Acórdão Nº 0300212-78.2019.8.24.0020 do Terceira Câmara de Direito Público, 22-11-2022

Número do processo0300212-78.2019.8.24.0020
Data22 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300212-78.2019.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: EDP TRANSMISSAO ALIANCA SC S.A. (AUTOR) APELANTE: COMPANHIA SIDERURGICA NACIONAL (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Na Comarca de Criciúma, EDP Transmissão Aliança S.A ajuizou ação de constituição de servidão administrativa com pedido liminar contra Companhia Siderúrgica Nacional alegando que é concessionária do serviço público federal responsável por implantar linha de transmissão elétrica em regiões do Estado de Santa Catarina; que foi publicada Resolução Autorizativa, expedida pela ANEEL, declarando de utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, em favor da demandante, as respectivas áreas: LT 525 kV entre as Subestações de Biguaçu e Siderópolis 2 (Circuito Simples), da LT 525 kV entre as Subestações de Siderópolis 2 e Abdon Batista (Circuito Duplo), da LT 525 kV entre as Subestações de Abdon Batista e Campos Novos (Circuito Simples), da LT 230 kV entre as Subestações de Siderópolis 2 e Siderópolis (Circuito Duplo), da LT 230 kV entre as Subestações de Siderópolis 2 e Forquilhinha (Circuito Simples); que o terreno do réu está inserido nas áreas afetadas pela passagem da linha de transmissão, em especial, no Município de Siderópolis; que deve ser desocupada a área pelo demandado, em caráter de urgência; que busca a imissão provisória na posse; que realizou avaliação no imóvel, que apresentou o valor total de R$ 48.122,81 hábil a justificar o pagamento de indenização ao demandado; que é desnecessária perícia prévia para imissão provisória na posse. Formulou pedido liminar para que ocorra a imissão provisória na posse da área descrita na inicial e, ao final, a procedência do pedido inicial de constituição de servidão administrativa em favor da autora.

O pedido liminar foi deferido. Contra essa decisão, a demandada interpôs recurso de agravo de instrumento (AI n. 4009427-46.2019.8.24.0000), que foi desprovido.

O demandado foi citado e contestou a lide alegando que compete à Justiça Federal analisar o pedido formulado na vestibular; que a área degradada pela mineração de carvão mineral é objeto de ação civil pública em que a União figura como ré; que o imóvel, objeto da discussão judicial, está situado em área de preservação ambiental sob monitoramento e fiscalização do Ministério Púbico Federal; que a parte autora não apresentou Estudo e Relatório de Impacto Ambiental; que devem ser analisadas as consequências que possam advir da realização da servidão administrativa por parte da demandante; que a constituição de servidão administrativa depende de autorização judicial específica; que o valor apresentado pela autora a título de indenização deve ser impugnado, porquanto, irrisório; que deve ser realizada prova pericial.

Impugnados os argumentos da contestação, foi determinada a realização da prova pericial, cujo laudo e respectiva complementação foram anexados nos autos.

Após manifestação das partes e apresentadas alegações finais, o digno Magistrado sentenciou o feito julgando parcialmente procedente o pedido inicial para "constituir servidão administrativa em favor da autora sobre a área descrita na inicial, tornando definitiva a liminar possessória. CONDENO a autora no pagamento de indenização em favor da parte ré pela constituição da servidão administrativa, no valor de R$ 103.177,98 (cento e três mil, cento e setenta e sete reais e noventa e oito centavos), a ser corrigida monetariamente pelo INPC a partir da data do laudo pericial e acrescida de juros moratórios de 6% ao ano a contar do trânsito em julgado, incidindo ainda juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao ano desde a imissão provisória na posse até o efetivo pagamento da indenização, calculado sobre a diferença entre 80% (oitenta por cento) do preço ofertado em juízo pela autora e o valor do bem fixado na sentença, devendo ser abatido o valor já depositado no início do processo para obtenção da liminar possessória". "Ainda, CONDENO a autora no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 5% (cinco por cento) do valor da diferença entre a indenização fixada e o preço oferecido."

Inconformada, a demandante interpôs recurso de apelação alegando que o laudo pericial incorreu em inúmeros equívocos de ordem técnica e atribuiu valor "muito" superior ao ofertado pela concessionária; que o coeficiente de servidão apontado no laudo não reflete a realidade das restrições impostas e a destinação da área; que o local em que será constituída a servidão se trata de área não mecanizável do imóvel; que houve excesso na fixação do valor inerente à depreciação do remanescente; que deve ser tido como justo o valor indenizatório indicado na vestibular.

A demandada, também inconformada, interpôs recurso de apelação alegando que a sentença deixou de estabelecer as responsabilidades da demandante em relação aos impactos que a intervenção na área terá na reabilitação do comissionamento do imóvel; que a servidão administrativa constituída pela demandante deve ser condicionada a responsabilizá-la pelos reflexos na recuperação da área e pelo descomissionamento do imóvel.

Com as contrarrazões das partes, após, os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, no parecer da lavra da Exma. Sra. Dra. Monika Pabst, manifestou-se no sentido de conhecer e desprover o recurso da demandante e dar provimento ao da demandada.

VOTO

Do Apelo da EDP Transmissão Aliança SC S.A.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença que, nos autos da ação de constituição de servidão administrativa ajuizada por EDP Transmissão Aliança S.A contra a Companhia Siderúrgica Nacional julgou procedente em parte o pedido formulado na inicial para: i) constituir servidão administrativa em favor da autora sobre a área descrita na vestibular; ii) condenar a demandante ao pagamento de indenização no valor de R$ 103.177.98, a título de indenização por limitação de imóvel (constituição de servidão administrativa), para fins de instalação de linha de transmissão elétrica.

Afirma a concessionária em seu apelo que:

i) "(...) a sentença acolheu um valor que indeniza a apelada integralmente pela terra nua, como se os autos fossem destinados à desapropriação, o que é manifestamente equivocado. (Evento 206, APELAÇÃO1, p. 06);

ii) "(...) por constatar que a faixa de servidão provocará restrições mínimas, com os riscos e incômodos de praxe - para os quais há a indenização devida, é que a apelada atribuiu um coeficiente de servidão de 33%, em contraposição ao infundado valor apurado pelo expert e acolhido na sentença (Evento 206, APELAÇÃO1, p. 06).

iii) "(...) Independentemente da metodologia escolhida e aplicada pelo perito, o percentual atribuído à "potencial" depreciação do remanescente vai absolutamente contra o entendimento do STJ e seria o equivalente a "antecipar" uma indenização, sem saber ao certo qual seria o efetivo impacto sobre a propriedade ao longo dos anos, exclusivamente com base na impossibilidade futura e incerta de que o proprietário venha a desejar cultivar outras espécies ou mude a destinação da área. (Evento 206, APELAÇÃO1, p. 09).

Ao final, formulou o seguinte pedido:

Em face do exposto, requer o conhecimento e provimento do recurso para: (a) seja cassada a sentença para determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que o perito seja intimado para corrigir as atecnias apresentadas no laudo, que incorreu por apurar valor indenizatório desproporcional e injusto, sob risco de causar enriquecimento ilícito à parte adversa; não sendo este o entendimento de Vossas Excelências, (b) requer a reforma da sentença para considerar como justo valor indenizatório aquele indicado pela autora no laudo carreado a inicial (Evento 206, APELAÇÃO1, p. 10).

Pois bem!

Convém registrar que servidão administrativa constitui direito real de natureza pública, que assegura ao Poder Público e respectivas concessionárias utilizar imóvel particular ou público para a realização de obras/serviços coletivos, sujeitando-se, por conta do seu caráter, às normas de Direito Público.

Nas palavras de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, "Servidão administrativa é o direito real público que autoriza o Poder Público a usar a propriedade imóvel para permitir a execução de obras e serviços de interesse coletivo. Cuida-se de um direito real público, porque é instituído em favor do Estado para atender a fatores de interesse público" (Manual de Direito Administrativo, 31. Ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 838).

E prossegue lecionando o renomado administrativista:

"O fundamento geral da servidão administrativa é o mesmo que justifica a intervenção do Estado na propriedade: de um lado, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado e, de outro, a função social da propriedade, marcada nos arts. 5o, XXIII, e 170, III, da CF. O sacrifício da propriedade cede lugar ao interesse público que inspira a atuação interventiva do Estado.

"Não há uma disciplina normativa específica para as servidões administrativas. O dispositivo legal que a elas se refere é o art. 40 do Decreto-lei no 3.365/1941, que regula as desapropriações por utilidade pública. Nesse diploma, reza o citado dispositivo que "o expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei". A norma é antiga e anacrônica, e, na verdade, seu exíguo conteúdo não mais atende às linhas que traçam a fisionomia do instituto. Com esforço interpretativo, contudo, podemos entender que o titular do poder de instituir as servidões é o Poder Público (que na lei é o expropriante) e que, em alguns casos, será observado o procedimento da mesma lei para a instituição do ônus real. Seja como for, o art. 40 da lei expropriatória é o fundamento legal genérico do instituto." (Manual de Direito Administrativo, 31. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 839).

Portanto, as regras da desapropriação são aplicáveis à servidão administrativa quando com este instituto for compatível. Tanto é assim que...

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