Acórdão Nº 0300240-10.2019.8.24.0032 do Sexta Câmara de Direito Civil, 03-11-2020

Número do processo0300240-10.2019.8.24.0032
Data03 Novembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0300240-10.2019.8.24.0032/SC



RELATOR: Desembargador ANDRÉ CARVALHO


APELANTE: CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. (RÉU) APELADO: MARCOS KACHUBA (AUTOR)


RELATÓRIO


Reproduzo, por sua qualidade e completude, o relatório da sentença, da lavra do magistrado Gilmar Nicolau Lang (Evento 69):

Vistos, etc. Marcos Kachuba, nos autos qualificado, através advogados, ajuizou AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS contra CELESC DISTRIBUIÇÃO S/A, igualmente qualificada.
Inicialmente, com fulcro no artigo 300 e seguintes do CPC requereu tutela cautelar antecedente, relatando que: a) é pequeno produtor de fumo e utiliza estufa de secagem movida a energia elétrica; b) em 28.01.2019 e 31.01.2019 ocorreram interrupções do fornecimento de energia que perduraram por várias horas; c) as quedas de energia causaram prejuízos às folhas que estavam em processo de secagem, comprometendo a qualidade das mesmas; d) necessária a perícia do tabaco para comprovação do alegado prejuízo. Apresentou, desde logo, os quesitos.
Fundamentou longamente o pedido, sustentou que é aplicável do Código de Defesa do Consumidor, requereu a justiça gratuita, e juntou procuração e documentos.
Pela decisão inicial foi concedida a justiça gratuita (limitada às custas processuais), reconhecido que se trata de relação de consumo e deferido o pedido, com nomeação de perito judicial, bem como determinou-se que a requerida deveria apresentar relatório de interrupções de energia, que abarcasse o período questionado.
Citada, a Celesc silenciou. A perícia foi realizada, sendo juntado o laudo. Apenas a parte autora manifestou-se sobre as conclusões.
O requerente formulou então o pedido principal (CPC, art. 308). Em resumo aduziu, que o perito judicial concluiu que houve perdas e que pretende o ressarcimento.
Intimada, a Celesc apresentou resposta em forma de contestação sendo agitados, em resumo, os seguintes argumentos:
- no caso concreto não é possível a inversão do ônus da prova;
- o consumidor tem obrigação de manter seus dados cadastrais atualizados, o que não estaria ocorrendo, fazendo uso de instalação doméstica para secagem de fumo;
- admite que ocorreu interrupção no fornecimento mas afirma que foi inferior ao que consta da inicial, insuficiente para causar perdas;
- estaria pacificado que são necessárias mais de três horas de interrupção no fornecimento para que ocorram prejuízos;
- casos fortuitos, como tempestades e raios, isentam a concessionária de responsabilidade; - as metas da ANEEL e índices de continuidade referentes ao município de Itaiópolis estão sendo rigorosamente cumpridos;
- o relacionamento produtor/concessionária não está sujeito às disposições do CDC pelo que seria incabível a inversão do ônus da prova;
- em sendo acolhido o pedido deve ser minorado o valor do alegado prejuízo, dês que o perito judicial não considerou o preço da classe TO2, "sedimentado na jurisprudência";
Após a réplica foi proferida a decisão de saneamento e organização do processo deferindo provas - juntada de notas fiscais de venda da safra questionada e informações da AFUBRA sobre pagamento, ou não, de indenização em razão de granizo.
Todos os documentos foram juntados.
Alegações finais, pela parte autora, por memoriais. A requerida apresentou-as remissivas.
Vieram-me os autos. Relatados.
Sobreveio sentença, na qual o togado singular julgou os pedidos procedentes. Por oportuno, transcreve-se o dispositivo do decisum:

Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido pela parte autora para CONDENAR a requerida CELESC a lhe pagar, a título de indenização por danos materiais, o valor de R$ 15,945.61 (quinze mil, novecentos e quarenta e cinco reais, e sessenta e um centavos) corrigidos pelo INPC desde a data do prejuízo até a data do efetivo pagamento, mais juros de mora de 1,00% (hum por cento) ao mês contados, estes, da citação.
Condeno, ainda, a requerida Celesc ao pagamento das custas processuais, honorários periciais e advocatícios, que fixo em 15,00% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, forte no §2º do artigo 85 do CPC/2015. O percentual se me afigura adequado considerando que o advogado houve-se com adequado zelo profissional que prestou os serviços na própria comarca onde mantém escritório, necessitou de muito tempo de serviço, tendo ajuizado ação cautelar de produção antecipada de provas, manifestação sobre as conclusões, formulação do pedido principal e apresentação de alegações finais por memoriais.
Irresignada, a empresa ré interpôs o recurso de apelação presentemente apreciado. Afirma, basicamente: a) que a despeito das efetivas quedas de energia, estaria a concessionária cumprindo as metas de fornecimento estipuladas pela ANEEL, cuja regularidade administrativa afastaria a ilicitude da conduta impugnada; b) que intempéries climáticas de força extrema seriam a causa das quedas no serviço, encerrando hipótese de caso fortuito (ou força maior); c) que o implemento dos danos materiais não estaria comprovado à espécie, uma vez que o laudo técnico foi produzido com informações unilaterais do autor e sem clara exposição da metodologia de cálculo empregada; d) que a parte autora tem ao menos culpa concorrente, uma vez que caberia a ela precaver-se através da instalação de um gerador alternativo, evitando os prejuízos que alega ter sofrido; e) que há culpa exclusiva do consumidor, porquanto a omissão no pleito de adequação da potência de energia elétrica seria a causa direta dos danos supostamente experimentados; f) e que não incidiria, no caso vertente, o Código de Defesa do Consumidor, pois o autor não seria destinatário final dos serviços, não se devendo aplicar ao caso a inversão do ônus da prova. Por tais razões, requer o conhecimento e provimento do recurso, com a conseqüente reforma da sentença prolatada pelo juízo a quo a fim de que sejam julgados totalmente improcedentes os pedidos formulados na exordial, ou, subsidiariamente, que a condenação seja limitada a 1/3 das perdas apuradas, ou, ainda subsidiariamente, que se determine a liquidação por arbitramento (Evento 78).
A parte recorrida opôs contrarrazões (Evento 81).
Após, os autos ascenderam ao Tribunal e me vieram conclusos.
É a síntese do essencial

VOTO


Registro inicialmente que, tendo a ação sido ajuizada já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, são desnecessárias discussões relativas ao direito processual aplicável à espécie.
Por preencher os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.
Como visto, trata-se de apelação cível interposta por Celesc Distribuição S/A em ação de indenização por danos materiais movida por Marcos Kachuba em desfavor da concessionária de energia, tendo o magistrado a quo julgado procedentes os pedidos declinados à petição inicial.
Ab initio, vale gizar que a circunstância relativa à ocorrência da queda de energia elétrica restou incontroversa durante a instrução, uma vez que foi afirmada na exordial e reconhecida pela demandada, limitando-se o apelo à abordagem de teses jurídicas com o fito de afastar a obrigação indenitária, devendo o reclamo ser apreciado sob essa perspectiva.
Pois bem, em suas razões, a Recorrente sustenta que o caso não atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que a parte autora utiliza a energia elétrica em sua atividade econômica de fumicultura, não podendo ser enquadrado enquanto destinatário final dos serviços.
Razão, todavia, não lhe assiste.
Primeiramente, vale gizar que a empresa Apelante enquadra-se de maneira precisa no art. 3º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: "Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".
Outrossim, a parte autora também se subsome ao conceito de consumidor encartado no art. 2º da legislação de regência, que assim dispõe: "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".
Segundo ensinamento de Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves, à luz da "teoria finalista aprofundada" (ou mitigada) - a qual vem prevalecendo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça -, desvela-se que "o enquadramento do consumidor dependerá da presença de uma parte qualificada como grande ou pequena, forte ou fraca", vez que o ponto chave para a quaestio repousa sobre a eventual hipossuficiência do...

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