Acórdão Nº 0300238-25.2014.8.24.0029 do Terceira Câmara de Direito Civil, 19-07-2022

Número do processo0300238-25.2014.8.24.0029
Data19 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300238-25.2014.8.24.0029/SC

RELATOR: Desembargador SAUL STEIL

APELANTE: BOURBON COMERCIAL DE VEICULOS LTDA (RÉU) APELANTE: PEUGEOT-CITROEN DO BRASIL AUTOMOVEIS LTDA (RÉU) APELADO: FABIO MANOEL CARDOSO (AUTOR) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Por brevidade, adota-se o relatório elaborado pelo Douto Juízo de Direito da Vara Única da comarca de Imaruí:

"Fabio Manoel Cardoso ajuizou a presente ação de anulação de ato jurídico c/c indenização por danos materiais e morais contra Peugeot-Citroen do Brasil Automóveis Ltda. e Bourbon Comercial de Veículos Ltda. aduzindo, em síntese, que adquiriu o veículo BOXER 350LH 2.3, ano 2012/2013, em data de 30/08/2012, com recebimento em data de 31/08/2012, pelo valor de R$ 73.771,50 (setenta e três mil setecentos e setenta e um reais e cinquenta centavos).

Salientou que, com menos de um mês de uso e 213 quilômetros rodados, o veículo passou a apresentar problemas. Relatou que no dia 18/09/2012, com o veiculo recém adquirido e ainda na garantia de fábrica, transitava de Imaruí/SC em direção à Florianópolis/SC, quando percebeu que a temperatura do motor do veículo aumentou de forma estranhamente rápida e o veículo perdeu potência. Diante dessa situação, parou o veículo para verificar o que estava ocorrendo e, ao abrir o capô, deparou-se com o motor fervendo e vazando mistura que parecia ser água e óleo.

Narrou que o veículo continuou a apresentar problemas e que todas as tentativas a fim de solucionar os defeitos apresentados eram frustradas. Diante dos fatos narrados requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita, a aplicação das normas consumeristas e a inversão do ônus da prova a procedência dos pedidos para condenar as rés: a) anular o contrato e como consequência o reembolso do preço pago pelo veículo e demais despesas, troca do veículo por um novo ou compelir os requeridos a realizar todos os reparos necessários no veículo; b) indenização por danos materiais e morais.

Foram indeferidos os pedidos de antecipação dos efeitos da tutela e de benefício da justiça gratuita (evento 19).

A ré Peugeot-Citroen do Brasil Automóveis Ltda. devidamente citada apresentou contestação. Salientou, de início, que não possui legitimidade para compor o polo passivo da demanda.

No mérito, alegou a falta de comprovação de nexo causal, pois, embora o veículo tenha apresentado alguns problemas, estes não possuem correlação com o processo de fabricação do veículo. Informou que não há qualquer irregularidade que autorize a substituição ou a devolução da quantia paga nos termos da legislação consumerista. Quanto aos danos materiais pleiteados afirmou que não há prova suficiente a fim de comprovar o dano e consequentemente os gastos. Por fim, afirmou que não há nos autos qualquer evidência de prejuízo à dignidade do autor, uma vez que não foi exposto a situações vexatórias e constrangedoras, a ponto de ser devida a indenização por danos morais (evento 30).

Bourbon Comercial de Veículos Ltda. devidamente citada apresentou contestação. Preliminarmente, suscitou a ilegitimidade passiva por ausência de relação de compra e venda de veículo entre as partes.

No mérito, sustentou a inaplicabilidade do Código de Defesa Consumidor e o mau uso do veículo pelo autor. Informou que não há que se falar em rescisão contratual e devolução dos valores em razão ausência de comprovação do nexo causal e da responsabilidade da requerida. Alegou que como não há comprovação de que houve vício oculto no produto, não há que se falar em qualquer indenização (evento 31).

Houve réplica (evento 36).

Na decisão de saneamento, afastou-se as preliminares aventadas pelos réus. Foram fixados os pontos controvertidos e designou-se audiência de instrução e julgamento (evento 47).

Realizado o ato, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pelo autor, com a desistência da última faltante (evento 113).

Foi deferida a produção de prova técnica (evento 119).

O laudo pericial foi acostado aos autos no evento 175.

Manifestações das partes acerca do referido laudo pericial (eventos 179-181).

Alegações finais dos conflitantes nos eventos 187, 190 e 270".

Sobreveio sentença (Evento 274 - 1G) na qual a magistrada Cintia Ranzi Arnt julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos:

"Ante o exposto JULGO PROCEDENTES os pedidos do autor, nos termos do art. 487, inc. I, do CPC e como consequência:

A) Para decretar a rescisão contratual, com retorno das partes ao status quo ante. Deverá a parte autora devolver o veículo à parte ré. De outro lado, condeno a parte ré, solidariamente, restituir a parte autora no valor de mercado do veículo, os termos da tabela FIPE, no momento da citação da última ré. Sendo que a partir deste momento incidirá juros de mora à taxa de 1% ao mês e correção monetária pelo INPC;

B) Condenar a parte ré, solidariamente, ao pagamento da indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigido monetariamente pelo INPC (art. 1º do Provimento n. 13/1995), a partir deste arbitramento (Súmula n.º 362 do STJ), e e acrescido de juros de mora de 1% a contar da citação, em se tratando de relação contratual;

C) Condenar a parte ré, solidariamente, ao pagamento da indenização por danos materiais no valor de R$ 7.166,25. Tal valor deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC desde o desembolso e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Condeno as rés, solidariamente, ao pagamento das custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios de sucumbência ao patrono da parte autora, que fixo em 15% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Justifico a fixação em patamar médio pelo tempo de tramitação e trabalho desempenhado nos autos".

Opostos embargos de declaração pela ré BOURBON COMERCIAL DE VEICULOS LTDA (Evento 283 - 1G), foram acolhidos para retificar o erro material apontado, expressando-se que o autor pagou o preço à ré PEUGEOT-CITROEN DO BRASIL AUTOMOVEIS LTDA., e não para Praia Comércio de Motos Ltda, bem como para esclarecer que a propriedade do veículo deve ser repassada à pessoa jurídica que recebeu o pagamento do preço (Evento 297 - 1G).

Irresignadas, ambas as rés recorreram.

PEUGEOT-CITROEN DO BRASIL AUTOMOVEIS LTDA insistiu, de início, na sua ilegitimidade passiva, pois: (a) não existe qualquer previsão legal que disponha que a empresa concedente é solidariamente responsável pelos atos praticados pela concessionária; e (b) o art. 14 do CDC expressa a responsabilidade exclusiva do prestador de serviços pela qualidade destes.

Quanto ao mérito, ventilou que: (c) inexiste prova do defeito de fabricação do veículo; (d) não ocorreu situação gravosa o suficiente para que se fizesse necessária a restituição do valor do veículo, como determinou o Juízo singular, pois o bem está apto aos fins que se destina, sobretudo porque na própria perícia nenhum dos vícios alegados foram constatados; (e) logo, não havendo prática e ato ilícito de sua parte, não há falar em ressarcimento dos danos materiais reconhecidos na sentença; e (f) não há fundamento para a condenação a título de danos morais, porquanto impossível extrair-se dos fatos narrados circunstâncias capazes de provocar no requerente prejuízos emocionais de grandeza suficiente para exigir compensação.

Nesses termos, postulou a reforma da sentença para que rejeitada integralmente a pretensão inaugural. Subsidiariamente, ponderou que, para as partes retornarem ao status quo ante, faz-se necessária determinação judicial para que o autor transfira a propriedade do veículo à fabricante, devendo disponibilizar o DUT preenchido e assinado, o CRLV do veículo desde a aquisição, comprovantes de pagamento do IPVA, licenciamento e DPVAT, chaves original e reserva, todos os itens obrigatórios de segurança do automóvel, bem como laudo cautelar e de vistoria obtido junto ao Detran. Afirmou ainda que, não sendo este o entendimento, deve ser oficiado o órgão de trânsito para que se transfira o veículo sem a necessidade dos trâmites administrativos (Evento 305 - 1G).

Já a corré BOURBON COMERCIAL DE VEICULOS LTDA também repisou não ter legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, haja vista que: (a) os supostos vícios de fabricação teriam surgido sem quaisquer intervenções da concessionária; e (b) a solidariedade consagrada pela legislação consumerista somente se aplica na hipótese de impossibilidade de identificação do fornecedor fabricante.

Como insurgências de mérito, aduziu: (c) não ser aplicável ao caso a legislação consumerista, eis que o veículo utilitário adquirido pelo autor é utilizado na prestação de serviços de transporte a terceiros, o que o desqualifica como destinatário final; (d) diante da ausência de comprovação de vício insanável, e tendo a perícia atestado que o veículo está em boas condições após ter sido reparado pelo autor, é descabida a rescisão do negócio jurídico, já que a determinação foge aos princípios do atendimento aos fins sociais e às exigências do bem comum, bem como da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade e eficiência; (e) a medida mais adequada ao caso vertente é o reembolso das despesas suportadas pelo autor para adequar o veículo à plena condição de uso; (f) atendeu às solicitações do autor a tempo e modo, de forma que o veículo não sofreu o comprometimento de seus itens de segurança, assim como não incorreu em diminuição de valor e comprovadamente não está impróprio para o uso; (g) dessarte, o pedido de substituição do produto por outro da mesma espécie ou de rescisão deve ser julgado improcedente, bem assim o pleito indenizatório por danos morais, até porque os fatos narrados não desbordam o mero dissabor; e (h) subsidiariamente, o importe compensatório do prejuízo anímico não deve superar o patamar de um salário mínimo.

Com amparo nesses fundamentos, suplicou pela...

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