte Machado, o contrato foi cancelado e sem débitos pendentes e, no que tange à reclamação de Juliana Ronconi da Silva, referente a uma recarga efetuada em seu equipamento sem que fosse liberado o sinal, que foi realizado acordo em audiência para restituição dos valores, inviabilizada pelo fato de a consumidora não ter informado o Banco para depósito da respectiva quantia.

Afirmou que, assim, está ausente comprovação das práticas infratoras que lhe foram imputadas, tratando-se de meras alegações dos consumidores, de modo que as decisões proferidas na esfera administrativa não encerram motivação apta a ensejar a imposição de multa, com prejuízo da legalidade, além da inobservância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Ao final, pleiteou a concessão da tutela antecipatória para a suspensão da exigibilidade das multas, a declaração de nulidade das sanções ou a redução do seu valor. Juntou documentos (pp. 31-230).

Foi indeferida a tutela antecipada (pp. 231-232).

Citado, o Município de Criciúma apresentou contestação, defendendo a regularidade dos procedimentos administrativos. Sustentou que, nos dois casos, foi oportunizada à reclamada a apresentação de defesa, ficando intimada acerca de todos os atos processuais, possibilitando-se viesse sanar as pendências indicadas, contudo, a empresa, de forma injustificada, não atendeu às convocações, porquanto no Processo Administrativo n. 2014/7653 (reclamante Juliana Ronconi da Silva), embora tenha realizado acordo para restituição dos valores cobrados indevidamente, alegou a inviabilidade de cumprimento por não ter sido informado, pela consumidora, o Banco da conta por ela indicada, porém que não comprovou ter tido dificuldade em identificar qual a instituição financeira, nem demonstrou interesse em obter a informação supostamente faltante, providenciando a devolução; e quanto ao Processo Administrativo nº 2015/7978 (reclamante Ed Wilson Bittencourte Machado), que apesar de notificada, não compareceu à audiência de conciliação, e não encaminhou defesa escrita, deixando de prestar as informações necessárias ao esclarecimento da situação, quedando-se inerte, restando caracterizada a desobediência.

Sustentou a legitimidade da atuação do PROCON, afirmando sua competência para a fiscalização das infrações à legislação consumerista. Disse que atuou no exercício legítimo do poder de polícia, nos termos do art. 55 da Lei n. 8.078/90 e do Decreto n. 2.181/97, não havendo violação aos princípios da separação dos poderes, da motivação e da legalidade, e que as sanções aplicadas observam os limites normativos estabelecidos, tendo sido graduadas de acordo com a gravidade das infrações e a condição econômica do fornecedor, devendo ser mantidas em seus respectivos montantes, pugnando pela improcedência do pedido (pp. 272-281).

Houve réplica (pp. 284-295).

Decidindo antecipadamente, o MM. Juiz Pedro Aujor Furtado Júnior julgou procedente o pedido, declarando a nulidade das multas aplicadas pelo PROCON, condenando o Município ao pagamento de verba honorária, fixada esta em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). (pp. 305-310).

Irresignado, o Município de Criciúma interpôs recurso de apelação, reiterando a alegação de legitimidade da aplicação das multas, ao argumento de que decorre do poder de polícia conferido ao PROCON, arguindo a impossibilidade de análise do mérito do ato administrativo pelo Poder Judiciário, destacando que tal atuação deve ficar restrita aos casos de ilegalidade flagrante. Aduz que, diante das reclamações formuladas pelos consumidores, foram instaurados procedimentos administrativos e oportunizada a apresentação de defesa, restando comprovadas as infrações às normas consumeristas por parte da autora/apelada consoante detalhado quando da apresentação da contestação, e que foram observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade na fixação das multas. Sustenta que, ao desconsiderar tal realidade, a decisão exarada pelo Juízo a quo está em desconformidade com as provas produzidas nos autos, termos em que requereu o provimento do recurso, com a desconstituição da sentença, julgando-se improcedente o pedido formulado na exordial e, alternativa e subsidiariamente, pleiteou a redução dos honorários advocatícios, dizendo terem sido arbitrados em valor excessivo, por se tratar de hipótese de julgamento antecipado, sem realização de audiência e demais atos processuais (pp. 314-331).

Deferida a tutela de urgência, com a determinação de suspensão da exigibilidade das multas...

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