Acórdão Nº 0300239-51.2015.8.24.0004 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 01-12-2022

Número do processo0300239-51.2015.8.24.0004
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0300239-51.2015.8.24.0004/SC

RELATOR: Juiz OSMAR MOHR

APELANTE: GISLISO ORIGE ADVOGADO: PAULO ROBERTO JOÃO (OAB SC023244) ADVOGADO: DALTON LUZ (OAB SC020978) APELADO: BANCO PAN S.A. ADVOGADO: DAISY NOROEFÉ DOS SANTOS (OAB RS053614) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por GISLISO ORIGE contra a sentença proferida nos autos da ação de rescisão contratual c/c indenização por danos morais e materiais proposta pelo apelante em face de BANCO PAN S.A, ajuizada perante a 2ª Vara Cível da comarca de Araranguá.

Adota-se o relatório da sentença proferida na origem, em aplicação dos princípios da economia e celeridade processual, por retratar com fidedignidade o trâmite processual no primeiro grau, in verbis:

Gisliso Orige ajuizou ação contra o Banco Panamericano S/A, relatando que adquiriu de um 'garagista' um veículo, entregando como parte do pagamento um outro automóvel que possuía e adimplindo o restante mediante um financiamento feito com o réu. Entretanto, posteriormente tomou conhecimento de que a procuração apresentada pelo vendedor era falsa e que, por isso, o veículo não poderia ser transferido, o que motivou o autor a desfazer o negócio. Alegou que a ré foi negligente na concessão do financiamento e que a omissão dela acarretou danos morais e materiais. Ao final, requereu a procedência da demanda, rescindindo-se o contrato sem ônus para o requerente e condenando-se a requerida a indenizar os danos materiais e morais. Pediu, ainda, a concessão do benefício da justiça gratuita, o que foi deferido. A inicial foi indeferida por ilegitimidade passiva ad causam e prescrição quanto aos pleitos indenizatórios, prosseguindo apenas em relação ao pedido rescisório. Citado, o réu apresentou contestação, na qual, não observando a decisão que indeferiu parte da inicial, arguiu ilegitimidade passiva ad causam e prescrição. No mérito, defendeu que não foi omisso e que não pode ser responsabilizado pelo fato, razão pela qual o contrato deve ser cumprido. Ao final, pediu a improcedência da demanda. O autor replicou. Intimado para fins do art. 10 do CPC, o autor manifestou-se sobre a decadência. Vieram os autos conclusos.

A sentença objurgada reconheceu a decadência do direito da parte autora para postular a rescisão contratual, cujo dispositivo foi redigido da seguinte forma:

Face ao exposto, extingo o pedido rescisório com fundamento no art. 178 do CC c/c o art. 487, II, do CPC, e julgo improcedente o pleito indenizatório. Condeno o autor no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador do requerido, que fixo em 10% sobre o valor da causa, observando-se o art. 98, § 3º, do CPC.

Em suas razões recursais, o apelante alegou, em síntese, que o termo inicial para postular a rescisão contratual, como também para a indenização pelos danos materiais e morais, é a data da última parcela do financiamento, cujo termo final deu-se em 13/06/2013. Requereu, assim, a reforma da sentença nos termos da fundamentação.

Contrarrazões apresentadas no evento 63.

Após, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

É o breve relatório.

VOTO

1. Do juízo de admissibilidade

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

2. Do mérito

2.1. Da prescrição

Sustentou a parte apelante, em suma, que o termo inicial para postular a rescisão contratual, como também para a indenização pelos danos materiais e morais, é a data da última parcela do financiamento, cujo termo final deu-se em 13/06/2013

A pretensão da parte autora é a rescisão do contrato de financiamento bancário firmado em 10/06/2008, através do qual adquiriu um veículo VW Santana, ano/modelo 1998/1999, placas LCP 9268, além de indenização por danos materiais e morais decorrentes da concessão do financiamento para aquisição deste veículo que não foi possível tomar posse em virtude de estar registrado em nome de terceiro.

O contrato de compra e venda do veículo foi objeto de ação própria (0013425-64.2008.8.24.0004) pela parte autora (ora recorrente) em face do "garagista" (vendedor do veículo), em que foi declarada a rescisão contratual, cujo dispositivo transcreve-se abaixo:

JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado e DECLARO rescindido o contrato firmado entre as partes condenando RÔMULO ORIGE COELHO a devolver o valor pelo autor GISLISO ORIGE excetuando-se os cheques sustados, alcançando-se a soma de R$ 4.216,00.

A referida ação transitou em julgado em 07 de julho de 2010.

Primeiramente, há que se destacar que se trata de hipótese de evicção do contrato de compra e venda do veículo, na medida em que o alienante (vulgo "garagista") vendeu o veículo (posteriormente financiado) ao autor (ora apelante), do qual sequer possuía o domínio, cuja rescisão contratual foi posteriormente decretada (autos 0013425-64.2008.8.24.0004).

De acordo com a doutrina, a evicção trata-se de garantia legal prevista no artigo 447 e seguintes do Código Civil, e "refere-se a eventual perda da coisa, total ou parcial, cuja causa ou origem seja anterior ao ato de transferência". (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 22. ed. Barueri, SP: Atlas, 2022 - edição digital).

Obviamente, não há que se falar em evicção entre o mutuário e a instituição financeira, eis que esta relação se refere exclusivamente ao financiamento bancário para aquisição do veículo, embora possua estreita relação de dependência.

A bem da verdade, a relação entre a instituição financeira e o mutuário, na hipótese em questão (financiamento para aquisição de veículo automotor), justifica-se pelo financiamento para a aquisição do veículo automotor, servindo-se este como garantia da dívida contraída em decorrência da propriedade resolúvel.

Exatamente por tal motivo que o pedido de declaração de rescisão contratual não se sujeita à decadência (reconhecida na sentença recorrida), uma vez que não se trata de direito potestativo em virtude de alguma causa de nulidade ou vício contratual (art. 176 do Código Civil). Decorre da pretensão (direito subjetivo) do mutuário na rescisão do contrato em virtude do desaparecimento das razões fundantes do contrato de financiamento bancário.

Aliás, neste ponto, importante mencionar que não há qualquer vício no contrato bancário, pois, afinal, este foi firmado por agente capaz, possui objeto lícito, possível, determinado ou determinável, bem como não existe forma prescrita ou proibida em lei (art. 104 do Código Civil).

Desse modo, verifica-se, de início, que a sentença objurgada se baseou, data venia, em premissa fática equivocada (decadência), eis que a pretensão da parte autora está baseada em direito subjetivo e não potestativo, competindo aferir, agora, se decorreu o prazo prescricional entre a violação do direito e a propositura da demanda (art. 189 do Código Civil).

Sobre a prescrição da pretensão da parte recorrente (rescisão contratual, indenização por danos materiais e morais), tem-se que o prazo prescricional é decenal (art. 205 do Código Civil), assim como seu início é a data final prevista para o contrato, conforme entendimento já pacificado no Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA CUMULADO COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE E INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. PRETENSÃO DECORRENTE DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PRAZO. DECENAL. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. DATA FINAL PREVISTA NO CONTRATO. APLICAÇÃO DO CDC. REALIZADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ONEROSIDADE EXCESSIVA. NÃO CARACTERIZADA. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE ALUGUERES. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.1. Tratando-se de responsabilidade decorrente de inadimplemento contratual, entende esta Corte que o prazo prescricional aplicável é o decenal, previsto no artigo 205 do Código Civil.2. O vencimento antecipado do contrato de financiamento imobiliário por inadimplemento do devedor não altera o termo inicial da prescrição, ficando mantida a data estipulada no contrato.Precedentes.3. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de permitir a retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas a título de promessa de compra e venda de imóvel, como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados.4. Decretada a resolução do contrato de compra e venda de imóvel, com a restituição das parcelas pagas pelo comprador, o retorno das partes ao estado anterior implica o pagamento de indenização pelo tempo em que o comprador ocupou o bem, desde a data em que a posse lhe foi transferida. Precedentes.5. Ao repisar os fundamentos do recurso especial, a parte agravante não trouxe, nas razões do agravo regimental, argumentos aptos a modificar a decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.6. Agravo interno não provido(AgInt no AREsp n. 1.947.468/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/3/2022, DJe de 30/3/2022 - sem grfo no original).

De acordo com a corrente jurisprudencial predominante, a responsabilidade...

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